Urbanismo

Conhecendo o Recife: entenda como são formados os bairros e o surgimento de planos de ''separação''

A capital pernambucana tem 94 bairros e, pelo menos, 60 localidades que não integram a formação geopolítica da cidade, mas que são amplamente utilizadas como pontos de referência

Publicado em: 15/07/2024 05:20 | Atualizado em: 15/07/2024 05:33

Na capital pernambucana, o primeiro a surgir foi o Bairro do Recife, no século XVI (Foto: Rafel Vieira/DP Foto)
Na capital pernambucana, o primeiro a surgir foi o Bairro do Recife, no século XVI (Foto: Rafel Vieira/DP Foto)
Durante um passeio ou uma viagem a outra cidade, uma das principais maneiras de entender onde um determinado ponto fica é saber o nome do bairro. O Recife possui oficialmente 94 bairros, agrupados em seis regiões administrativas (Centro, Norte, Nordeste, Oeste, Sudeste e Sul), sem levar em consideração os diversos assentamentos e subdivisões utilizadas pelos moradores.

Apesar de já estarem bem consolidados, os bairros do Recife ainda causam questionamentos sobre seus limites e origens, uma vez que suas formações passam despercebidas pelos habitantes.

Na capital pernambucana, o primeiro a surgir foi o Bairro do Recife, no século XVI. Esta localidade cresceu, principalmente, durante o século XIX, quando a cidade já apontava para sua atual estrutura urbana, radiocêntrica, em forma de estrela e em cinco direções (norte, sul, sudeste, oeste e noroeste), resultante da ligação entre seu núcleo primitivo e os antigos engenhos.

Quando surgiu, o Bairro do Recife tinha o nome de Arrecife dos Navios e não contava com nenhum tipo de organização, crescendo de acordo com as construções das casas, que davam origem às ruas.

“O Recife surgiu com a atividade portuária e era um istmo que se desprendia de Olinda. Onde hoje é o Bairro do Recife ficavam as casas de pescadores, empregados do porto, armazéns de açúcar e pau-brasil. Antes da invasão holandesa, que é quando o Recife tem uma ascensão urbana, dizia-se que os nobres de Olinda pisavam com as pontas dos pés no Recife para não afundarem”, explica o professor de história Rômulo Xavier.

Com a chegada dos holandeses, o bairro passou a ser ampliado com planejamento e organizado com 15 ruas e uma praça. Em 1654, o bairro já contava com 300 prédios, entre eles a Casa da Câmara, a Igreja do Corpo Santo, a Cadeia e armazéns.

O Porto do Recife, criado em 1918, também impulsionou as atividades na localidade e atraiu mais moradores. Reformas de modernização foram feitas nos prédios do bairro naquele período.

“O Recife chegou a ter uma especulação imobiliária muito grande depois da Queda do Arraial do Bom Jesus, em Casa Forte. Houve uma imigração muito grande de holandeses e judeus para o Bairro do Recife, que chegou a ter uma população de quase 4 mil pessoas. A cidade Maurícia, onde hoje é o bairro de Santo Antônio, desafogou o Bairro do Recife”, comenta Rômulo Xavier.

Na década de 1980, o Bairro do Recife sofreu um processo de esvaziamento com a chegada do Porto de Suape e os prédios históricos só foram restaurados a partir da década seguinte. Atualmente, o local é um dos principais pontos turísticos da capital, ao lado de bairros como São José e Santo Antônio.

“Com a consolidação dos primeiros bairros, o Recife foi crescendo para o interior e surgiram bairros como Boa Vista, Madalena, Casa Forte e Sítio Trindade, que depois se tornou Casa Amarela. Este último bairro surgiu com uma casa de cor ocre, que era de um português chamado Joaquim dos Santos Oliveira, que foi para esta casa tratar de uma tuberculose. A casa ficava localizada no final de uma das linhas do bonde do Recife e daí surgiu o nome do bairro”, detalha o historiador Rômulo Xavier.

É ou não é bairro?
A divisão dos bairros do Recife foi feita em 1988 com o decreto municipal 14.452, que instituiu 12 RPAs (Foto: Aimé Kyrillos / DP)
A divisão dos bairros do Recife foi feita em 1988 com o decreto municipal 14.452, que instituiu 12 RPAs (Foto: Aimé Kyrillos / DP)

Setúbal, Alto do Céu, Alto 13 de Maio, Beira Rio, Jardim Caxangá, Vila Mauriceia e tantas outras localidades são bairros, certo? Na verdade, de acordo com o Censo de 2010, esses locais não integram oficialmente a lista de bairros da capital pernambucana e são apenas pontos de referência ou subdivisões criadas pelos próprios moradores da região.

A divisão dos bairros do Recife foi feita em 1988 com o decreto municipal 14.452, que instituiu 12 RPAs (Regiões Políticas Administrativas) agrupadas em zonas, sendo elas: RPAs 01 e 02 (Zona Centro), RPAs 03 e 04 (Zona Norte), RPAs 05 e 06 (Zona Noroeste), RPAs 07 e 08 (Zona Oeste), RPAs 09 e 10 (Zona Sudoeste) e RPAs 11 e 12 (Zona Sul).

