A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas há muito se habituou a ser acusada de cometer injustiças. Afinal, entre as etapas de organizar o maior prêmio do cinema mundial está a difícil tarefa de escolher os destaques do ano em uma indústria gigantesca. Se, por um lado, é natural receber críticas por conceder estatuetas a uns e não a outros, a organização norte-americana tem sido severamente questionada por ter apresentado, pelo segundo ano consecutivo, uma lista de indicados ao Oscar formada inteiramente por pessoas brancas. A ausência de profissionais negros não só criou um grande mal-estar, como tem motivado o anúncio de boicote à cerimônia de premiação por parte dos cineastas Spike Lee e Michael Moore e da atriz Jada Pinkett Smith (casada com Will Smith, considerado forte cotado pela atuação em Um homem entre gigantes).
“No Oscar, negros são sempre bem-vindos para entregar prêmios… Até para divertir. Mas raramente somos reconhecidos por nossas conquistas artísticas. Negros deveriam se abster de participar com todo mundo? Pessoas só podem nos tratar da maneira que permitimos. Com muito respeito em meio à profunda decepção, J.“, disse a artista, por meio do Twitter. Outros nomes deixados de lado foram Idris Elba (Beasts of no nation), Michael B. Jordan (Creed), Samuel L. Jackson (Os oito odiados) e o elenco de Straight outta Compton: A história do N.W.A.
A polêmica foi comentada por Cheryl Boone Isaacs, a primeira presidente negra da Academia: "Estou triste e frustrada pela falta de inclusão. Essa é uma conversa difícil, mas importante, e chegou a hora de grandes mudanças. A Academia está tomando passos dramáticos para mudar o rosto de nossos membros. Nos próximos dias e semanas faremos uma revisão no recrutamento de membros para trazer a necessária diversidade na turma de 2016 em diante.”
Para o cineasta e pesquisador mineiro Joel Zito Araújo, diretor de A negação do Brasil – documentário sobre a presença de personagens negros em novelas – a lista de indicados ao Oscar representa o envelhecimento e a distorção dos votantes da Academia. “A maior parte dessas pessoas, cerca de 70 a 75%, são homens brancos na faixa etária dos 75 anos. É uma geração mais velha, agarrada a valores ultrapassados. Possivelmente parte deles é resistente a mudanças de valores sociais, a críticas ao politicamente correto”.
Na opinião de Araújo, é possível traçar um paralelo entre essa crise de representatividade com o que ocorre nos blockbusters do cinema brasileiro e com as telenovelas, cuja inspiração é a Hollywood mais antiga e conservadora. “Nesses casos, você ainda não tem uma correspondência com os Estados Unidos, no que diz respeito ao crescimento da presença de bons papéis para negros e latinos. Eles abriram as portas para talentos negros que se afirmaram como grandes vendedores de ingressos. É um país que passou por uma discussão séria dos direitos civis. Então, você não ter nenhum negro indicado ao Oscar apesar disso, é uma mostra do quanto pesa a mentalidade antiga, da persistência da escravidão”.
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Em busca de uma representação coerente da raça negra na tevê brasileira, com personagens de alto nível social e intelectual, por exemplo, a atriz e cineasta paulistana Patrícia Chaves está em fase de captação de recursos para produzir o documentário O Brasil que não se vê na TV. “Sempre senti falta de ver na televisão e no cinema mais atores com os quais me identificasse fisicamente. Conforme me especializei nas artes cênicas, me deparei com o fato de que a sociedade brasileira não está pronta para me ver em qualquer papel. É lamentável a ausência de negros nesses espaços”.
barreira quebrada
Em setembro do ano passado, Viola Davis se tornou a primeira atriz negra a vencer um Emmy. Na ocasião, ela fez discurso emocionado ao receber o troféu pela atuação em How to get away with a murder, e destacou a criação de séries pensadas para acolher atores e atrizes negros. “A única coisa que separa a mulher negra de qualquer outra pessoa é a oportunidade. Não dá para ganhar um Emmy por papéis que não existem. Então este prêmio vai para todos os roteiristas (...), pessoas que redefiniram o que significa ser bonita, ser sexy, ser uma mulher na liderança, ser negra”.
possíveis razões
Em busca de explicações para a ausência de negros na lista de indicados ao Oscar, a editora de Vozes Latinas do portal Huffington Post, Carolina Moreno, listou fatos sobre Hollywood capazes de nos dar algumas pistas. O artigo revela, por exemplo, a falta de diversidade em todos os níveis, a começar pelo topo dos estúdios cinematográficos. Segundo estudos de universidades norte-americanas, cerca de 94% dos presidentes dessas empresas são brancos. Algo semelhante ocorre em relação às grandes agências de recrutamento de atores. Outra pesquisa divulgada recentemente aponta que, entre 2007 e 2014, 75,2% dos papéis de 700 filmes ficaram com atores brancos.
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