Música Entrevista: Clarice Falcão analisa feminismo, defende Dilma e elogia Reginaldo Rossi Ex-Porta dos Fundos faz primeiro show da turnê de "Problema meu" na cidade natal, nesta sexta-feira

Por: Luiza Maia - Diario de Pernambuco

Publicado em: 17/03/2016 18:45 Atualizado em: 17/03/2016 18:54

Álbum é conduzido poe personagens femininas de perfis distintos. Foto: Lucas Bori/Divulgação
Álbum é conduzido poe personagens femininas de perfis distintos. Foto: Lucas Bori/Divulgação

Branca, moradora da Zona Sul carioca, de classe média alta e filha de pais famosos, Clarice Falcão se recusa a tomar para si o rótulo de ícone feminista, mas carrega com orgulho a bandeira da igualdade de gênero. "Ser feminista é necessário. Só não vai ser quando estiver tudo igual, a gente não ganhar menos, o aborto for legalizado, mas fico agoniada de tomar um espaço de gente que sabe mais porque estudou e viver mais. Acho complicado ocupar um lugar de ícone", pondera.

Confira o roteiro de shows no Divirta-se

A cantora, compositora e atriz recifense critica os xingamentos misóginos à presidente Dilma Rousseff durante os protestos realizados no domingo, dos quais não participou. "Eu acho que não é surpresa. O fato de a Dilma ser uma mulher no poder, só vejo como positivo, você poder dizer para a sua filha que teve uma presidente é extremamente importante. Podia ser outra, tudo bem, tranquilo, mas não coloque no fato de ela ser mulher algo negativo. Não consigo cogitar estar no mesmo protesto que o Bolsonaro. Teve convocação do PMDB, o (Geraldo) Alckmin deixou a catraca livre dos metrôs, enquanto, nos protestos pela educação, foi uma repressão tremenda. Eu jamais participaria", revela.

Nesta sexta-feira, Clarice mostra pela primeira vez ao vivo o repertório do álbum Problema meu, o segundo da carreira, três meses após deixar o Porta dos Fundos, do qual foi integrante por três anos, para se dedicar à carreira musical. Neste ano, deve estrear o filme Desculpe o transtorno, de Tomás Portella, com o ex-namorado Gregório Duvivier e Dani Calabresa, gravado no ano passado.

Antes do "Problema meu", Clarice lançou versão de "Survivor", de Destiny's Child. Foto: YouTube/Reprodução
Antes do "Problema meu", Clarice lançou versão de "Survivor", de Destiny's Child. Foto: YouTube/Reprodução
Assim como no mais bem-sucedido canal de humor na internet do país, ela dispara frases ácidas, carregadas de sarcasmo e conduzidas pelo fluxo da consciência, mas sem deixar de lado a verdade dos temas, defende. As múltiplas facetas dos relacionamentos humanos são a principal fonte de inspiração para as canções, quase todas autorais. Personagens femininas, com diferentes papéis sociais e pessoais, conduzem as letras.

Músicas de dois conterrâneos estão no repertório do disco, produzido pelo disputado Kassin, essencial para os passeios sonoros do brega ao indie, passando por uma marchinha. Do pai, o dramaturgo e diretor João Falcão, resgata Banho de piscina, do musical Eu te amo mesmo assim. "Banho de piscina era um brega desde sempre e eu amava. Eu gosto de brega e passa a coisa do bem-humorado, esbarra no Reginaldo (Rossi), Odair José. Em plena lua de mel e Saí da tua vida têm muito de verdade. O meu objetivo é fazer como eles. O sentimento é muito verdadeiro, cru, sério, mas com ironia. É um gênero que me encanta muito", elogia. Do amigo Matheus Torreão, regrava A volta do mecenas, sobre as dificuldades enfrentadas pelos artistas.


A estreia da turnê de Problema meu, na cidade natal onde morou até os 4 anos, faz Clarice lembrar a infância. "Eu fui uma criança amostrada. Fazia showzinho com escova de cabelo. Cantava Pense em mim (Leandro & Leonardo) na sala dos meus pais, obrigava todo mundo a ver. 'Clarice, por favor, chega'. Eu fazia livro, vendia para as pessoas. Quer dizer, ninguém comprava", diz, aos risos. Aos 26 anos, livre da sombra dos pais famosos e da angústia sentida no início da carreira quando ouvia críticas, ela reproduz comentários negativos na canção Clarice. "Suas letras não são chiques/ Não tem tu não tem pronome oblíquo/ Mas que mico, quem que você quer impressionar?", desconstrói, segura.

