MPB Em novo disco, Djavan homenageia Gonzagão e lança mensagens otimistas: "o Brasil está no caminho certo" Cantor e compositor alagoano será homenageado pelo conjunto da obra no Grammy Latino

Por: Luiza Maia - Diario de Pernambuco

Publicado em: 08/11/2015 20:30 Atualizado em: 09/11/2015 20:48

Show de lançamento no Recife ainda não tem data marcada. Foto: Murillo Meirelles/Divulgação
Show de lançamento no Recife ainda não tem data marcada. Foto: Murillo Meirelles/Divulgação

Logo na abertura, o novo disco de Djavan adianta os dois principais recados dados pelo alagoano ao longo das 12 faixas inéditas e autorais. Lançado nesta sexta, Vidas pra contar (Sony, R$ 24,90) é marcado pelo tom autobiográfico e, principalmente, mensagens de otimismo e alegria. "Achei que era um antídoto para o que estou vivendo, importante para o que o povo está vivendo", esclarece, sobre a atual situação política, econômica e social do Brasil, frente à qual se diz otimista.

"Eu acho um momento, para a democracia, importantíssimo. Nunca estivemos diante de uma possibilidade de refundar o país. Nunca tivemos isso. Temos isso hoje e não podemos prescindir dessa esperança. Não estou decepcionado, estou esperançoso. Acho que o Brasil está no caminho certo", acredita o cantor e compositor.

Às vésperas de receber o terceiro troféu no Grammy Latino, no dia 19 de novembro, desta vez pelo conjunto da obra, o alagoano resgata no álbum as lembranças da infância e juventude vividas em Maceió, cidade trocada pelo Rio de Janeiro como residência há 40 anos e visitada sempre no fim do ano.

A capital pernambucana, aliás, também foi endereço de Djavan, durante um ano e meio. "Eu amo o Recife, morei aí durante um ano e meio, em Casa Amarela. Fugi de casa, aos 16 anos, para não viver o que a minha família queria, que era seguir a carreira de Agulha Negras", recorda, entre elogios ao sotaque e a comida daqui.

A origem está no xote Vida nordestina, na qual cita Luiz Gonzaga, referência musical apresentada a ele pela mãe, homenageada na também regionalista Dona do horizonte. Lavadeira, ela embalava os filhos cantando, compôs músicas para eles e os apresentou aos trabalhos de artistas como Dalva de Oliveira e Ângela Maria, como narra na música. "Fui puxado pela minha mãe para ver Luiz Gonzaga nas praças públicas de Maceió".

Disfarçada de canção sobre o fim de um relacionamento amoroso, Enguiçado propõe uma reflexão sobre os valores humanos. "É um assunto que está na mente de todos. O espelho que temos hoje na vida social e política é o pior possível. Isso contamina o povo", analisa. Para ele, o Brasil precisa "cismar que um país grande precisa de educação" para melhorar. Enquanto isso, canta o amor, as memórias e os problemas com alegria e se prepara para cair na estrada. Ainda não há data para apresentar as novidades no Recife, mas - arrisca - deve ser em abril, quando já tem show confirmado em Maceió. 

SERVIÇO
Vidas pra contar, de Djavan
Faixas: Vida nordestina, Só pra ser o Sol, Encontrar-te, Primazia, Não é bolero, O tal do amor, Aridez, Vidas pra contar, Enguiçado, Se não vira jazz, Dona do horizonte, Ânsia de viver
Gravadora: Sony
Preço: R$ 24,90

ENTREVISTA // DJAVAN

Qual a importância do local no seu processo criativo hoje, já tantos anos morando fora de Alagoas?
O Nordeste é tudo. Eu quis fazer essa homenagem porque comecei a pensar mesmo na minha vida, formação. Nordeste é a região do Brasil que mais amo e conheço tão bem. Comecei a pensar na minha mãe, infância, adolescência. Tive até certa dificuldade de falar sobre isso, porque Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira, Zé Dantas falaram tão bem. Resolvi falar da religiosidade, tudo baseado na memória infantil, adolescente. Fiquei feliz de poder trazer o Nordeste de volta para a vida musical que resolvi abrir o disco com ela.

Você vai muito a Alagoas?
Tenho passado todos os Natais em Maceió. Fico lá de 15 a 18 dias, todos os dezembros. É um momento de alegria. Tudo me parece especial: a comida, o sotaque das pessoas, a índole, a aura do povo nordestino. Gosto até das mazelas, no sentido de conviver sem estranheza, conheço muito bem.

