Getúlio Cavalcanti compôs o primeiro frevo de bloco em 1976. Foto: Multimídia/DP/DA Press

Na Camutanga dos anos 1940, na Zona da Mata de Pernambuco, moradores locais saíam às ruas organizados em blocos líricos familiares, com música e figurino improvisados, enquanto Getúlio assistia a tudo no terraço de casa. Quis o destino que aquelas tardes de carnaval o transformassem no único folião inveterado da família Cavalcanti, que, mais tarde, encorajaria filhos e netos a alimentarem a mesma paixão. Entre a infância em Camutanga e o ingresso na carreira de compositor de frevos, se passaram pouco mais de 30 anos.

Foi em 1976, atuando como cantor romântico na noite recifense, que Getúlio Cavalcanti deu vazão, enfim, ao antigo desejo de desfilar com blocos líricos: uniu-se ao cortejo do Banhistas do Pina, cujo enredo daquele ano era composição dele, o frevo O bom Sebastião, homenagem ao cantor e compositor Sebastião Odilon Lopes, morto dois anos antes. A letra, seu primeiro frevo de bloco, completa 40 anos neste carnaval - motivando homenagens à obra de Getúlio nos desfiles do Banhistas do Pina e dos Bonecos Gigantes de Olinda - e é, para ele, o produto mais valioso do seu legado.

Getúlio desfila todos os anos no Bloco da Saudade. Foto: Nando Chiappetta/DP/DA Press

Um ano antes de escrever O bom Sebastião, Getúlio recorda, os Irmãos Oliveira haviam vencido concursos e conquistado notoriedade com o frevo de bloco É o mesmo bloco Edgar, em homenagem a Edgar Moraes. Com a morte de Sebastião Lopes, pobre e pouco reconhecido na época da partida, Getúlio Cavalcanti recorreu às memórias de Camutanga e teve a inspiração: homenagearia o amigo e se dedicaria, a partir de então, a concorrer em concursos de músicas de carnaval. “Eu já havia gravado Você gostou de mim, em 1962, com o maestro Nelson Ferreira. Mas aquele seria meu primeiro frevo de bloco, e destinado à competição,”, lembra Getúlio. O bom Sebastião lhe rendeu prêmio no Concurso de Músicas Carnavalescas realizado naquele ano pela TV Jornal (recebeu nota máxima com unanimidade entre os jurados), e deu início a uma sucessão de composições vitoriosas. “Aquele frevo foi considerado uma revolução no gênero, porque aproximou o frevo de bloco do povo. Antes dele, somente Evocação Nº1 havia sido tão popular, ainda na década de 1950.”

Hoje, Getúlio Cavalcanti comanda orquestra própria de pau e corda, acompanhado da filha (Alessandra) e da neta (Beatriz). Participa todos os anos do encontro de blocos líricos e, no próximo domingo, protagoniza no Cordeiro, na Zona Oeste do Recife (Av. Do Forte, às 20h), encontro histórico: conduz uma ala do Bloco da Saudade, do qual participa há mais de 30 anos, no cortejo do Banhistas do Pina, em homenagem aos 40 anos d’O bom Sebastião. Tem shows marcados, ainda, em polo central do Recife (Marco Zero), em Timbaúba e em Olinda. Diz gostar de ver jovens como ele, ou melhor, diferentes dele: que, em vez de assistir aos cortejos do terraço de casa, se engajam com o carnaval folclórico, tradicional. “Enquanto tiver vida”, diz o músico, que completa 74 anos na Quarta de Cinzas, “vou comendo poeira com os blocos líricos e tocando meu violão.”

O músico nasceu em Camutanga, Zona da Mata de Pernambuco. Foto: Julio Jacobina/DP/DA Press

DE ANTES
“Nos anos 1970, o carnaval lírico estava resumido aos blocos associados à chamada Federação Carnavalesca, como o Flor da Lira, os Batutas de São José, os Banhistas do Pina… Venci, com o Banhistas do Pina, fundado em 1932, o carnaval de 1976, quando desfilamos O bom sebastião. Sebastião havia falecido em 1974 e a música, sido composta em 1975. O Bloco da Saudade havia sido fundado em 1973 e ainda patinava no carnaval. Em 1979, compus o frevo Sete anos de saudade, com o qual fomos campeões do carnaval e que também me rendeu o título de campeão no Frevança, outro concurso da época. A partir dali, me juntei ao bloco [da Saudade] e não o larguei mais. Desfilo todos os anos, me sinto em casa.”

“Quando cheguei ao Recife, aos 15 anos de idade, Evocação Nº1 tocava nas rádios, embalava o carnaval. Aquilo me influenciou profundamente, intensificou a admiração que eu tinha pelos blocos líricos desde a infância em Camutanga.”

“A diferença de O bom Sebastião, o que fez ele ser considerado um marco nos frevos de bloco, foi a harmonização da melodia, a letra poética, porém popular, moderna para a época. Aquilo encorajou outros compositores a participarem de concursos e escreverem frevos no mesmo estilo, o que reacendeu os frevos de bloco e, consequentemente, os blocos líricos.”

Ele será homenageado no cortejo de bonecos gigantes. Foto: André Soares/Divulgação

DE AGORA
“Hoje, se vê muitas crianças e jovens engajados com os blocos líricos. Esse é um movimento fundamental para preservar as agremiações, essa vertente folclórica do carnaval. É um grupo enorme, sério, fiel. As crianças acompanham os pais e, naturalmente, se tornam membros dos blocos, desfilam por vontade própria, desenvolvem relação de amor com aqueles grupos, que as fará administrá-los no futuro.”

“Sinto falta de mais concursos de frevo, de músicas carnavalescas. Aliás, há pouquíssimos concursos de música em geral. E eles são imprenscindíveis. A competição estimula os novos artistas e revela talentos. Estou preparando projeto para enviar às autoridades a fim de reerguer os concursos. Neles, surgem novos cantores, novos compositores. Precisamos disso, cada vez mais.”

“Com a homenagem do Banhistas do Pina e dos Bonecos Gigantes de Olinda, me sinto reconhecido. Os aplausos me despertam gratidão, mas, sobretudo, a responsabilidade de manter firme meus valores, em defesa do carnaval lírico. Os blocos reúnem, hoje, elementos dos maracatus, dos caboclinhos, de entidades que antes estavam dispersas.”

NÚMEROS
12 CDs
2 LPs
1 DVD
250 composições, aproximadamente
120 frevos gravados
 
HOMENAGENS

O músico faz aniversário na Quarta de Cinzas. Foto: Roberto Ramos/DP/DA Press

Domingo, 7 de fevereiro
Às 20h, desfila com ala do Bloco da Saudade no cortejo do Banhistas do Pina em homenagem aos 40 anos do frevo O bom Sebastião. Av. Do Forte, S/N, Cordeiro.

Terça-feira, 9 de fevereiro
29º Encontro de Bonecos Gigantes de Olinda de 2016, com concentração às 10h30, no Largo de Guadalupe, na Cidade Alta, Olinda.

BOM SEBASTIÃO (LETRA)
Quem conheceu Sebastião
De paletó na mão
E aquele seu chapéu
Por certo está comigo crendo
Que ele está fazendo carnaval no Céu