Quando foi pai pela primeira vez, há quatro anos, o paulistano Pedro Markun começou a se preocupar como falaria sobre política com a filha. Assim surgiu a ideia de produzir, em parceria com três amigos, um livro infantil capaz de trazer o assunto para o universo das crianças. Após financiar o projeto em plataforma de crowdfunding, o grupo decidiu criar a narrativa a partir do diálogo com os pequenos, em oficinas. “Não fazia sentido para a gente escrever do nada, ‘tirar do bolso do Batman’ o que eles precisavam saber. Optamos por discutir com eles questões sobre poder, mandar, obedecer”, relembra Markun, diretor do grupo Laboratório Hacker. Do esforço coletivo, surgiu o livro Quem manda aqui? (Companhia das Letrinhas, R$ 34,90), disponível para download gratuito em quemmandaaqui.com.br. Nele, são abordados de maneira lúdica conceitos como os de monarquia, ditadura e democracia.
[SAIBAMAIS]O título amplia a lista de obras infantojuvenis cujos temas são, a priori, encarados como “conversa de gente grande”. De olho na escassez de materiais de apoio dessa natureza, a editora Boitempo criou o selo Boitatá para trazer ao mercado editorial brasileiro a coleção Livros para o amanhã, de 1977. São quatro obras escritas por uma equipe educadores e lançadas na Espanha logo após o fim da ditadura imposta pelo general Francisco Franco. Já estão nas livrarias os dois primeiros volumes, A democracia pode ser assim e A ditadura é assim. Em 2016, o selo publica As mulheres e os homens e O que são classes sociais?.
Para a fundadora e diretora editoral da Boitempo, Ivana Jinkins, a grande diferença dessas obras é o fato de não serem esquemáticas, não passarem lição. “Elas ajudam as crianças a pensar, fazer questionamentos, porque a política já faz parte do mundo delas. Desde cedo elas perguntam o que é corrupção, impeachment, por que as pessoas são obrigadas a votar. Queremos quebrar alguns tabus e discutir esses assuntos de maneira clara”
Para a pedagoga da IFPE Izailma Barros, doutora em educação pela UFPE, temáticas tidas como polêmicas devem ser trazidas para o repertório das crianças como algo natural e, assim, contribuir para a capacidade reflexiva. “Esse exercício faz parte da formação. Elas já são muito influenciadas pelo que ouvem na mídia, na escola, então é importante contribuir proporcionando informação, mas sem cobrar um retorno imediato, um posicionamento”. No caso dos assuntos políticos, o bombardeio de notícias pode ser uma porta de entrada para o tema. “Tudo isso desperta a curiosidade da criança. Não podemos exclui-las da sociedade, ignorar esses temas”, opina Izailma Barros.
Na opinião de Paulo Markun, a sociedade trata a criança como "um ser idiota, incompetente, incapaz”, mas ela não é nada disso. Ela sabe muito sobre política, mas sabe errado, porque repete trechos de conversas desencontradas. “É preciso buscar novas formas de começar esse diálogo”.
Para ler
Quem manda aqui?, de Pedro Markun, Larissa Ribeiro, André Rodrigues e Paula Desgualdo (Companhia das Letrinhas, R$ 34,90),
Traduz em imagens e versos conceitos como monarquia, ditadura e democracia. Evoca personagens como rei, índio, escrava, presidente, professora e ditador.
A democracia pode ser assim (Boitatá, R$ 39)
Apresenta o conceito de democracia a partir do repertório das crianças, como a hora do recreio e os jogos – espaços onde todos
participam e têm que tomar decisões a partir de regras.
Fala sobre eleições, votos, partidos políticos.
A ditadura é assim (Boitatá, R$ 39)
Fala sobre o funcionamento e os perigos da ditadura. Mostra o regime político como um sistema que privilegia uma única corrente de pensamento em detrimento das outras. A questão da liberdade permeia todo o texto.
A avó adormecida, de Roberto Parmeggiani (Dsop, R$ 44,90)
De maneira poética e delicada, a obra de ficção sobre um menino e sua avó trata da doença e da morte de um ente querido. O paralelo com a clássica históra de A Bela Adormecida serve para abordar esquecimentos e lembranças.
Trecho
Quem manda aqui?
Era uma vez um rei muito ruim e mandão, dono de qualquer desmando e decisão.
Não foi escolhido por mim ou por você,
nem por uni duni tê.
Ora, então era rei por quê?
Era uma vez um índio que vivia da terra.
Caçava, plantava, dividia e fazia guerra.
Sua floresta foi invadida.
Primeiro saqueada, depois repartida.
As riquezas? Já sei!
Foram levadas para um rei.
Era uma vez uma escrava que trabalhava obrigada.
Se não cumprisse as ordens,
apanhava, era castigada.
Jogou capoeira e correu para a mata,
para ser livre e fugir da chibata.
Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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