Sebastião Biano é o último remanescente da formação original da Banda de Pífanos de Caruaru, um dos grupos intrumentais familiares mais antigos do país, formado em 1924. A primeira vez que ouviu falar sobre um pífano, lhe disseram que se tratava de um "pedacinho de madeira" com sete furos, sendo um para sopro e seis para os dedos. Pareceu divertido. Ele tinha cinco anos e já acompanhava o pai nos afazeres da roça, quando aproveitava para enrolar folhas de jerimum e usá-las como apito. O irmão, Benedito, fazia o mesmo, enquanto o pai, Manoel Clarindo, observava a brincadeira sem repreender.
[SAIBAMAIS] Não demorou muito para que Manoel encomendasse os pifes a um amigo que os fabricava nos arredores de Mata Grande (AL), onde a família morava. A iniciativa, mal sabia ele, renderia o sustento dos filhos e netos durante décadas. Seria lembrada por Sebastião Biano aos 96 anos de idade, dias antes da estreia do primeiro disco solo da carreira, como ponto de partida: "Quando se tem a minha idade, é preciso começar qualquer história pelo verdadeiro começo."
Neste mês, o menino que assobiava nas folhas de jerimum lança Sebastião Biano e seu terno esquenta muié, a estreia solo. O primeiro show ocorre em São Paulo, no dia 30. Antes, foram sete álbuns com a Banda de Pífanos de Caruaru, produzidos entre 1972 e 2003. O grupo - ainda em atuação - ostenta no currículo a gravação de Pipoca moderna por Gilberto Gil, em Expresso 2222 (1972), além de um Grammy Latino (Melhor Álbum de Música Regional ou de Raízes Brasileiras, em 2004).
A confiança no próprio talento escapou de Sebastião somente uma vez na vida: aos oito anos, ao ser desafiado por Lampião. Acompanhado do pai e do irmão, estava há nove dias hospedado na casa de um rico fazendeiro, animando as festas de graças pela boa colheita da temporada. No último dia, enquanto o vigário rezava missa na capela da fazenda, o bando de cangaceiros invadiu a propriedade. Biano segurou a mão do irmão, a fim de fugirem juntos. “Ninguém corre”, advertiu o pai dos meninos.
Lampião se aproximou e, após anunciar que a visita se devia a um acerto de contas com o padre (queria quitar dívida com Nossa Senhora da Saúde, da cidade de Tacaratu), ordenou que os meninos tocassem o pífano. “Se sabem, toquem.” Os dois molharam (literalmente) as calças. "Minha língua estava grudada na boca, eu mal conseguia soprar", recorda Biano. Quando o pife finalmente soou, Lampião mandou buscar dois cangaceiros do bando - os responsáveis pela música durante as viagens - e bradou: "Esses dois pivetes tocam melhor que vocês, seus dois cavalões velhos!".
- A TERRA PROMETIDA
Biano considera o episódio prova da aptidão da Banda de Pífanos. Cita o testemunho com família de todo tipo de miséria, entre 1926 e 1939, enquanto migrava a pé, de Mata Grande (AL) a Caruaru (PE). Na estrada, não havia comida, higiene ou abrigo. Mas só o som do pífano. "A cena de que nunca me esqueço é a da nossa chegada a Pernambuco. O verde, a fartura, as terras caruaruenses. Ali acabou-se a nossa fome de tudo!". “Daquele dia em diante, conheceram nossa música. E ela, que é meu legado, nunca mais se calou.”
O DISCO
Sebastião Biano e seu terno esquenta muié tem participação de Naná Vasconcelos em três das 18 faixas. Eder Rocha (Mestre Ambrósio), Renata Amaral (A Barca), Filpo Ribeiro (Pé de Mulambo) e Júnior Caboclo complementam a formação do grupo Terno Esquenta Muié, projeto da carreira solo de Sebastião Biano. Biano ainda se apresenta com a Banda de Pífanos de Caruaru, cuja formação atual inclui Junior Kaboclo (pífano), João Biano (zabumba), Amaro Biano (surdo), Gilberto Biano (caixa), José Biano (pratos) e Jadelson Biano (percussão).
SERVIÇO
Sebastião Biano e seu terno esquenta muié
R$ 20 (no Sesc e pelo site sescsp.org.br/livraria)
Assista ao making of do disco:
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