SERVIÇO

Lançamento de Problema meu, de Clarice Falcão
Quando: Sexta-feira, às 21h
Onde: Baile Perfumado (Rua Carlos Gomes, 390, Prado)
Quanto: R$ 100 e R$ 50 (meia), no segundo lote, R$ 140 e R$ 70 (meia), na hora
Informações: 3033-4747

AS PERSONAGENS

A independente - "Não sei de ninguém que me vendeu/ Por dois camelos pra você", reclama em Eu sou problema meu. O tema é retomado em Duet, em inglês, na qual comemora cantar e respirar sem o rapaz. Vagabunda vai na contramão do senso comum de disputa e propõe amizade entre a mulher e a amante, baseada em um fato real.

A com dor de cotovelo - Em Se esse bar fechar, espécie de versão feminina de Garçom, de Rossi, espera o amado há cinco horas. "O cenário do bar é fascinante. Amo Garçom, claro, é um standard. Nunca vou compreender porque marcas de cerveja só usam mulher pelada e homem vestido", diz. Em Vinheta mix, checa mensagens 20 vezes, sem resposta.

A sarcástica - Em Irônico, questiona efemeridade, superficialidade ("gosto de você como quem gosta de uma celebridade B"). Escolhi você lembra o esquete Carla, do Porta dos Fundos, estrelado por ela e Gregório: Clarice é a "Carla possível", amada na ausência da outra. Como eu vou dizer que acabou também é construída sobre a ironia.

A psicopata - Está em Banho de piscina ("eu quero ver você numa piscina de óleo fervendo") e Deve ter sido eu, de uma mulher perigosamente vingativa. "É difícil desapegar da sensação de posse, de intriga feminina, que é horrorosa. Até pensei se queria botar essa música, mas acho que é bom falar dessas coisas. Já fui essa pessoa, não posso esconder", revela.

A solitária (marta) - Inspirada em história vivida pela cantora, sobre mensagens para a tal Marta e recebidas por ela. "Porque o seu número deve ser bem parecido com o meu", conclui, enquanto alerta para problemas bancários, com "a louca da Rita" e "o coitado do Carlos". "Minha melhor amiga eu acho que era você", confessa, à desconhecida.

ENTREVISTA //CLARICE FALCÃO

Ex-namorados, Clarice e Gregório estrelam o filme "Desculpe o transtorno". Foto: Gullane/Divulgação
Ex-namorados, Clarice e Gregório estrelam o filme "Desculpe o transtorno". Foto: Gullane/Divulgação
Você é recifense. Como a música pernambucana te influencia?
Eu acho que Pernambuco é um celeiro de talentos. É uma espécie muito prolífica. Independente de ser ou não daí, você já é muito influenciado por Pernambuco. Eu acho que o que mais dá pra ver talvez seja o humor mesmo. Acho que o povo pernambucano em geral - claro, generalizar é complicado - tem senso de humor, as pessoas são muito engraçadas. Me divirto quando vou praí com as histórias. E tem lendas, sabe? Seu Lunga... É um povo que gosta muito de humor. Talvez eu tenha pegado isso. Morei muito pouco tempo aí, mas fui criada por pernambucanos. Toda a minha criação e o que aprendi de arte, vendo eles fazendo e eventualmente fazendo com eles, tem influência forte.

Em Monomania, como o nome já denunciava, as músicas carregavam proximidade. Agora, são várias personagens. Por quê?
Assim que terminei, eu sabia que Monomania tinha aquele fôlego. Aquele eu lírico tinha aquele folego daquele CD. Eu sabia que o próximo tinha que mudar o enfoque, a sonoridade. Foi uma escolha consciente de fazer Monomania minimalista, focando nas letras, tudo parecido, romântico, de certa forma. Em Macaé, realmente se acredita que é uma música de amor lindinha, até notar que é uma assassina. Foi bem consciente, até porque era o meu primeiro CD, eu estava apresentando o meu jeito de compor. Foi intenção não cobrir com uma produção, ser parecido para dar a ideia de obsessão. Também foi intencional fazer cada música em um universo em Problema meu.

