Música Rolling Stones encantam Cuba com show histórico para mais de 500 mil Mick Jagger disse que "os tempos estão mudando". "Sabemos que há alguns anos era difícil ouvir a nossa música em Cuba, mas aqui estamos nós", afirmou

Por: Cristiana Andrade - Estado de Minas

Publicado em: 26/03/2016 13:05 Atualizado em:

Uma multidão vibrou ao som das músicas do grupo britânico. Foto: AFP/Yamil Lage
Uma multidão vibrou ao som das músicas do grupo britânico. Foto: AFP/Yamil Lage

Em um show gratuito nessa sexta-feira em Cuba, os Rolling Stones cumpriram o que prometeram: um show histórico para mais de 500 mil pessoas em Havana, segundo cálculo das autoridades locais. O momento é considerado por muitos como histórico em um país que um dia forçou fãs do rock a ouvir suas músicas favoritas a portas fechadas.

Considerada subversiva e bloqueada das rádios cubanas nos idos de 1960 pelo presidente Fidel Castro, a banda britânica quebrou um paradigma de 56 anos, mais um que Cuba viveu nos últimos 10 dias. Na semana passada, pela primeira vez em 88 anos, um presidente norte-americano pisou na ilha. São sinais de uma bruta mudança num sistema socialista que há mais de meio século vive sob um embargo econômico global que impõe a seu povo muitas dificuldades sociais, apesar dos subsídios governamentais nas áreas da educação e da saúde.

Estar presente ao maior espetáculo de rock ao vivo e gratuito da história já realizado na capital, Havana, é inédito, emocionante e sem palavras para mais de meio milhão de pessoas. Mal refeita da turnê de Barack Obama, presidente dos EUA, Havana saboreou com festa e alegria um dos megashows mais cobiçados nas principais cidades do mundo – uma sincronia praticamente impossível nas últimas cinco décadas de regime comunista na ilha. Depois de viajar com sua turnê “Olé – América Latina” por Chile, Argentina, Uruguai, Brasil, Peru, Colômbia e México, os Rolling Stones aportaram na ilha para um show totalmente gratuito. O anúncio foi feito há pouco mais de 15 dias pelo líder, Mick Jagger. Para se ter ideia, o recém-show dos Stones no Brasil tinha ingressos mais baratos a R$ 200.

Apesar de o rock não ser o estilo musical mais apreciado e tocado por lá – o que invade ruas e rádios de Havana e cidades do interior é o reggaeton, estilo musical que tem suas raízes na música latina e caribenha –, quem foi à Cidade Esportiva se esbaldou. Ontem, pelas ruas de Havana, lembrançinhas de Che Guevara e os famosos charutos cubanos dividiam espaço com milhares de camisetas com a língua vermelha estampadas. E o assunto era um só: “Rolling”, como eles chamam a banda. Já no início da tarde, milhares de cubanos começaram a chegar às 14h (15h em Brasília) ao local reservado para o show, gratuito e ao ar livre. Grupos de fãs passaram a noite em vigília perto das grades que isolavam a entrada da audiência, à espera dos primeiros acordes, que tiveram início às 22h35 (em Brasília), com Jumping Jack Flash, a mesma que abriu um dos shows em São Paulo. “Olá, Havana. Boa noite, minha gente de Cuba”, disse Jagger.

SEM ÁLCOOL
“Não pudemos ser os primeiros, mas daqui não vamos perder nenhum detalhe”, disse Swnien Morera, de 27 anos, orgulhoso dos cabelos e das unhas pintados de azul. Morera garantiu lugar perto do palco, atrás da área reservada aos convidados. “Esperamos muitas coisas novas, muitas sensações novas”, acrescentou. Um forte dispositivo de segurança foi montado para garantir a tranquilidade do show. Durante a exibição, as autoridades locais proibiram o consumo de bebidas alcoólicas, habitual nas apresentações dos Stones pelo mundo afora. Além do espaço reservado, o público pôde contrar com a estrutura de um palco de 80m de comprimento e 10 telões gigantes.

A inédita apresentação dos Rolling Stones deve selar a reconciliação de Cuba com o rock. “Com esse show, finalmente vão compreender que o rock não era a música do inimigo. As revoluções não têm que ser fechadas”, comentou para Marco Antonio Morales, professor universitário do México, de 42 anos. Morales falou sobre inimigo do rock fazendo uma alusão ao fato de os Rolling Stones serem malvistos, no início da carreira do grupo, em 1960, pelo governo de Fidel Castro, que os considerava como mais uma face da invasão do “imperialismo capitalista”.

A decisão da banda em oferecer um show milionário como este e totalmente gratuito ao povo cubano pode parecer uma simples cortesia ou até mesmo marketing, mas os Stones não precisariam disso. Com idade média de 70 anos, os britânicos Mick, Keith, Ron e Charlie já têm fama suficientemente forte para encher suas contas bancárias até a terceira geração de suas famílias. Na verdade, a banda construiu sua fama internacional graças a atitudes de desafio nos terrenos social, político e de costumes. E, provavalmente, aproveitou o momento histórico de aproximação do Ocidente com Cuba, principalmente na relação dos Estados Unidos com a ilha, para tomar a decisão.

EMBARGO E MUDANÇAS

Na semana passada, os cubanos viveram de perto outra forte emoção – muitos de forma eufórica, outros bastante ressabiados –, que foi a visita do presidente dos EUA, Barack Obama, acompanhado da família. As relações entre EUA e Cuba ficaram suspensas por meio século, desde o embargo econômico, que ainda não caiu e é a principal expectativa dos governantes. No entanto, Cuba depende do Congresso americano aprovar o fim das sanções. As aproximações entre os governos tiveram início há um ano, foram três encontros entre os dois presidentes, Obama e Raúl Castro, até ocorrer esta visita oficial.

Nos últimos três anos, Cuba viveu uma mudança radical em sua economia, com a abertura de algumas medidas. Hoje é possível vender e comprar casas e carros, abrir pequenos negócios (como restaurantes, cafeterias, salões de beleza e lojas) e trabalhar para o setor privado. O realinhamento, como batizou o governo, reaqueceu a economia, mas trouxe um dilema à grande parte da população, que tem o setor estatal como principal empregador (82%) e teme perder seus benefícios sociais. O peso conversível, usado por turistas, o famoso CUC, serve para mediar negócios privados e internacionais e equivale a US$ 1, ou 25 pesos cubanos, a moeda “dos cubanos” usada para o pagar os salários de todos do setor estatal. O que ocorre, na prática, é um “mercado negro” de CUCs, ou seja, o cubano recebe em pesos, mas para ter acesso a uma geladeira melhor ou TV, tem desembolsar em CUC. Com isso, esse cenário de possível abertura da economia fez surgir disparidades sociais, duramente combatidas pelo regime comunista. Para se ter ideia, o salário médio de Cuba não ultrapassa R$ 100. E o povo cubano está dividido. Uns querem muito a abertura econômica. Outros temem perder sua cultura, ter de aceitar a opinião de outros no seu país, como os EUA. Uma coisa, é certa: a cultura e a educação deles são muito fortes para serem soterradas por quem quer que seja. (Com agências)



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