Como é a sua relação com Pernambuco?
Eu amo o Recife, morei aí durante um ano e meio, em Casa Amarela. Fugi de casa, aos 16 anos, para não viver o que a minha família queria, que era seguir a carreira de Agulha Negras. Estava no segundo ano científico e viria para cá fazer o curso. Isso era uma incongruência com o que eu queria. Pude sedimentar meu amor pelo Recife. Adoro o sotaque, que é muito diferente do de Maceió. A comida também é maravilhosa. 

Você ainda tem família aqui?
Meu primo faleceu, mas a mulher dele, Amara, ainda mora aí. A minha relação com o Recife começa mais fortemente pela música. Acho o frevo uma música encantadora. Capiba, Nelson Ferreira, Claudionor Germano - meu Deus, como amo esse homem. O folclore, a comida, a cidade é muito bela. Eu não vou ao Recife desde a última turnê. Sempre torci para que a beleza do Recife, os canais, as pontes tivessem uma preservação que a mantivesse intacta. O casario do Recife é muito bonito. Sei que a preservação se faz, com pinturas novas, reconstrução. Em Salvador, tenho dificuldade de aceitar a deterioração do patrimônio arquitetônico colonial. Acho que o Recife trata melhor. E Olinda, que é um monumento a céu aberto. 

Maceió mudou muito ao longo desses anos? É uma cidade realmente violenta?
Segundo as pesquisas, Alagoas é um estado violento. Eu não sei te falar muito disso, só pode ser sentido melhor por quem vive lá. Mas acho que a razão de toda a violência em países em desenvolvimento é social, a questão econômica. Alagoas é o segundo mais pobre da federação, tem dificuldades imensas, é impossível não contar com um nível de violência compatível. Em países como Dinamarca, Suécia, as pessoas pagam altíssimos impostos, mas são devolvidos em serviços, o que não ocorre no Brasil. 


Você sofre preconceito por ser nordestino e negro?
Por ser nordestino, não, mas já sofri muito. Assim como por ser negro e tal. Tudo vai esmaecendo com a fama. Quem não gosta de negro me aceita porque gosta da música, mas não passa a gostar. O preconceito com o nordestino não é nem a sombra do que já foi, e os artistas têm ajudado muito. O Nordeste é um celeiro cultural importantíssimo, reconhecido por todos. Ainda há preconceito, mas jamais como foi. A tendência é ir acabando mesmo. O Nordeste se impõe. 

Recentemente, a atriz Taís Araújo foi vítima de racismo na internet. Você viu? O que achou?
Vi sim. Eu acho que o preconceito racial está arraigado na cultura brasileira. Vem dos pais, avós. É uma luta que não tem fim. É difícil, a gente precisa nunca arrefecer, nunca baixar a guarda, defender o fato de que negro, branco, azul, amarelo precisam ser tratados como iguais, ter acesso à informação e, principalmente, educação, única via capaz de mudar o pensamento, a conduta. No dia em que o Brasil cismar que um país grande precisa de educação, vai melhorar.

Após conquistar o Grammy Latino de melhor música (Acelerou) e melhor disco (Ária), ele será homenageado pelo conjunto da obra em 2015. Foto: Murillo Meirelles/Divulgação
Após conquistar o Grammy Latino de melhor música (Acelerou) e melhor disco (Ária), ele será homenageado pelo conjunto da obra em 2015. Foto: Murillo Meirelles/Divulgação
Na letra de Vida nordestina, você diz que "até quem não tem empresta". Essa é uma característica apenas nordestina ou brasileira?
Não acho que seja do brasileiro. É do nordestino. Claro que existem pessoas com essa característica em todo lugar. Uma coisa é muito clara: a necessidade aproxima. A fraternidade que existe no povo nordestino está baseada na carência econômica, de formação, objetivos, perspectivas. Você ajuda porque sabe que pode precisar de ajuda a qualquer momento. Isso é muito bonito no nordestino, algo que nunca perdi. Admiro todo mundo que tem uma coisa generosa, de ver no outro uma pessoa que você pode ajudar.

