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Coletânea traz narrativas de Charles Bukowski ilustradas por Robert Crumb

'Traz teu amor pra mim' chega ao Brasil e fala sobre crises social e política

Textos de Bukowski mostram visão pouco otimista da humanidade. Foto: Divulgação

As narrativas de Charles Bukowski parecem ter sido escritas por Robert Crumb; e os desenhos de Robert Crumb poderiam ter sido traçados por Bukowski, tamanha é a afinidade de estilo entre os dois expoentes do underground norte-americano. Nada mais natural Crumb ilustrar as histórias de Bukowski, povoadas por uma galeria de personagens angustiados, nervosos, histéricos, desgrenhados e desbocados. Esse encontro precioso ocorre na coletânea Traz teu amor pra mim e outros contos (Coleção Raposa Vermelha, Editora Martins Fontes).

[SAIBAMAIS] Ambos nunca esconderam a admiração de um pelo outro. Crumb declarou sobre Bukowski: “Para mim, ele diz as coisas como devem ser ditas. Creio que para ser artista ou escritor no mundo moderno é preciso uma forte dose de alienação. Se o sujeito é muito equilibrado, não tem nada interessante a dizer”. E Bukowski devolveu: “Entre as pessoas que desenham existe energia e brilho. Uma das pessoas mais verdadeiras que conheci. Seria uma honra mágica que ilustrasse alguns de meus personagens barulhentos”.

A versão brasileira chega em sintonia com o momento de crise social e política que assola o país. Os contos versam sobre personagens desesperados, mergulhados em uma era de recessão econômica, fragilizados pela precariedade do trabalho, refugiados no álcool e no sexo, acuados por circunstâncias cerceadoras.

Os personagens de Bukowski são perdedores radicais em uma sociedade que cultiva, obsessivamente, a vitória e os vencedores; movem-se em uma atmosfera sufocante, são exasperados e fazem muito barulho. Crumb chegou a ser comparado a Rabelais e a Swift, a Brueghel e a Goya. Mas a comparação vale também para Bukowski. Em poucos parágrafos, ele delineia os personagens e a linha narrativa, com traços fortes, dramáticos, nervosos e de alta voltagem.

Foto: Divulgação

Em Não tem negócio, o que está em jogo é a sobrevivência Manny Hyman, um ator de comédia em decadência, ameaçado de perder o emprego pela falta de público numa época de recessão econômica: “Não tem ninguém lá fora, Manny. Você não atrai mais público. Seu show é tão chato que daria pra enfiá-lo debaixo da porta”. “Mas daria pra enfiá-lo debaixo de uma porta corrediça?” “Aqui temos uma porta giratória, Manny. Ela gira pra dentro e, se não a seguramos no giro seguinte, ela cospe a gente pro olho da rua”. E, para fechar, Manny ainda se mete em terríveis confusões com os clientes, que culminam em um desfecho tragicômico.

No terceiro e último conto da coletânea, Bop bop contra aquela cortina, a recessão é vista sob a ótica das evocações de um adolescente, perdido entre a obsessão sexual pelas atrizes de streap tease e a violência gratuita deflagrada pela falta de opções de lazer. Transcorridas em ambientes nauseabundos, as narrativas de Bukowski só não são mais opressivas pelo toque de humor grotesco, que alivia a tensão e imprime um toque de leveza em um território de experiências pesadas. O humor é o único sinal de redenção no mundo de Bukowski. Só ele salva os personagens e os leitores.

É magnífica a maneira como a linha do texto de Bukowski e a do traço de Crumb se confundem e as figuras grotescas saltam da palavra para o plano das imagens em plena sintonia estética. Os personagens de Bukowski já parecem figuras das histórias em quadrinhos, com o gestual exagerado a desfechar, com todas as letras, palavrões que, nas bandas desenhadas, apareceriam sob os signos de lagartixas, cobras, marimbondos e outros bichos. Mesmo quando falam de temas recessivos, o leitor nunca sairá deprimido ao virar a última página. Eles são viscerais, vigorosos, elétricos, inflamados e inflamáveis. Bukowski e Crumb fazem heavy metal no papel.

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