Luto
Músicos pernambucanos homenageiam Bowie e comentam influência do camaleão
Johnny Hooker, Fred 04, China, André Balaio e DJ Dolores falam sobre como o legado de Bowie influenciou suas carreiras
Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco
Publicado em: 11/01/2016 17:53 Atualizado em:
Bowie foi um camaleão da música e da moda. Fotos: RCA/Divulgação |
Foi em David Bowie que o músico Fred 04 pensou quando decidiu apelidar os membros da banda Mundo Livre S/A, então recém-criada: assim como o icônico alter ego Ziggy Stardust fez por Bowie, as alcunhas dariam aos músicos a liberdade cênica que somente personagens têm. Algumas décadas mais tarde, é também em David Bowie que o performático Johnny Hooker se inspira ao compor e ao subir aos palcos. “De Duran Duran a Madonna, de Johnny Hooker a Arcade Fire, quase tudo na música pop dos últimos 40 anos tem influência dele”, sentencia André Balaio (Ex-Paulo Francis Vai Pro Céu).
Embora nunca tenha pisado em palcos pernambucanos, o Camaleão do Rock influenciou pelo menos duas gerações de músicos locais. Confira depoimentos:
Ele é uma das pessoas fundamentais, que você não pode deixar de ouvir. Me influenciou muito, especialmente na parte da carreira em que ele começa a trabalhar com Iggy Pop. David Bowie é um nome fundamental. Se você é músico, é importante entender sobre a sua área. E Bowie é um nome indispensável. Em relação ao seu trabalho cênico, teatral, também me sinto influenciado. Todos somos. Ele sempre apontou para novos lugares na música, e, além de influenciar outros artistas da geração dele, nos influencia até hoje na montagem dos espetáculos, na escolha das roupas. A ideia de criar um personagem, como Ziggi Stardust, isso nos dá liberdade de explorar novas faces. Ele fez os shows virarem espetáculos, que transbordam a música e se estendem ao teatro, à arte de modo geral. Ele deixa um verdadeiro show.
Quando eu o conheci, ele não tinha nenhum disco estourado nas paradas, ainda. Foi na virada da década de 1970 para 1980. Encontrei um disco velho, no lendário sebo de Humberto, na Boa Vista, Centro do Recife. A capa estava desgastada. Era um disco que ele estava vendendo por um preço simbólico, o equivalente a vinte ou trinta centavos. Era o Diamond dog, lançado no Brasil no início da década de 1970. Eu tinha ouvido Bowie em coletâneas, mas nunca tinha escutado um álbum inteiro dele. A primeira que escutei foi Wild is the wind. Me impressionou demais. Quando eu estava montando a Mundo Livre S/A, dei entrevistas a jornais de bairro falando que os membros da banda teriam todos nomes fictícios. Eu inventava personagens para cada músico. E isso era inspirado nessa forma mágica que Bowie tinha de se reinventar a cada álbum. Ele conseguia incorporar a narrativa de cada personagem, do conceito de cada disco novo. Entre os meus 17, 18 anos, um grupo de amigos cultuava nomes como Bowie, Iggy Pop. Nós formávamos praticamente uma espécie de seita, e eles eram nossos ídolos, estavam todos no mesmo altar. Eles foram ícones de uma tendência, de uma linguagem nova do rock, que exerceu influência sobre meu trabalho e o de muita gente da minha geração. Mesmo no circuito underground do Recife, ele era reconhecido e cultuado.
Minha iniciação na música - falo da música que me influenciaria pelo resto da vida por ter algo mais além de sons e letras - foi através de Lou Reed, Iggy Pop e David Bowie. Ainda adolescente, fiquei fascinado pelo visual andrógino, as lendas pessoais, a ousadia das letras... Havia também a ambição artística, a fusão entre arte contemporânea e performance de palco, que Bowie dominava melhor que ninguém no mundo da cultura pop.
Bowie era um espécie de luz guia para o meu trabalho. A forma como ele conseguia casar experimentalismo e música pop, performance e visual, show e narrativa, era sem precedentes na história da música moderna. Suas músicas sobre não-pertencer, sobre a desolação em frente a um mundo que parece não se importar, suas visões de beleza, e acima de tudo o seu "ser alienígena", o se sentir alienígena em relação a esse planeta, se misturaram com a minha própria vida. Quando comecei a fazer música com uns 13, 14 anos logo me apaixonei por uma garota do colégio que coincidentemente amava Bowie também. A frase "I'll be a rockin rollin bitch for you" de Moonage Daydream me deu a dica, e como meu ídolo, eu sabia que precisaria adquirir um novo sobrenome, escolhi Hooker. Me sinto destruído com essa perda. Ele era o maior. E espero que tenha pego sua espaço-nave em direção a outros mundos que precisem dele mais do que nós agora. Nós ficamos aqui eternamente gratos sabendo que podemos ser heróis e não apenas por um dia. Como diz "Lazarus" lançada apenas dias atrás, "Oh, I'll be free, just like that blue bird".
Claro que existem os discos fantásticos, as músicas que eu ouço quase diariamente. Mas Bowie tinha uma forma de ver e de fazer arte de uma maneira transcendente. A música dele está repleta de influências de teatro, cinema, literatura, de uma música anterior ao Rock. Isso tudo ele soube juntar em uma arte popular, mas com conceito. Ele nos ensinou que é possível fazer algo pop, popular mesmo, com profundidade, nas letras e principalmente na estética. Além disso, ele sempre se renovou, sempre criava "personas" artísticas diferentes, como se fossem personagens mesmo, com novas formas de mostrar a arte dele. Isso manteve a arte dele viva e relevante por todo esse tempo, influenciando tanta gente. Ouso dizer que David Bowie elevou a música pop a um status de arte e que será uma referência incomparável do nosso tempo no futuro. Ele soube entender o fim da utopia hippie e o início de um certo individualismo atrelado a algo tecnológico nos anos 70, ao criar o personagem Ziggy Stardust, que era um ET que virava astro do Rock. De certa forma, ele antecipou a coisa do mercado que cria ídolos descartáveis com este personagem bastante icônico e irônico. Além de tudo, ele influenciou na moda e no comportamento. Nos anos 1970, foi um dos primeiros artistas homens a se pintar, a usar roupas andróginas. E a admitir a bissexualidade, mesmo que tenha sido aparentemente uma jogada de marketing.
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