A primeira fã chegou às 6h do dia anterior, improvisou uma cama e fez refeições ali mesmo, em frente à Livraria Cultura do Paço Alfândega. O padre Marcelo Rossi estava acordado desde as 3h. Em tarde de tanta fé quanto esforço físico, o religioso recebeu cerca de 5 mil pessoas no lançamento no Recife, ontem, do livro Philia, sobre 14 males da alma.
"Deus permitiu que eu passasse por uma depressão. Eu podia ter escondido. Mas se eu escondesse, não é o meu jeito de ser. Eu mostei para as pessoas a verdade: eu passei por uma depressão, mas eu venci e agora posso ajudar as pessoas a vencer também", contou o autor, sobre a doença. "Cheguei ao ponto de a vida perder o colorido para mim", diz ele. Philia, o terceiro livro dele, é inspirado na depressão e anorexia que o fizeram perder 60 quilos
[SAIBAMAIS]"Comi uma misturada", brincou o pedreiro José Lopes, o segundo a chegar, junto com a irmã, atrás somente de Dona Osana, 33, moradora de Surubim. Os dois cederam lugar à senhorinha falante de 82 anos conhecida como Maria Alegria, que chegou às 8h da segunda, de carona com um vizinho. "É um lugar a que a gente vem e só encontra gente boa, amigos", comemora ela, já no terceiro encontro com Rossi - foi a 10ª da fila em 2011, durante a sessão de autógrafos de Ágape, e visitou duas vezes o Santuário Mãe de Deus, em São Paulo.
Durante a manhã, guarda-chuvas coloriam a fila, que se estendia pelas ruas vizinhas, no Bairro do Recife, e abrigavam os fiéis do calor típico da cidade. Ali, enquanto esperavam, compartilhavam lanches, pães e bolos trazidos de casa ou comprados das dezenas de ambulantes que deixaram outros pontos da cidade para seguir o padre.
Onde há gente, há pipoca, manda a lei dos vendedores itinerantes. E é por isso que o pipoqueiro Jorge Luiz dos Santos, 45, deixou a Rua Nova para aproveitar o movimento em frente à livraria. Apurou mais que o dobro de um dia comum e abriu a gavetinha de alumínio para mostrar a conquista. Os irmãos, Pio e Ana, colegas de profissão, também estavam nos arredores. Outro que comemorava era Gilberto Costa, 64, "pipoqueiro desde que se entende por gente". Aproveitou para comprar uma maçã do amor, comercializada na barraca da frente.
A tarde de autógrafos começou com uma Ave-Maria. "Ao trabalho", disse o padre, logo concluída a oração. O cansaço daquele homem tão alto e magro era visível - antes de chegar ao local, às 14h30, ele já havia caminhado 10,5 km na orla de Boa Viagem (por isso acordou às 3h) e concedido três entrevistas. Nas primeiras duas horas e meia de evento, deu quatro pequenas pausas, para descansar, tomar café e energético. Numa delas, conversou rapidamente com o Viver.
Após as 17h, as assinaturas à mão foram substituídas por carimbos e bênçãos, acompanhados por fotografias, que serão disponibilizadas no site https://www.flickr.com/photos/globolivros/. A dupla de voluntários do Santuário Laerte e Antônio (o pai do padre, de 73 anos) marcava cada livro. Às vezes, pilhas de 10 exemplares.
Recife foi a 12ª cidade de 70 destinos previstos na travessia de aproximação com os leitores. Com Ágape, 60 eventos ajudaram a catapultar o livro ao topo dos mais vendidos, com 10 milhões de unidades. A turnê de Kairós (que não passou dos 2 milhões) passou por apenas 20 locais. Philia já vai em 900 mil.
O pequeno Lucas, de 5 anos, foi um dos responsáveis por fazer valer a pena todo aquele esforço, diz o padre. O garoto acompanha as missas, aos domingos, e acredita que a bênção do padre pode ajudar no tratamento da Doença de Perths, que compromete os movimentos da perna. Ele mora em João Alfredo, no Agreste pernambucano, e foi trazido pelos pais, os agricultores Lucicleide e Justino Manuel.
A médica Henny Barreto, 80, se locomovia com ajuda de um andador, depois de sofrer um acidente na BR-101, mas estava lá. A doméstica Amara Gouveia, 32, queria pedir oração para o marido, que bebe muito, e para a filha, cardiopata, de apenas três meses - mas já abençoada pelo padre Marcelo. Maria de Lourdes, 61, sofre depressão desde criança. "Estou em cada capítulo", confessou, com os olhos marejados, logo após conseguir o autógrafo.
Outras histórias ficaram perdidas, mas denunciadas pelos olhares cheios de devoção e paixão de cada um. São narrativas de dificuldades e superações. Mas, acima de tudo, de esperança, vindas de pessoas simples, de várias cidades pernambucanas e estados vizinhos. As primeiras palavras eram sempre de gratidão. E a bênção retribuía.
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