Lula Lira prefere não falar sobre morte. À partida do pai, Chico Science, em 1997, ela associa poucas declarações. É cautelosa, reservada. Tinha somente quatro anos quando um acidente de carro vitimou o líder do movimento mangue dos anos 1990 - alcunha que não poderia fazer sentido para uma criança daquela idade. E hoje, quase 20 anos após a perda, a jovem não esconde o incômodo de ser frequentemente convidada a revisitar o luto - seja em entrevistas ou em conversas informais.
Quer, ao contrário, celebrar o que o pai produziu em vida, e, sobretudo, quer viver e dar forma à própria arte. Ligada à música e ao teatro, ela se declara “radiante” com as homenagens aos 50 anos de nascimento de Chico Science - celebrados em março deste ano - por festejarem justamente o reverso da morte. E enquanto as atenções se voltam para ela, única herdeira do principal expoente do manguebeat pernambucano, Lula Lira fala pouco no assunto e prepara a própria reverência ao legado do pai.
“Haverá muitas surpresas ao longo deste ano”, declara ao Viver, em entrevista concedida nos bastidores da peça A paixão segundo Nelson, na qual atua, durante estreia em Natal (RN), no último fim de semana. Sem dar detalhes, revela os planos de gravar disco solo e de homenagear Chico Science - sem que um projeto tenha relação direta com o outro. São desdobramentos da própria carreira, construída a uma distância segura da sombra do pai. Há três anos, Louise Taynã, como foi batizada, firmou-se como cantora à frente do Afrobombas - grupo idealizado por Jorge Du Peixe, parceiro musical de Science na Nação Zumbi, e sogro de Lula - e no projeto infantil Coisinha, concebido pelo conterrâneo China. Agora, retoma as atividades como atriz, iniciadas de forma despretensiosa aos dez anos, na Cia. Teatral 10 Mandamentos, em Olinda.
Vivendo “lá e cá”, como ela costuma dizer, Lula Lira se divide entre os compromissos no Recife e em São Paulo, onde reside. “Mas não perco o carnaval!”, declara. E sorri, estreitando os olhos. No palco, não é sempre que Lula empresta sotaque pernambucano à voz de menina, afinada e doce. Mas não faz questão de ocultá-lo, a menos que a personagem exija, o que não é o caso quando Lula fala por si. Nos próximos dias, além de se apresentar com o Coisinha em polo infantil do carnaval do Recife (na Terça Gorda, às 18h, no Parque da Jaqueira), a pernambucana participa do Galo da Madrugada, no Sábado de Zé Pereira - cujo desfile deste ano será dedicado a Chico Science. No dia 12, estreia temporada de A paixão segundo Nelson, dirigida por Débora Dubois, no Recife. “Depois do carnaval”, brinca, “eu só espero estar com voz.”
ENTREVISTA: Lula Lira
Gostaria muito de ter ido ao Baile do Siri na Lata, dedicado a ele neste ano. Mas as datas se chocaram, tive a estreia da peça [A paixão segundo Nelson] aqui em Natal, Rio Grande do Norte. Soube que houve homenagens também no Baile Municipal, mas, infelizmente, eu não pude acompanhar. Soube que A Casa Caiu também vai homenageá-lo.
E como você vê esses tributos?
Eu estou radiante de felicidade. As pessoas normalmente procuram homenagear Chico em datas relacionadas à morte dele. Algo como ‘faz tantos anos que ele morreu…’ E eu não gosto dessas coisas. Eu procuro evitar, inclusive, dar entrevistas sobre o assunto. E neste ano, quando ele faria 50 anos, a homenagem é mais do que merecida, muito apropriada. Muitas coisas acontecerão em torno dessa data, desse acontecimento, ao longo do ano. Haverá muitas surpresas ainda. Surpresas minhas também, diretamente relacionadas a ele. Mas não posso revelar.
E em relação à montagem A paixão segundo Nelson, como teve início a sua relação com o teatro?
O teatro, na verdade, é minha paixão. Desde os dez anos eu me descobri atriz de palco. Participei de uma companhia em Olinda, uma companhia amadora. Nos apresentamos muito nos teatros do Recife, como o Barreto Júnior, o Santa Isabel. Nós ensaiávamos no Fernando Santa Cruz, no Eufrásio. Os cenários eram todos reciclados, nós mesmos pegávamos material do lixo, fazíamos as peças. Era um trabalho coletivo. Eu permaneci na companhia dos dez aos 14 anos. Depois eu parei para me dedicar aos estudos. Estou retomando isso agora, dez anos depois.
Você é mais conhecida pela vertente musical da carreira. Como vem conciliando, nos últimos anos, a paixão pelo teatro e a carreira musical?
Quando eu comecei a cantar de verdade, em 2013, com o Afrobombas, eu tinha planos de voltar a fazer teatro, mas não estava tão firme. Em julho do ano passado, eu conheci Débora [Dubois] e veio esse convite incrível, irrecusável. Recomecei em grande estilo. E foi aí que eu voltei, mas sempre estava pensando nisso.
Cogita, agora, voltar a se dedicar integralmente ao teatro?
Sim, com certeza. Mas vou tentar equilibrar as duas coisas, música e teatro. Planejo começar a gravar disco neste ano. Há planos. Será um disco solo.
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