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Celulares e salas de aula: as polêmicas do uso das telas nas escolas

Debate sobre a combinação entre telefones e salas de aula volta a ser acendido


A questão a ser discutida não é o celular em si, mas sim como será a utilização do aparelho. A tecnologia já provou que tem potencial para auxiliar a educação e o processo de aprendizagem. Não à toa que ao longo da pandemia de Covid-19, o celular cumpriu papel essencial ao permitir que alunos sem computador ou tablet pudessem participar das aulas e atividades on-line. 

Porém, quando se fala da interação presencial na rotina escolar, com aulas presenciais, professores e alunos no mesmo ambiente, não é realista esperar que os estudantes mantenham a concentração diante do hábito cada vez mais comum de estar conectado ao telefone em todos os momentos, uma consequência muito ligada ao momento pandêmico de ainda mais apego às telas.

Proibir os celulares no espaço escolar é uma decisão extrema, que deve levar em conta o impacto causado nos processos de ensino e aprendizado, sendo também plenamente justificável diante dos danos vindos da falta de controle do uso destes aparelhos.

Segundo o último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado com dados de 2022, 45% dos estudantes brasileiros entrevistados se distraem usando dispositivos digitais em aulas de matemática, enquanto 30% é a média dos países integrantes da pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O levantamento ainda apontou que 40% dos estudantes avaliados informaram que se distraem com outros estudantes que estão usando dispositivos digitais, contra 25% de média dos países da OCDE.


No Estado de Pernambuco, há a vigência da Lei Estadual nº 15.507, de 21 de maio de 2015, cuja determinação é a proibição do uso de celulares em sala de aula durante o período de ensino. 

Procurada pelo Diario de Pernambuco, a Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco (SEE-PE), informou que a medida visa garantir a concentração e o foco dos alunos nas atividades pedagógicas, minimizando distrações. No entanto, há situações específicas em que os aparelhos podem ser utilizados, desde que solicitado pelos professores. Nesses casos, o uso de celulares facilita a realização de pesquisas, o acesso a informações e a execução de atividades interativas.

“É fundamental que o uso de celulares em sala de aula seja sempre supervisionado e realizado de acordo com as diretrizes estabelecidas pelos educadores, assegurando que a tecnologia sirva como aliada na construção do conhecimento e no desenvolvimento educacional dos estudantes”, ressaltou a SEE-PE.

Uso benéfico ou prejudicial?

Diante das controvérsias da situação, a equipe de reportagem do Diario de Pernambuco procurou Kátia Guerra, neuropsicóloga clínica, para falar como fica a situação envolvendo uso de celulares durante a aula do ponto de vista psicológico, comportamental e cognitivo.

“São muitos os prejuízos sobre o uso excessivo do uso prolongado dos celulares e tem sido realmente desafiante controlar esses aparelhos pelos alunos, uma preocupação crescente devido aos seus impactos significativos nas áreas cognitivas, comportamentais e psicológicas dos alunos”, explicou Kátia.

“Do ponto de vista cognitivo, o uso contínuo de celulares pode fazer com que a atenção fique prejudicada, trazendo prejuízos aos alunos e diminuindo a sua capacidade de concentração. O uso de dispositivos móveis prejudica a eficiência cognitiva, resultando em uma menor retenção de informações e dificuldades no processamento de tarefas complexas. A dependência de celulares para acessar informações rapidamente pode também reduzir a prática de memorização ativa, impactando negativamente a memória de longo prazo. Neste sentido, esses fatores podem comprometer o desempenho acadêmico e o desenvolvimento de habilidades críticas como redução da capacidade de foco, tomada de decisões, exigindo raciocínio, planejamento e a resolução de problemas”, continuou a psicóloga.
 
Para mais, a neuropsicóloga destacou outros aspectos importantes a serem considerados ao avaliar a situação da perspectiva neuropsicológica.

“No que se refere às perspectivas comportamentais, a presença constante de celulares em sala de aula pode levar a um aumento das distrações e comportamentos agressivos. Alunos frequentemente se envolvem em atividades não relacionadas ao conteúdo das aulas, como redes sociais e jogos, onde esses distratores interferem na dinâmica da sala e na capacidade de foco”, complementou a profissional da saúde.

“Além disso, o uso excessivo de celulares pode provocar uma dependência comportamental, fazendo o aluno ter cada vez mais a necessidade de checar notificações, podendo levar a substituir a capacidade de manter a autodisciplina e o comportamento focado durante as atividades acadêmicas. Isso também afeta a qualidade das relações interpessoais, uma vez que a interação face a face tem sido substituída pela comunicação digital, prejudicando o desenvolvimento de habilidades sociais essenciais, como por exemplo a empatia. Do prisma psicológico, o uso de celulares de forma constante, pode contribuir para o aumento do estresse e da ansiedade. A exposição constante a informações e notificações, bem como combinada com a pressão para estar sempre disponível, pode gerar no aluno uma sobrecarga emocional”, finalizou. 


