Há muitos anos, ele lembra bem, os primeiros raios da manhã do Sábado de Zé Pereira iluminavam, diante de Lenine, um prato generoso de sarapatel. No Mercado de São José, Bairro do Recife, a cena se repetia anualmente e era metade poética, metade cômica. O sarapatel, acompanhado de cerveja gelada, emendava simbolicamente o cortejo de abertura do carnaval, na noite da sexta-feira, e o desfile do Galo da Madrugada, na manhã do sábado. Isso só para começar, quando o nome de Lenine ainda não era anunciado como atração principal dos Sábados de Zé Pereira no Marco Zero, para onde ele retorna neste ano, depois de um carnaval afastado da terra natal.
Traz consigo, agora, a razão da - breve, porém sentida - ausência: o disco Carbono, finalizado e em turnê nacional, cujo processo de produção impediu a viagem do músico ao Recife em fevereiro de 2015. De volta para casa, Lenine tira o atraso da última Folia de Momo com agenda cheia (tem shows marcados para todos os dias do carnaval) e repertório balanceado entre lançamentos e sucessos antigos. Como há anos, desde que a fama fez pesar seu nome, não sobra tempo nem para o sarapatel.
Além dos ensaios na laje da casa onde vive o Maestro Forró, na Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife, Lenine aproveita os dias que antecedem a Folia de Momo para rever amigos e familiares. Comemora no Recife o aniversário de 57 anos, celebrados nesta terça (02), quando a Praia de Boa Viagem se enche de rosas brancas oferecidas a Iemanjá - o orixá africado é festejado no dia 2 de fevereiro pelos adeptos do candomblé. "Tenho uma simpatia danada por ela. Acredito no divino, porque percebo ele em tudo, não necessariamente na prática de uma religião", diz Lenine, cujo plano é comemorar a nova idade recluso, acompanhado pela família. No carnaval, sim, vai às ruas. E embora não planeje duetos em nenhum de seus shows, não descarta os encontros de improviso sobre o palco. "Eu estou no Recife, né, mulher? Meus amigos estão todos aí, e a gente nunca sabe o que esperar. Tudo pode acontecer", pondera, com o sotaque que ele nunca abandonou.
LENINE E O CARNAVAL
"Foi uma confluência de coisas que me levaram a ter que produzir Carbono em janeiro e fevereiro do ano passado, por isso levei falta no último carnaval. Mas não tive sequer tempo de sentir saudade naquele período. Fiz um mergulho muito profundo no disco, mal sabia o que se passava fora do estúdio. Eu estava completamente imerso.
REPERTÓRIO
"Quando lanço novo álbum, dedico a maior parte do repertório a ele. Porque os filhos recém-nascidos sempre precisam de mais atenção, não é? Mas 'azeitamos' o repertório pra o carnaval deste ano, já que se trata de um momento de comunhão, de grandes sucessos cantados em coro. Embora a própria turnê de Carbono seja mais aberta, inclua músicas de outras fases da carreira, mesmo que a espinha dorsal seja feita de lançamentos."
MARACATUS
"Sempre fui muito ligado aos maracatus. Naná Vasconcelos me convidou no ano passado para participar do cortejo até o Marco Zero, na abertura do carnaval. Ele foi, com isso, o primeiro a saber que eu não iria ao Recife naquela ocasião. Precisei recusar, mas pedi que ele me convidasse no ano seguinte. Deixamos a promessa. E agora ela será cumprida. A inclusão dos caboclinhos no cortejo foi uma empreitada maravilhosa do Naná. O Brasil já conhece o frevo, o maracatu, mas pouco se fala dos caboclinhos. Acho acertado reverenciarmos essa expressão. Viva os maracatus! E viva os caboclinhos!
NAÇÃO PORTO RICO
"O Maracatu Nação Porto Rico, em especial, faz parte da minha formação musical, da minha história. Há dois anos, foram meus convidados no palco do Marco Zero, no carnaval. Aquele momento teve grande significado para mim, além de marcar o retorno do grupo à cena carnavalesca. Achei lindo quando soube que seriam homenageados - junto com o Clube Carnavalesco Misto Pão Duro e o Maestro Forró, esse expoente do frevo libertário - pelo carnaval do Recife. Seria ótimo dividirmos o palco, mas sei que, enquanto homenageados, eles estarão com a agenda cheia. Mas quem sabe? Estaremos todos próximos nesses dias."
CARNAVAL
"O carnaval do Recife é plural, as pessoas do país inteiro já entenderam isso. Não há carnaval igual. Eu não tenho palavras para descrever a emoção de voltar para casa, ainda mais nesse período. Não tem a ver com show, não necessariamente. Tem a ver com a minha relação com a cidade, com a energia do Recife, com a minha família. Com o meu pai, que faleceu há poucos meses. Com a minha mãe, meus parentes, meus amigos. No meu núcleo familiar, o carnaval sempre foi muito presente, muito forte. Eu, que fui o único a sair da barra da saia da minha mãe para fora da cidade, sou quem mais se emociona ao estar em Pernambuco, ao celebrar essa festa tão importante para a nossa cultura, para o nosso povo."
O disco, lançado em abril do ano passado, reúne 11 faixas, entre Castanho, Cupim de ferro, Quem leva a vida sou eu, Simples assim e a instrumental Undo. É o oitavo álbum de estúdio do pernambucano e reúne parceiros conterrâneos e referências à cultura da terra natal - evidentes em À meia noite dos tambores silenciosos e em Cupim de ferro.
AGENDA
05 de fevereiro: Abertura oficial do carnaval (participação na cerimônia de abertura com Naná Vasconcelos)
06 de fevereiro: Marco Zero – show CARBONO
07 de fevereiro: Polo Campo Grande – show CARBONO
09 de fevereiro: Bezerros – show CARBONO
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