HQ Primeiro herói mascarado dos quadrinhos, Fantasma chega aos 80 anos esquecido no Brasil Em meio à profusão de combatentes do crime, tirinhas e revistas do personagem são publicadas em mais de 500 jornais, de 40 países

Por: Fellipe Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 20/02/2016 09:00 Atualizado em: 20/02/2016 09:36

Cena do filme O Fantasma, de 1996. Foto: toutlecine.fr/Reprodução da internet
Cena do filme O Fantasma, de 1996. Foto: toutlecine.fr/Reprodução da internet
Imagem: Ediouro/divulgação
Imagem: Ediouro/divulgação
Dois anos antes do surgimento do Super-Homem, três antes do Batman, quatro antes do Capitão América, estreava nos jornais do mundo a tirinha de um herói fundamental para a estética dos quadrinhos modernos. Criado há exatos 80 anos, em fevereiro de 1936, o Fantasma pode até não ter alcançado a popularidades dos três anteriores. Por outro lado, ditou tendências. Foi o primeiro a adotar traje colante e máscara, dois pré-requisitos dos paladinos da justiça. Para chegar ao conceito do “espírito que anda”, o norte-americano Lee Falk (também inventor do personagem Mandrake) combinou histórias de cavalaria, contos de fada e poesia épica. Embora o Fantasma pareça esquecido, hoje, em meio à profusão de combatentes do crime, suas tirinhas são publicadas em mais de 500 jornais, de 40 países. Enquanto o Brasil praticamente o escanteou, nações como a Austrália ainda consomem avidamente as narrativas (por lá, o gibi do herói superou a marca dos 1700 números publicados).

Na história de pano de fundo, o personagem é conhecido como “o homem que não pode morrer” não por ser imortal, mas pelo fato de os atos heroicos serem passados adiante a cada geração. Há, portanto, não um, mas vários Fantasmas. O primeiro deles teria surgido em 1536, quando o pai do marinheiro britânico Christopher Walker foi morto em um ataque de piratas. O impulso de vingança o levou a caçar os assassinos e a dar início ao legado do herói. Sem superpoderes, o Fantasma confia na combinação entre força e inteligência para lutar contra o mal, estratégia semelhante à adotada por figuras fictícias surgidas posteriormente, como James Bond (de Ian Fleming, em 1953) e Jason Bourne (de Robert Ludlum, em 1980). As aventuras são ambientadas na fictícia Bengala, um território africano.

Para o editor-chefe do portal Universo HQ, Sidney Gusman, considerado um dos maiores especialistas em quadrinhos no Brasil e autor de livros como 100 respostas sobre super-heróis, o Fantasma perdeu espaço por se tratar de um personagem isolado. “Ele foi engolido pelos super-heróis por não ter um universo em torno [como a Liga da Justiça e Os Vingadores]. O Batman, por exemplo, também não tem poderes, mas pertence a um universo. Já o Fantasma faz parte de um mundo fantástico, cheio de mistérios, então os leitores das novas gerações deixaram de falar com ele, de se identificar. É uma pena ter deixado de ser publicado no Brasil e nos Estados Unidos (o berço dele), pois o personagem é incrível”.

Entre os apreciadores de quadrinhos, há certa confusão quando o assunto é a cor do uniforme do herói de Lee Falk. Boa parte dos leitores brasileiros (assim como os italianos e espanhóis), sobretudo os mais antigos, deve lembrar de um Fantasma todo vermelho. Na Escandinávia, por exemplo, o herói tem as vestes azuis. Já na Nova Zelândia, o uniforme é marrom. No resto do mundo, roxo. A aparente confusão remonta à primeiras publicações de tirinhas coloridas do mascarado, em 1939, três anos após o surgimento da estreante (em preto e branco). Naquela época, cada jornal tinha condições de impressão distintas e, por isso, escolheu como vestir o herói. Além das roupas, o Fantasma carrega duas pistolas calibre 45 e tem como uma de suas marcas registradas um caveira.



Se na década de 1930 o “mal” a ser combatido era um tanto abrangente, a DC Comics tratou de, em 1986, colocar o personagem (com seu cavalo Herói, o falcão Fraka e o logo Capeto) para combater mazelas atuais, como o racismo, a fome e as drogas. Outra adaptação ousada foi a série animada Os defensores da Terra (também de 1986), onde o Fantasma não somente se unia a Flash Gordon, Mandrake e outros heróis, como ganhava armas de alta tecnologia. No ano seguinte, a atração televisiva foi exibida no Brasil e apresentou ao público tupiniquim o uniforme roxo do personagem, considerada a cor “aceita internacionalmente”. Em 2009, a série televisiva O 22º herdeiro trouxe o herói para o século 21.
O Fantasma teve, ainda, adaptações para livros e para o cinema, a mais recente delas em 1996, estrelada por Billy Zainer e bastante criticada pelos fãs. “É um filme bem fraco. Talvez fosse o caso de fazer uma nova releitura, bem feita, com o herói na selva, resgatando o lado mais místico, com as lendas, a história de passar por várias gerações”, sugere Gusman.
 
ONDE ENCONTRAR
Desde 2013, a Ediouro, por meio do selo Pixel Media, reeditou histórias do Fantasma das décadas de 1930 e 1940. Além das versões impressas, o grupo editorial disponibilizou os gibis em e-books, em plataformas como Apple Store, Google Play e Kobo Books.

+além da história
 
Herói mutante
Para o historiador Túlio Vilela, autor de Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula, a trajetória do Fantasma suscita questões além do entretenimento. Ele menciona as várias críticas recebidas pelas tirinhas, segundo as quais o mascarado era um herói neocolonialista, pois se tratava de um homem branco, britânico, à frente de uma tribo de pigmeus. Mesmo sendo o Fantasma um combatente da pirataria, a Grã-Bretanha foi, historicamente, um país bastante beneficiado pela prática. O contraponto vem de quadrinhos capazes de retratar o herói como defensor da soberania de africanos e asiáticos (ele seria, portanto, anti-colonialista).
“A julgar por várias de suas histórias, ele consegue ser ambos ao mesmo tempo. Talvez essa ambiguidade seja um das características que tornam o Fantasma um personagem mais ‘humano’, pois como todo mero mortal, o herói também tem suas contradições”, defende, no artigoNeocolonialismo e quadrinhos. A ambiguidade, segundo Túlio Vilela, vem do fato do criador Lee Falk ter considerado a opinião do público consumidor e as transformações sociopolíticas ao longo das décadas.
 
Crítico das ditaduras
Outro ponto polêmico da HQ, segundo o historiador, são as críticas aos regimes ditatoriais, retratados por meio dos vilões enfrentados pelo Fantasma. Um deles, o general Bababu, tem várias semelhanças com ditadores africanos. Antes de morrer, em 1999, Lee Falk chegou a comentar a censura de uma história com o vilão, na época da ditadura militar na Argentina, de 1976 a 1982.



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