Essas regiões político-administrativas são agrupamentos que servem para ajudar as interpretações estatísticas, implantar sistemas de gestão de funções públicas de interesse comum ou orientar a aplicação de políticas públicas dos governos federal e estadual.

“Os bairros do Recife surgiram de povoados, são localidades onde já existiam pessoas e elas foram nomeadas. A formação desses bairros tem muita relação com o próprio desenvolvimento da cidade. À medida que a cidade foi se expandindo ao longo dos rios e nas estradas para o interior, com a criação de fábricas, formaram-se os bairros. Os nossos bairros são tradicionais, não temos um novo bairro. Os bairros novos que temos no Recife são os da Grande Casa Amarela, que na década de 1990 foi dividida em bairros menores”, explica a presidente do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS), Mariana Asfora.

Apesar de o Recife possuir quase cem bairros e 60 localidades que não são reconhecidas desta maneira pela administração pública, a cidade é a menor capital do Brasil, com 218,5 quilômetros quadrados. Caso cada bairro tivesse o mesmo tamanho, cada um deles teria cerca de dois quilômetros quadrados, o que ratifica o quão pequena a cidade é se comparada com outras capitais.

De acordo com o historiador Rômulo Xavier, o processo de subdivisões em bairros nas grandes cidades é comum e surge, muitas vezes, de um ponto de referência que é utilizado pelos moradores.

“Setúbal era um sítio e a parte litorânea de Boa Viagem era uma vila de pescadores. Outro exemplo é a Cidade Universitária, que não é um bairro e fica localizada na Várzea. As pessoas acabam tomando esses nomes como sendo de bairros, mas não são. Isso ocorre porque as pessoas passam a se identificar com um lugar e ele passa a ser realidade para elas”, complementa.

Os bairros são entendidos como áreas compartimentadas que formam uma cidade ou município e têm características associadas ao processo de formação do local e às pessoas que moram neles. Esse tipo de divisão serve não somente para facilitar a localização geográfica, mas também para contribuir com estudos e pesquisas em determinadas áreas, pois muitas dessas se expandem com rapidez.

Cada bairro possui suas particularidades, e essas estão especialmente associadas à sua ocupação e ao local em que se encontram.

“O bairro é criado por lei e é uma prerrogativa do executivo municipal. Então, para desmembrar um bairro é preciso encaminhar uma lei para a Câmara e fazer uma relação de identidade da população com aquele lugar. Talvez o caso mais próximo que a gente tenha disso seja Setúbal, pois os moradores de lá já se identificam com aquele lugar. Na prática, o desmembramento foi feito em Casa Amarela, que foi reduzido após localidades terem se tornado bairros”, explica a presidente do ICPS.

Zonas Especiais de Interesse Social
Ao todo, estão listadas 76 ZEIS no Plano Diretor do Recife (Foto: Priscilla Melo/DP Foto)
Ao todo, estão listadas 76 ZEIS no Plano Diretor do Recife (Foto: Priscilla Melo/DP Foto)

As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são classificadas, de acordo com o Plano Diretor do Recife, como áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, consolidados, carentes de infraestrutura básica e passíveis de urbanização, regularização fundiária e construção de habitação de interesse social, como também às áreas destinadas à provisão de programas habitacionais de interesse social pelo Poder Público.

Ao todo, estão listadas 76 ZEIS no Plano Diretor do Recife, que estão distribuídas em duas categorias: a primeira é caracterizada como “áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, consolidados, carentes de infraestrutura básica”; a segunda são “áreas com lotes ou glebas não edificadas ou subutilizadas, dotadas de infraestrutura e de serviços urbanos e destinadas, prioritariamente, às famílias originárias de projetos de urbanização ou como conjuntos habitacionais de interesse social promovidos pelo poder público”.

Entre as ZEIS do Recife estão Brasilit, Campo Grande, Coque, Coqueiral, Encanta Moça/Pina, Ibura Jordão, Mustardinha, Torrões, Vila Felicidade, Afogados, Dois Unidos, Vila Brasil I, Vila Redenção, entre outras localidades.

Esses locais também não são reconhecidos como bairros, mas são áreas de foco da prefeitura. O Plano Diretor do Recife coloca as ZEIS como áreas onde devem ser priorizados investimentos que garantam condições adequadas de habitabilidade aos moradores, com parâmetros diferenciados em função de suas características socioeconômicas, morfológicas e tipológicas, e de condicionantes ambientais do território onde estão inseridas.

Nesses locais também deve ser promovida regularização urbanística e fundiária, inibição à especulação imobiliária e comercial sobre os imóveis situados nessas áreas e promoção da instalação de equipamentos e implantação de espaços coletivos.

“A prefeitura tem critérios para estabelecer as ZEIS, que começaram na Lei de Uso de Ocupação do Solo de 1983, a Lei 14.511. Essas eram áreas historicamente ocupadas por populações de baixa renda. Vale destacar que também não podemos decretar ZEIS em áreas de preservação ambiental e, no Recife, a regularização fundiária só pode ser feita em ZEIS. O Plano Diretor de 2021 garante que não haja uma especulação imobiliária de outra faixa de renda atuando nesses locais”, ressalta a presidente do ICPS, Mariana Asfora.