HISTORIA
Memória e cultura: Casarões seculares do Recife são fonte de história
Por: Diario de Pernambuco
Por: Juliane Marinho
Publicado em: 26/02/2022 09:11 | Atualizado em: 26/02/2022 11:49
Casarão Villa D'Maria (Foto: Arthur Souza) |
A beleza, história e cultura em abundância são as principais características da capital pernambucana, além da sua particularidade em mesclar o antigo com a atualidade. As belas construções, entre elas, os casarões seculares, contam muito sobre a identidade do Recife, eles são uma das principais pontos que devem ter o cuidado e a preservação, por conter boa parte da memória da cidade. Hoje, o município tem 263 Imóveis Especiais de Preservação (IEPs), segundo dados da Prefeitura do Recife, e 47 bens tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan.
O arquiteto e professor universitário de Arquitetura, Pedro Valadares, explica que os casarões seculares, do Recife, surgiram no período colonial. Até o começo do século 19, a cidade se concentrava basicamente onde é o Bairro do Recife e de São José, essas localidades eram as áreas urbanas. Já as áreas que, agora são o Bairro da Boa Vista, Rosarinho, Espinheiro eram territórios rurais, tinham algumas propriedades bem dispersas, que podiam ser casas de veraneio, como casas grandes de engenho ou pequenas casas de pescadores. “No início do século 19, nesse período que veio para o Brasil a Família Real Portuguesa, e passou a reinar todo o Império Português, a partir daqui do Brasil. Então, por conta disso a Família Real começou a investir mais no país, principalmente nas grandes cidades, e isso atraiu investidores estrangeiros, principalmente ingleses, alemães, e o Recife era uma das maiores cidades daquele período, era basicamente a terceira economia do país, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro e Salvador”, afirmou.
A busca e o interesse pelos investimentos trouxe como resultado grandes investidores, possibilitando o crescimento das cidades, a ocupação de novos espaços e construções dos casarões. De acordo com o arquiteto, o Recife que já tinha o Bairro do Recife urbanizado, mais adiante o Bairro da Boa Vista foi urbanizado, e as outras áreas de engenho, sítios foram sendo aos poucos loteadas com uma nova estrutura. “É desse período do século 19, que começam a surgir os casarões. Diferente do Centro da cidade, que são sobrados colados uns aos outros, porque era uma área bastante habitada e que havia uma escassez de território muito grande. Então, não tinha muita área para construir e os imóveis realmente tinham que ser muito estreitos para poder caber todo mundo. Mas já nessas áreas da Boa Vista para dentro, como era uma área que ainda não era urbanizada então, foi loteada dentro de uma nova lógica de ocupação, com terrenos maiores e predominantemente destinados para as elites da cidade, que queriam fugir daquele caos urbano, aqueles sobrados amontoados e insalubres. As elites foram ocupando essas áreas e foram construindo os casarões”, pontuou o professor.
Com a chegada de muitas pessoas interessadas em viver no Recife, devido seu desenvolvimento econômico do período, em contraste se tinha um espaço limitado, teve início o processo de verticalização da cidade, no final do século 17. “Quando a gente olha para os sobrados mais antigos da cidade, com três, quatro, cinco, até seis andares, esse é um processo de verticalização muito característico do Recife. Se você olhar para os sobrados de outras cidades no mesmo período de outras cidades coloniais, os sobrados dessas outras cidades são menores, são mais baixos e os de Recife são mais altos. Então, a verticalização de Recife, ela é histórica, ela é uma coisa que faz parte da história da cidade. Teve início a partir do final do século 17 e se consolidou ao longo do século 18”, explicou o arquiteto.
Pedro Valadares descreve que o estilo arquitetônico dos casarões seculares se alinhava de acordo com a estética da época e com o gosto pessoal do proprietário. No geral, todos os imóveis independente do estilo, do período, foram todos construídos dentro de uma mesma lógica, com terrenos grandes, casas isoladas por terreno, o que os distingue dos sobrados do centro da cidade, que tem janela na frente e atrás, na lateral fica colado com os outros sobrados. Os casarões proporcionavam uma salubridade melhor quando comparados com as construções do centro da cidade. “No século 19 predominava uma linguagem estética que a gente chama de neoclassicismo ou neoclássico, um dos melhores exemplares, é o casarão onde hoje é a Academia Pernambucana de Letras, ele é um casarão chamado de arquitetura neoclássica ou classicista. Já para o final do século 19, principalmente, início do século 20, entra em vigor no Brasil a nova moda estética, uma moda estilística, chamada de ecletismo, também chamada de historicista, com elementos decorativos de estilos anteriores diferentes em uma edificação só”, disse o arquiteto. “A gente tem como excelente exemplar aquele casarão Costa Azevedo, que fica na esquina da Rosa e Silva, com a Rua Amélia. Esse casarão da Rosa e Silva que está sendo falado atualmente, também é uma edificação em estilo eclético, ele já é um pouco mais recente”, concluiu.
