Carnaval Carnaval 2016: Depois de mosqueteiro e árabe, Alceu Valença encarna Lampião No carnaval deste ano, o músico pernambucano leva o cangaço para os palcos e divulga filme A luneta do tempo

Por: Larissa Lins - Diario de Pernambuco

Publicado em: 09/02/2016 09:50 Atualizado em: 05/02/2016 17:41

A cada ano, Alceu encarna um personagem diferente nos palcos do carnaval. Fotos: Arquivos/DP
A cada ano, Alceu encarna um personagem diferente nos palcos do carnaval. Fotos: Arquivos/DP

Há quatro anos, nas semanas que antecederam o carnaval, Alceu Valença concedia entrevistas e conversava com amigos em espanhol. Era homenageado pela Prefeitura do Recife (junto com o artista plástico José Cláudio) e, naquele ano, encarnava Dom Quixote, personagem criado por Miguel de Cervantes no século 17. Vestia armadura e lutava, nos palcos, contra os moinhos de vento - citados por ele em Agalopado: “Dom Quixote liberto de Cervantes, descobri que os moinhos são reais.” Alguns anos antes, inspirado na literatura do francês Alexandre Dumas, exibira figurino de mosqueteiro.

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Da própria bagagem cultural, influenciada por apelos sazonais do imaginário popular, ele sacou, ainda, um toureiro, um árabe, um bobo da corte. Deu vida a muitos personagens universais antes de encarnar uma das figuras mais emblemáticas do repertório pernambucano. Até que, neste ano, homenageado pelo carnaval de Olinda, Alceu Valença será Lampião.

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Fruto das mesmas inspirações que permearam A luneta do tempo, dirigido pelo músico e com estreia prevista para 24 de março nos cinemas nacionais, a montagem do espetáculo carnavalesco revive o cangaço nordestino. Alceu é Virgulino Ferreira da Silva, e os músicos da banda, seus capangas.

Alceu canta clássicos da carreira no repertório. Foto: Roberto Ramos/DP
Alceu canta clássicos da carreira no repertório. Foto: Roberto Ramos/DP
O repertório é composto por frevos, como manda a tradição. Somados, figurino e músicas remetem à infância do artista, povoada pelas memórias do Agreste pernambucano, em São Bento do Una, e pelos blocos que cruzavam a Rua dos Palmares, no Centro do Recife, para onde Alceu se mudou aos nove anos. “Revisito a viola do meu avô, as emboladas, os aboiadores. E também Nelson Ferreira, Carlos Pena Filho, artistas que moravam na mesma rua que eu, na capital”, explica o músico.

Além da tradicional abertura do carnaval de Olinda, da apoteose no Marco Zero do Recife na Terça-feira Gorda, e dos shows nos polos descentralizados e no interior do estado, Alceu Valença encarnou Lampião no bloco Bicho Maluco Beleza, em São Paulo. Para isso, levou falta no Baile Municipal do Recife, pela primeira vez em muitos anos. “Mas tudo bem, o Municipal estava em ótimas mãos”, brinca, pouco mais de uma semana após comandar show em outro baile tradicional do Recife, o Bal Masqué. No ano passado, cerca de 60 mil pessoas o acompanharam pelo bairro de Pinheiros, na capital paulista, o que motivou a mudança de itinerário para o Parque Ibirapuera. “Levo o carnaval pernambucano aonde vou, seja em São Paulo, seja muito mais longe, como no Festival de Montreux, na Suíça.”

RECEITAS DE CARNAVAL

Saudosismo
“O saudosismo, aquela reverência aos antigos carnavais, é saudável, sim. Mas o ‘aqui’ e o ‘agora’ também são. Estamos a poucos dias da nossa maior festa e é preciso viver o presente. Os blocos líricos que cruzavam as ruas do Recife no passado continuam belíssimos, magistrais. Precisamos preservar esse legado, enquanto cuidamos para manter a riqueza cultural nos carnavais de agora.”

Bairrismo
“Seria ridículo Mick Jagger tocar no São João de Caruaru, como seria ridículo um forrozeiro se apresentando num festival de rock. Eu acredito que deveria haver reciprocidade. Se grandes artistas de fora do estado fazem show em Pernambuco, então artistas pernambucanos devem se apresentar nesses estados. Mas isso não ocorre.”

Alceu comanda, mais uma vez, a apoteose do carnaval no Marco Zero. Foto: Hesíodo Goes/DP
Alceu comanda, mais uma vez, a apoteose do carnaval no Marco Zero. Foto: Hesíodo Goes/DP


Preparação
“Costumo dizer que quem vai ao palco não tem gripe. Quando gravei o espetáculo Valencianas, gripei no dia seguinte. Acho que a gente prepara o organismo para aquele compromisso, ainda que seja uma maratona de shows, como no carnaval. Mas, no geral, caminho 10 mil passos todos os dias, independente de onde estou.”

Inspiração
“Minha infância é a grande fonte de inspiração das minhas músicas, dos meus shows, da minha performance no palco. Quando me mudei de São Bento do Una para o Recife, morei na Rua dos Palmares, no Centro da cidade. Batizei essa rua de Carnavalódroma, porque muitos blocos e agremiações passavam por ela. Também porque ali moravam referências como Nelson Ferreira e Carlos Pena Filho, meus vizinhos. Nelson Ferreira tomava whisky com meu pai, era íntimo da minha família, como não iria me influenciar? Ele era um mito.”

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Memória
“Antes de ficar conhecido, eu brincava carnaval no corso. Brincava nos clubes, alugava jipes com meus amigos e saía pelas ruas, brincando com água, serpentinas. No início da carreira, quando a indústria do entretenimento ainda não tinha inventado essa coisa da ‘fama’, eu passava os carnavais pelas ladeiras de Olinda. Ninguém me parava, nem reconhecia. Nos anos 1980, quando meus frevos tocavam nas rádios, eu não era ‘famoso’ ainda. Acho que eu era cafona. Hoje brinco em cima dos palcos.”

Conselho
“Todo artista tem que ter um pouco de louco, um pouco de rebeldia e muita personalidade. Eu jamais gravei uma música encomendada por produtores. Fui um dos primeiros a cair fora da indústria do disco. Mas a rebeldia não pode ser vazia. Detesto rebeldes sem causa. O mundo está carente de ideologias. E o funk ostentação, por exemplo, cuja ideologia passa a ser o desejo de possuir um [relógio] Rolex, não tem uma causa ideológica. Assim não adianta.”

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