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De imortal a ferido no peito: vida e morte de Euclides da Cunha

Escritor que descobriu ideias republicanas no colégio e construiu obras no interior teve fim trágico em triângulo amoroso

O autor de Os sertões, obra-prima da literatura, foi um homem introspectivo e infeliz, da infância ao túmulo, por uma série de tragédias que marcaram sua vida. Engenheiro, militar, funcionário público, escritor e jornalista, Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em 20 de janeiro de 1866 na Fazenda da Saudade, em Santa Rita do Rio Negro, hoje Euclidelândia, distrito de Cantagalo, no Estado do Rio.

Órfão da mãe aos 3 anos, foi criado por duas tias no interior fluminense e passou um ano com a avó na Bahia. A instabilidade familiar, que influenciou afetivamente sua formação, refletiu-se nos estudos. Foi de escola em escola até se matricular no Colégio Aquino, onde descobriu os ideais republicanos, sob orientação de Benjamin Constant.

Em 1884, editou com colegas o periódico O Democrata e publicou o primeiro artigo, A Viagem. No ano seguinte, cursou a Escola Politécnica, no Rio, que logo deixou, por falta de recursos.

Euclides da Cunha (ao centro) com os irmãos. Foto: O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas - 27/11/1964

O próximo passo foi a Escola Militar da Praia Vermelha, porta de entrada do Exército, no qual ficou dois anos. Foi preso e expulso por rebeldia: quebrou seu sabre, recusando-se a prestar continência ao ministro da Guerra do Império, Tomás Coelho. O médico da escola considerou Euclides doente dos nervos.

Ele viajou então a São Paulo, onde foi bem recebido pelos republicanos e conheceu Julio Mesquita, diretor de A Província de São Paulo, hoje O Estado de S. Paulo. Com a Proclamação da República, em 1889, foi reintegrado ao Exército pelo novo ministro da Guerra, o antigo mestre Benjamin Constant.

Na casa de um dos conspiradores, o major Sólon Ribeiro, que entregou ao imperador Pedro II a intimação para que deixasse o País, conheceu a filha dele, Anna, de 15 anos, com quem se casou dez meses depois, em 1890. Euclides tinha 24 anos. Em 1892, quando concluiu na Escola Superior de Guerra os cursos de Estado-Maior e Engenharia Militar, passou a colaborar regularmente com o Estado com o pseudônimo José Dávila ou as iniciais E.C. Na Província, escreveu em 1888 dois artigos com o pseudônimo Proudhon.

Euclides desligou-se do Exército em 1896, quando trabalhava como engenheiro na construção da Estrada de Ferro Central do Brasil, por designação do presidente Floriano Peixoto. Três anos antes, manifestou em 1893 sua insatisfação com a punição dos envolvidos na Revolta da Armada e os rumos do novo governo. Estava fora do serviço público, em novembro de 1897, quando partiu para a Bahia a convite de Julio Mesquita, como enviado especial para cobrir a Guerra de Canudos.

Saiu convencido de que a rebelião de Antônio Conselheiro era uma ameaça à República, mas mudou de opinião ao chegar ao sertão. “Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime”, escreveu. As reportagens foram o embrião de Os sertões, do qual o Estado de S. Paulo adiantou amostras já em 1898, sob o título Excerto de um livro inédito. “Um jagunço degolado não vale uma xícara de sangue”, observou num de seus primeiros despachos.


Funcionário público em São Paulo, onde fez obras em Lorena e outras cidades, Euclides perdeu o emprego por causa de mais uma entre sucessivas crises do café. A convite do Itamaraty, participou de comissão no Alto Purus para fixar os limites geográficos de Brasil e Peru.

Contraiu malária em Manaus e, ao retornar da Amazônia, voltou a manifestar sintomas de uma antiga tuberculose. Apesar de doente, trabalhou no gabinete do barão do Rio Branco, escreveu artigos para o Jornal do Commercio e publicou mais um livro, Contrastes e Confrontos.

Dilermando de Assis, amante e algoz. Foto: Reprodução de internet

Seu casamento começou a ruir ao descobrir que Anna o traía com um tenente do Exército, Dilermando de Assis, um rapaz bonito e bem mais novo do que ela. Embora Anna quisesse, Euclides não se separou. Remoía o ódio e chamava o filho Luís de “espiga de milho no meio do cafezal”.

O menino era louro, como Dilermando, enquanto os outros filhos eram morenos. Em 1906, enquanto o marido se tratava da malária, Anna teve outro filho com o amante Mauro, que viveu sete dias.

Num sábado, Sólon, então com 17 anos, ouviu o pai anunciar: “Amanhã, tudo se acaba, mato-os”. Euclides tomou emprestado o revólver de um primo, alegando que era para matar um cão hidrófobo. No domingo, 15 de agosto de 1909, pegou um trem bem cedo, levando no bolso um talão de cheques e uma foto dele com Anna, de quando eram noivos. Parecia agitado e nervoso ao entrar na casa 214 da Estrada Real de Santa Cruz, no bairro de Piedade, Rio. Foi atendido por Dinorah de Assis, irmão de Dilermando.

Falou que queria ver o dono da casa e avisou que estava ali para matar ou morrer. Euclides perguntou pela mulher e foi entrando. Disparou duas vezes contra Dilermando, que estava no quarto. Campeão de tiro, Dilermando sacou a arma e, segundo palavras registradas no livro de autodefesa ao ser julgado, disse: “Fuja, doutor, não quero lhe matar”.

No tiroteio que se seguiu, duelo de vida e morte segundo o criminalista Evaristo de Moraes, advogado de Dilermando no Tribunal do Júri do Rio, em maio de 1911, Dilermando foi atingido. Embora ferido, atirou duas vezes em Euclides.

Uma bala acertou o pulmão direito do escritor, que caiu morto. Às 12h30, o Jornal do Commercio recebeu um telegrama. “Nosso colaborador ultimamente andava se queixando de moléstias, mas não notamos alteração maior na fisionomia dele”, escreveu o jornal.

Um dos primeiros a chegar ao local, o escritor e deputado Coelho Neto, telegrafou ao presidente da República, Nilo Peçanha, ao barão do Rio Branco e a Rui Barbosa, para dar a notícia.

A necropsia apontou lesões cerebrais, com sinais de processo de demência progressiva. O corpo foi sepultado no Cemitério São João Batista, no Rio. Em 1982, seus restos mortais e os do filho Euclides da Cunha Filho foram trasladados para São José do Rio Pardo. Dilermando foi absolvido nos dois casos, chegou ao posto de general e morreu de câncer em 1951, aos 63 anos.

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