Literatura
Caio Fernando Abreu permanece atual e adorado, 20 anos após sua morte
Escritor perdeu a batalha para a Aids no dia 25 de fevereiro de 1996, aos 47 anos
Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco
Publicado em: 25/02/2016 11:57 Atualizado em:
Foto: caiofernandoabreu.com/Reprodução |
Em uma noite de dezembro de 1970, Caio Fernando Abreu, na época com 22 anos, saiu de casa tomado de grande timidez para uma sessão de autógrafos. Quando chegou ao local indicado pelos jornais, encontrou a autora em um canto, “linda e estranhíssima, toda de preto, com um clima de tristeza e santidade ao mesmo tempo, absolutamente incrível”. A mulher era Clarice Lispector, de quem ouviu um elogio – era muito bonito, se parecia com Cristo. “Tive 33 orgasmos consecutivos. (...) Saí de lá meio bobo com tudo, ainda estou numa espécie de transe, acho que nem vou conseguir dormir”, escreveu, em carta, à amiga Hilda Hilst. Aquele rapaz tímido, em início da carreira literária, dali a alguns anos viria a se inscrever no mesmo panteão do qual pertenceu Clarice, o dos memoráveis escritores de ficção brasileira do século passado. Tal grandeza foi abreviada há exatas duas décadas, quando Caio F. (como preferia assinar, em referência à personagem-ícone Christiane F.) morreu, aos 47 anos, vítima de Aids.
Foto: caiofernandoabreu.com/Reprodução |
Amiga de longa data e autora de obra referência sobre vida e obra do escritor, a jornalista Paula Dip planeja lançar, ainda este semestre, coletânea das correspondências trocadas entre Caio e Hilda. O livro deve sair pela editora Record, simultaneamente a uma edição reduzida dePara sempre teu, Caio F. O hábito de enviar grande volume de cartas era, aliás, característica marcante do gaúcho natural de Santiago. Na longa lista de destinatários, familiares, músicos, atores, escritores, entre eles a própria Clarice (cujo endereço Caio solicitou naquele primeiro encontro).
Grande parte desses documentos fazem parte do Espaço de Documentação e Memória da PUC do Rio Grande do Sul, após terem sidos doados pela família. Segundo a pesquisadora e diretora da faculdade de letras gaúcha, Regina Kohlrausch, os mais de 2700 volumes catalogados estão em parte disponíveis ao público. As restrições são motivadas pela menção, nos escritos, a personalidades ainda vivas. O mesmo vale para um diário mantido por Caio F., guardado a sete chaves pela irmã mais nova do escritor. Para a professora, doutora em teoria literária pela PUC-RS, o autor de Morangos mofados é sempre alvo de muito interesse, tanto de estudos acadêmicos quanto de leigos.
“A curiosidade em torno dele é imensa. No caso de alunos calouros no curso de letras, já chegam impressionados. A maioria já ouviu falar, mas não leu a obra completa. O acesso muitas vezes é por meio de redes sociais, por frases publicizadas, nem sempre de autoria do escritor”. Kohlrausch frisa o fato de Caio Fernando Abreu ser autor extremamente urbano, capaz de trazer para a literatura um universo ainda inexistente. Gay assumido, ele foi pioneiro ao tratar questões ligadas a homofobia, preconceitos e trato de minorias.
DEPOIMENTO >>> Renata Pimentel, doutora em letras pela UFPE, escritora e dramaturga
"Caio [Fernando Abreu], assim como Clarice [Lispector], estão em um certo nicho de autores que se notabilizaram muito e, por isso, ficaram estigmatizados em certos nichos, como os Orkuts e Facebooks da vida, em um processo de superficializacão e banalização de suas obras. Essa visão superficial causa a perda de outras camadas da obra dele, às vezes visto como autor para adolescente ou autor melancólico. Caio antecipa a modernidade nos anos 1970 e 1980, questões ligadas ao ecológico, ao estigma de ser gay, de ter Aids.
Enquanto versos de poesias falsamente atribuídas a ele são compartilhadas, ficam de lado novelas incríveis, romances com potencial enorme, uma obra dramatúrgica de grande dimensão. Para não deixar isso de lado, desde 2011 desenvolvo trabalho de dramaturgia com sete bailarinos de Petrolina, da companhia Qualquer dos dois. Nos últimos anos, montamos os espetáculos Para sempre teu e Caio. %u2028Acho fundamental perceber que a publicação da epistolografia do autor não é só algo voyeur, mas parte do processo de olhar as várias dimensões desse homem."
Enquanto versos de poesias falsamente atribuídas a ele são compartilhadas, ficam de lado novelas incríveis, romances com potencial enorme, uma obra dramatúrgica de grande dimensão. Para não deixar isso de lado, desde 2011 desenvolvo trabalho de dramaturgia com sete bailarinos de Petrolina, da companhia Qualquer dos dois. Nos últimos anos, montamos os espetáculos Para sempre teu e Caio. %u2028Acho fundamental perceber que a publicação da epistolografia do autor não é só algo voyeur, mas parte do processo de olhar as várias dimensões desse homem."
PARA LER
Para sempre teu, Caio F. - Cartas, conversas, memórias de Caio Fernando Abreu, de Paula Dip
Editora: Record
%u2028Páginas: 504
%u2028Preço: R$ 82,90
Escrito por amiga do escritor, o livro reúne cartas, bilhetes e particularidades que ela dividiu com o escritor, além de depoimentos de pessoas importantes na vida de Caio, como Cazuza, Ney Matogrosso, entre outros.
Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu
Editora: Nova Fronteira
%u2028Páginas: 224
%u2028Preço: R$ 34,90
Em uma das obras mais lembradas de Caio, a dor, o fracasso, o encontro, o amor e a esperança se entrelaçam. O conjunto de contos funciona como se o livro fosse um romance.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL
MAIS LIDAS
ÚLTIMAS