O Diario de Pernambuco entrevistou Alcileide Maria, de 60 anos, professora de língua portuguesa da Escola de Referência em Ensino Médio Pompeia Campos, situada no bairro da Macaxeira, na Zona Norte do Recife. Alcileide está na rede estadual de educação há 16 anos e possui disciplinas eletivas que incluem o uso dos telefones celulares dos alunos nas dinâmicas das aulas.

“Uma das eletivas se chama ‘O celular na mão é escrever visões’ e o outro ‘Mite o mito’, que é justamente a construção de mitos contemporâneos e autênticos, produzidos pelos próprios alunos a partir do da própria vivência deles, com essa ferramenta atribuída”, explicou a professora.

Segundo a docente, a iniciativa despertou depois do retorno do ensino presencial após a pandemia de COVID-19, como uma medida de envolver os alunos com as aulas e assim aproximá-los dos estudos.

“Ao retornarmos (às aulas presenciais) vimos não só a ansiedade deles, e também a dificuldade de não permitir que eles utilizem essa ferramenta em sala de aula. Eu percebi a falta de respeito e de atenção, fui olhando os comportamentos deles, então eu tinha que adquirir essa ferramenta como algo que pudesse também contribuir já que é difícil impedir que eles se ausentem desse desse aparelho, até porque eles também têm contato com a família, essas são as desculpas que eles passam. Daí eu vi que poderia ser algo aliado, então por que não trazer essa ferramenta?”, acrescentou.

“Eu tento passar para eles que o aparelho na sala de aula é utilizado com fins de estudo de pesquisa. Eu vi que dá sim para conciliar. Fazer essa conexão e assim eu acho que estou tendo êxito”, concluiu.

De acordo com a educadora, o processo interativo de mediar aulas através dos celulares dentro da sala de aula é uma experiência enriquecedora também para o exercício da docência.

“É uma aprendizagem bem mais da minha parte, do que da parte deles, porque é a linguagem utilizada pelos jovens, enquanto a minha uma linguagem mais tradicional. Eu que tenho que me adaptar a essa nova forma de se comunicar, então é dessa forma que eu procuro pesquisar, estudar, e adaptar ao meu conteúdo curricular, e principalmente agora com a eletiva que está sendo uma ferramenta, um caminho enriquecedor não só para os estudantes, mas muito mais para mim”, pontuou.
 
Alcileide também falou sobre como acredita que a relação entre celulares e salas de aula vai se desenvolver dentro da educação do futuro.


O Diario também conversou com alunos que cursam a disciplina eletiva que conta com o uso dos celulares, para entender como é a dinâmica do cotidiano com os telefones em sala de aula, como funciona essa interação, e principalmente, como é a experiência de usar os celulares presencialmente nas aulas para fins educativos.

Milena Silva Santana, de 15 anos, estudante do primeiro ano do ensino médio, falou sobre como é a rotina em sala com o telefone.

“Eu deixo ele na parte debaixo da banca e geralmente sem notificação, porque senão eu perco muito foco, mas sempre que termino alguma coisa, tenho que estar mexendo no celular, sempre junto e olhando ele”, relatou.

Lorrane Vitória, também de 15 anos e aluna do primeiro ano do ensino médio, comentou sobre como é estar com o celular em sala. 

“É sempre junto. Até porque ajuda muito na aula, quando a gente não enxerga o quadro a gente tira foto para poder escrever, e também o uso do PDF, que a gente usa bastante”,  afirmou.

Sobre o uso do telefone na disciplina, Lorrane explicou que acredita ser benéfico para o aprendizado.

“Eu acho que é bem leve, porque é uma utilização de uma ferramenta que a gente (adolescentes e jovens) usa muito, e usar isso pra o ensino, eu acho que ajuda até a gente a entender mais e também se sentir mais à vontade na questão da eletiva”, argumentou.

A estudante Júlia Nayara, de 15 anos, também está no primeiro ano de ensino médio e compartilhou um pouco da experiência do uso dos celulares em sala de aula.

“Eu convivo em sala com o telefone assim, eu sempre tento deixar meu celular carregado na noite anterior, porque eu gosto realmente de usar o celular assim nas aulas, outra coisa também é para revisar e organizar matérias no meu celular”, relatou.

A respeito da eletiva interativa com os telefones, Júlia expressou confiança no método.

“Eu acho que é bem tranquilo na verdade, eu já participei do debate sobre isso sobre tecnologia e educação e eu acho que é uma forma de trazer jovens para a aula porque a tecnologia é algo com que a gente tem mais experiência e também com a educação. Tem algumas atividades que são bem interativas, são bem legais com a tecnologia”, alegou.

Leia a notícia no Diario de Pernambuco