Há uma efervescência intelectual em Pernambuco a respeito das origens judaicas do povo nordestino, mas não à toa. Por trás do interesse de pesquisadores, há razões históricas, culturais e até sanguíneas. Não por acaso, o estado abriga a primeira sinagoga das Américas (Kahal Zur Israel, no bairro do Recife), dá guarida a estudiosos reconhecidos nacionalmente e instituições de grande valor para quem se interessa pelo tema, como o Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco. Tal protagonismo fica ainda mais claro a cada novo volume da Coleção Borges da Fonseca (serão dez, ao todo), fruto de duas décadas de levantamentos feitos pelo médico e estudioso cearense Cândido Pinheiro Koren de Lima.
[SAIBAMAIS]Convidado da Feira Nordestina do Livro (Fenelivro), ele lança a obra Carneiros do Nordeste e do Sul, dedicada a estudar o entroncamento familiar, cujas descendências se concentram em Portugal, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Nesta quarta-feira (02/09), às 18h, o autor debate a origem judaica dos nordestinos, ao lado do professor Caesar Sobreira. Coincidência ou não, a conversa surge poucos dias depois da reinauguração da biblioteca do Centro Israelita de Pernambuco (Rua Pio IX, 792, Torre), especializada em judaísmo e temas correlatos.
Segundo o estudioso pernambucano Jacques Ribemboim, o fato de a biblioteca estar novamente aberta ao público é uma riquíssima contribuição para aproximar a literatura das temáticas judaicas. “A presença histórica do povo judeu em Pernambuco e a relação deles com os livros é muito forte, algo que se dava de várias maneiras, tanto como escritores, quanto livreiros, leitores”. Como exemplo de judeus muito ligados à literatura, ele frisa Bento Teixeira (“com sua Prosopopéia, um cristão novo que contestava tudo, era pensador livre”), Ambrósio Fernandes Brandão, o livreiro Jacob Berenstein, dono da Livraria Imperatriz (já no século 20), Clarice Lispector (“hors concours, não só pela passagem pelo Recife, mas pelo fato de a cidade e a infância judaica no bairro da Boa Vista ter marcado o seu caráter e seu inconsciente”). Somam-se a esses, outros nomes como Meraldo Zimmerman, Rubem Pincovski, Alexandre Ribemboim, Tânia Kaufman e Jayme Torban (“grande romancista cuja obra tem um cunho surrealista, na linha do teatro do absurdo”).
ENTREVISTA>>>> CÂNDIDO PINHEIRO
Quem foram (e quem são) os Carneiros?
A publicação sobre os Carneiros se refere à descendência do tronco (familiar) Ruy Capão, pesquisado na Espanha Antiga, e em Portugal, na Ibéria. É a continuidade do projeto que já lançou o estudo dos Albuquerques, por exemplo, e ainda vai lançar o dos Barbosas, entre outros. Esses são volumes referentes a descendências grandes, mas há também aquelas menores, como os Campelos e os Carvalhos. No caso dos Carneiros, dividi em três partes – os descendentes de Ruy Capão instalados em Portugal, aqueles fixados em Pernambuco (e, por contiguidade, em todo o Nordeste), além dos que foram para o Rio Grande do Sul. São três troncos aparentados e ligados entre si.
Como esses troncos se inserem na coleção Borges da Fonseca?
Esse novo volume também se encaixa no espírito do que tenho frisado nos livros anteriores. A presença do sangue judeu de Ruy Capão se materializa em Pernambuco através dos Carneiros. É um dos elementos que compõem meu objetivo de trabalho e pesquisa ao longo dos últimos 20 anos. Reforça a mensagem principal, a de que 97% da população têm sangue judeu, do negro muçulmano da África do Norte e muçulmano semita, o que forma o plasma da sociedade colonial nordestina, sobretudo a de Pernambuco. Isso resume todo o meu trabalho, o resto é só detalhe. Em um parágrafo, tudo se resume.
Há diferenças entre os descendentes dos Carneiros em Pernambuco e os do Rio Grande do Sul?
Em Pernambuco, existem Carneiros pobres e de elite. Há bastante o sobrenome Carneiro Leão, por exemplo, assim como existem Carneiros “menores”, mas todos eles estão ligados a esse entroncamento judaico e são citados na coleção Borges da Fonseca. No caso do Rio Grande do Sul, trata-se da família do Sul do Brasil que originou o maior número de patentes do Exército que o país já teve. São militares de altas patentes. Nesse sentido, equiparável a eles, somente a família que originou o nosso ex-presidente, os Cardosos, de Santa Catarina.
Nos lançamentos da coleção, o senhor tem sempre interagido com pesquisadores de temas afins. Essa troca contribui com o trabalho?
Aqui no Ceará, infelizmente, é difícil ter com quem conversar sobre esse assunto. Não existe a mesma efervescência que há em Pernambuco em torno das questões judaicas. Pelo contrário, dá para contar nos dedos de uma mão as pessoas com interesse nesse sentido.
Outros livros da coleção Borges da Fonseca:
O crime de Simões Colaço (Fundação Gilberto Freyre, 458 páginas, R$ 45).
identifica em Antônio Simões Colaço a origem dessa família no Nordeste do país. A partir de pesquisas em Portugal revela que Simões Colaço foi condenado por crime de judaização e nunca saiu de Portugal. Seus filhos, no entanto, fugiram para a África e para Pernambuco .
Os Liras – O nome e o sangue – uma charada familiar no Pernambuco Colonial (Fundação Gilberto Freyre, 610 páginas, R$ 80)
Aborda a descendência da família Lira no Nordeste brasileiro desde a sua origem na Ilha da Madeira - Portugal. Investiga informações de que os Novos de Lira possuíam sangue judeu, a partir de estudos do historiador Evaldo Cabral de Melo.
Albuquerque: A herança de Jerônimo, o Torto (Fundação Gilberto Freyre, 654 páginas, R$ 45)
A origem dos Albuquerques de Pernambuco, situando-os nos irmãos Brites e Jerônimo de Albuquerque. Mostra como o turbilhão étnico permeou os diversos troncos familiares descendentes de Jerônimo de Albuquerque, conhecido como Adão Pernambucano.
Serviço:
Os judeus no Nordeste, Cândido Pinheiro com Caesar Sobreira
Quando: quarta-feira, às 18h
Onde: Sala Déborah Brennand, Centro de Convenções de Pernambuco
Quanto: Entrada gratuita
%2bfenelivro (programação de hoje)
09h - Workshop – Livros digitais interativos (José Fernando Tavares.)
10h - Oficina literária com Raimundo Carrero.
10h - Cultura e política na internet, Alê Youssef
11h - Cantinho da trela – Musical só o sabiá sabia, com Lenice Gomes, Guga Bezerra e Felipe Nicodemo.
11h30 - Workshop – Como ler um livro digital. (José Fernando Tavares.)
13h - Workshop – Produzir um eBook com Indesign. Desafios e Oportunidades. (José Fernando Tavares)
15h – O livro do Nordeste, pedra fundamental do regionalismo nordestino
16h – Malu Gaspar – Lançamento Tudo ou nada: Eike Batista e a verdadeira história do Grupo X
17h30 - Cinema e literatura – Um diálogo Fecundo. Com José Geraldo Couto.
19h - Noites Nordestinas – Piauí.
20h - Palestra com Augusto Cury.
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