A canção Enguiçado fala sobre humanidade. É urgente discutir a relação do homem consigo mesmo?
Eu quis tocar num assunto muito próprio desse tempo, que é o homem político social e familiar, como ele se relaciona hoje, os valores destroçados que precisam ser refundados. E faço uma analogia com uma relação que sucumbiu ante as realidades da vida. É um assunto que está na mente de todos. O homem tem uma dificuldade hoje em dia. Por exemplo, o povo precisa de um espelho. É por isso que elege governantes, tem professores, parentes mais velhos que os conduzem, dizem o que fazer. O espelho que temos hoje na vida social e política é o pior possível. Isso contamina o povo. Não acho certo, mas acho natural que um homem diga hoje “pô, tô com um filho, pensando em como fazer um prato de comida amanhã e esses caras estão ricos com o dinheiro do povo. Estou perdendo meu tempo. Ser honesto não é uma coisa boa”. É péssimo ter exemplos assim, esse pensamento de levar vantagem. As pessoas precisam voltar a se envergonhar, saber ser éticas, corretas. É importante, sempre vai ser.

O que você acha do momento político do país?
Eu acho um momento, para a democracia, importantíssimo. Nunca tivemos diante de uma possibilidade de refundar o país. Estamos tendo hoje e não podemos prescindir dessa esperança. Eu, ao contrário, não estou decepcionado, estou esperançoso. Acho que o Brasil está no caminho certo. A gente está sedimentando a democracia. Um país que viveu 20 anos de democracia não pode sequer imaginar não fazer de tudo para ratificar o poder democrático. Estão aí as instituições. A gente tem um país imenso, rico, com uma potencialidade clara. É preciso uma política séria, um Congresso forte e um governo que saiba que a educação deve ser prioridade.

O disco é muito marcado pela alegria, mensagens otimistas. É o seu momento?
Eu achei que era um antídoto para o que eu estou vivendo. Achei que era importante diante do que o povo está vivendo. 

Dona do horizonte é uma canção autobiográfica, fala da sua mãe, assim como Vida nordestina. Essa busca musical de si foi intencional?
Isso é uma coisa que a gente não planeja muito. Tenho pensado muito na minha mãe. Resolvi colocar em música o que tenho falado em entrevistas, sobre ela, a influência sobre mim, minha carreira, os cantores e cantoras favoritos. Fui puxado pela minha mãe para ver Luiz Gonzaga nas praças públicas de Maceió. Falar dela foi um exercício de memória afetiva muito importante.

O que acha do tratamento que as mulheres têm recebido na sociedade brasileira?
Eu acho que a questão da mulher sempre vai ter que ter uma atenção das autoridades grande. A Lei Maria da Penha é boa, mas tem que ser exercida, cumprida. Ainda existe uma flexibilização grande. A mulher precisa ser melhor assistida, também no âmbito profissional. O que deve reger é a meritocracia. Tem que ganhar igual, ter assistência policial e jurídica concreta e eficiente, para que não viva à mercê de homens malucos que vivem por aí e fazem miséria, e valorizadas por mérito. 

Você será homenageado pelo Grammy Latino pelo conjunto da obra. Qual a relevância de prêmios como esse?
É o terceiro que recebo, e o o mais que importante para mim. Recebi o primeiro por uma música, Acelerou, o segundo pelo disco Ária e agora pelo conjunto da obra. É uma ratificação de que a obra se expande, cresce, se exterioriza a cada trabalho.
Você tem algum carinho especial por algum projeto ou momento da carreira?
Eu acho que gosto de várias fases, mas uma fase pela qual tenho um carinho especial por ter me dado um sofrimento grande e alegria idem é Ária. Foi difícil de fazer e ganhou o Grammy Latino. É como se ele viesse contemplar todo um esforço. Foi sofrido porque componho desde os 18 anos, sempre fiz discos autorais, nunca precisei buscar repertório em ninguém. Isso tornava uma tarefa, que não é pequena, mais fluida, fácil. Quando cismei, fiquei perdido: de quem, como? Aproveitei o momento para reouvir toda a obra, desde Villa-Lobos, para escolher um repertório que justificasse estar fazendo um disco não autoral. O fato de não compor foi um sofrimento, porque eu fazia ciclicamente. Minha vida é um ciclo de dois anos: um fazendo turnê, outro compondo. Esse porjeto demorou a sair, porque era antigo, pela dificuldade de ficar sem compor. Quando compunha uma, duas, três, compunha o disco inteiro. Bater o pé e não compor foi difícil. Nisso, fiquei uns quatro anos sem compor. 



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