Conscientização para manter a história viva
Casarão Costa Azevedo (Foto: Arthur Souza) |
O arquiteto e professor universitário fala sobre o processo de Imóveis Especiais para Preservação da Prefeitura do Recife, nos anos 90, que tem o objetivo de proteger construções e permitir que ao lado delas sejam construídos edifícios, sendo um consenso para o processo de verticalização recente. “O processo de verticalização atual, por exemplo, se você colocar no Google Maps a cidade do Recife, você vai vê que praticamente não tem mais onde construir e as áreas disponíveis que você vai encontrar na cidade, são normalmente áreas de proteção ambiental, parques públicos, e nas áreas ambientais não se podem construir. É uma cidade que tem pouco espaço para construir, então, é o mesmo problema que tinha no século 18. Não tem mais para onde construir, então construir para cima. Eu particularmente, acho muito difícil demonizar a verticalização, apesar de achar que esteticamente é lamentável, mas não se pode julgar as coisas apenas pela ótica da estética ou da paisagem, da história, tem uma série de outras questões envolvidas”, comentou.
Para uma construção se tornar um Imóvel Especial de Preservação (IEP), ele é analisado por órgãos responsáveis pela conservação e cultura. “Normalmente, os critérios para colocação de um Imóvel Especial de Preservação (IEP) é a sua integridade estilística, a sua relevância histórica, a sua integridade, porque às vezes acontece de ter uma extremamente relevante do ponto de vista artístico, mas já perdeu a sua integridade, não adianta preservar. Os seus atributos arquitetônicos, construtivos, ou seja, os seus materiais de construção, a técnica construtiva empregada nele junto a época em que ele foi construído”, destacou.
Uma propriedade também pode ser classificada como Imóvel Especial de Preservação ou tombada pelos órgãos de preservação pela história e trajetória de quem residiu nela. Valadares comentou alguns dos requisitos para considerar uma construção como IEP. “Pode-se levar em consideração outros aspectos, como, por exemplo, um valor histórico. Às vezes, aquela edificação, ela não tem nada de mais construtivamente, não tem nada de mais esteticamente, mas ali morou uma pessoa extremamente importante para a nossa sociedade. É o caso, por exemplo, da casa onde morou Clarice Lispector, que é tombada pelo Governo do Estado, pela Fundarpe. Construtivamente aquela casa é um sobrado como qualquer outro sobrado, no entanto, como naquele sobrado morou uma figura ilustre, extremamente importante para a nossa cultura, considerou-se pertinente tombá-lo, protegê-lo pelo valor da sua história, pelo valor da sua arquitetura”, concluiu.
Foto: Arthur Souza |
Recentemente, surgiram especulações de demolição de um casarão secular localizado na Avenida Conselheiro Rosa e Silva, no Bairro das Graças, Zona Norte do Recife, para construção de um edifício. De acordo com o Instituto de Arquitetura do Brasil - Pernambuco, a construção se trata de um Imóvel Especial para Preservação e não tem possibilidade de ser demolido. Para o arquiteto Pedro, as pessoas ainda se encontram no entendimento sobre a relevância de conservar os casarões, visto que eles são parte histórica do Recife. “Eu acho que a gente tem um caminho muito longo, parte da sociedade tem consciência disso, mas uma parte significativa não tem. Muita gente chama de educação patrimonial, eu particularmente não gosto muito desse termo, mas educação patrimonial é algo que a nossa população ainda não tem, entender a importância de preservar. Eu acho que a gente tem um caminho longo a percorrer.”
Ainda de acordo o Pedro, o casarão da Rosa e Silva sendo um IEP, ele estará sobre a proteção da cidade. “Se esse casarão for um IEP, ele não pode ser demolido. Eu acho que se trata muito mais de um boato, porque o que acontece, quando a construtora chega para fazer uma obra, a reação imediata das pessoas é dizer que a construtora vai demolir o casarão e não é bem assim. Se tem um imóvel que não é IEP, a população pode e deve fazer alguma coisa pressionando o poder público, indo aos órgãos pertinentes. Procura a Câmara dos Vereadores, a Prefeitura, a Fundarpe, o Iphan”, ressaltou.
Em nota, a Secretaria de Política Urbana e Licenciamento PCR comentou sobre a atuação para preservação dos Imóveis Especiais de Preservação. “Instituídos pela lei 16.284 de 1997, os Imóveis Especiais de Preservação (IEP) são exemplares isolados, de arquitetura significativa para o patrimônio histórico, artístico e/ou cultural da cidade do Recife, cuja proteção é dever do Município e da comunidade, nos termos da Constituição Federal e da Lei Orgânica Municipal.”
A arquiteta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Pernambuco, Iphan/PE, Márcia Hazin destaca os impactos, caso os casarões não sejam preservados. “Os bens imóveis históricos são o registro de um tempo e refletem a história da cidade e de uma época. Refletem o processo de transformação histórica, urbana e social. Por isso devem ser preservados e se possível serem acessíveis para visitação pública. De maneira forte, pois se estes bens são desprotegidos eles desaparecem e levam com eles a memória e a história de uma cidade e suas identidades”, falou.
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