Você chamou Kassin, conhecido por trabalhar vários estilos, para produzir o disco. Por quê?
Chamei Kassin já pensando nisso. Quando você olha o trabalho dele, sempre foi permeado por gêneros diferentes. É o cara que faz Los Hermanos e Buchecha. Ele tem não só o talento, mas parte do tesão está aí, na novidade, em tentar o que não tentou antes. Achei que ele fosse assim pelo currículo. Quando comecei, descobri que era mais. Quando ele recebe ligação de alguém que a princípio não iria querer trabalhar com ele, o olho brilha. Eu confio muito nele.

Você tem algum projeto não musical para este ano?
Por enquanto, não. Algumas coisas estão bem no começo. Talvez lance um filme que já gravei (Desculpe o transtorno). Em matéria de produção, não. Penso em focar no show e ver daí.

O primeiro single, Irônico, faz referência a vários momentos efêmeros da vida moderna, como vídeo no YouTube, celebridade B, alguém que já saiu do BBB. Você acha que estamos em tempos de efemeridades?
Eu acho que, de certa forma, sim. Até porque tudo se espalha muito rápido. Antigamente, aparecia alguém, as pessoas conheciam aos poucos, na rádio. Aí um dia marcava um show, mais era difícil, porque não tinha rede social. Eu acho que é um pouco isso, está mais efêmero e muitas vezes superficial mesmo. Existe uma defesa, porque está todo mundo exposto nas redes sociais. Ironia e sarcasmo são uma espécie de defesa para não se expor. São muros que a gente coloca. As coisas terminam mais superficiais.

Houve alguma intenção de quebrar a visão de garota fofa existente sobre você?
Não é uma "vou quebrar essa visão", que existe, mas eu acho que nem que me incomoda. Eu só não concordo tanto. Na real, a personagem do primeiro CD tinha algo de fofo mesmo, pelo menos externamente. Você achava que ela era fofa, mas ela era uma maluca. Como isso não se transfere muito pra minha personalidade como Clarice, é doido, porque é difícil lidar com essa imagem que fazem de mim. "Ah, ela é muito fofa". Não é, se você quer achar, tá tranquilo, não me incomodo, mas é uma pessoa que não conheço.

A volta do mecenas, do pernambucano Matheus Torreão, fala sobre a classe artística. A perspectiva para o futuro é boa?
Eu acho que é a velha faca de dois gumes. Eu vejo como positivo em geral. Antigamente, você tinha que ter uma forte panelinha. Se entrasse, estava feito. Vendia CD, a gravadora investia. Complicado hoje é que não é só porque você conseguiu chegar no reconhecimento que vai ganhar dinheiro. Tem que fazer turnê, sua a camisa. Por outro lado, tem uma coisa de você fazer uma coisa e estar na internet. Então é mais fácil chegar no povo, mostrar o que está fazendo. Eu fiz os primeiros vídeos com nada - a câmera era boa, mas podia não ser - e as pessoas viram.

Deve ter sido eu apresenta uma mulher perigosa e ciumenta. O que você acha desse sentimento de posse nos relacionamentos?
Eu acho horrível, mas é muito difícil não ter. A gente está vivendo uma certa revolução, eu vejo cada vez mais pessoas com relacionamento abertos, poliamores. É difícil desapegar da sensação de posse. E, mais do que posse, de intriga feminina mesmo, que é uma coisa horrorosa. Eu até pensei muito se queria botar essa música ou não, mas acho que é bom falar dessas cosias. Já fui essa pessoa, acho que não vale esconder. Acho que a construção passa muito por reconhecer. Também, quando compus Vagabunda, estava escrevendo a resposta.

Vagabunda vai na contramão do senso comum, propõe uma amizade entre a mulher e a amante. Como você enxerga essa possibilidade?
Essa música é até baseada numa história real que a mãe descobriu que o marido tinha outra família. Ela chegou pra mulher e falou "vamo conversar". Foram pro bar, no fim das contas tirou o cartão do marido e essa é ele que vai pagar. Logico que depois deu bronca. Foi um momento de sororidade quando não se falava muito nisso. Como é doido que a mulher é vagabunda, não importa na situação. Quando a mulher trai o cara com outro cara, ela é a vagabunda. O vagabunda está na gente, na nossa função de mulher, e não no personagem. Isso é desesperador, porque você não tem o que fazer muito. Aí eu fiquei com essa vontade mesmo de fazer música sobre isso. Tem que falar sobre isso, do recalque, mas acho que faltava falar do outro lado. É horrível ver mulheres sendo humilhadas por causa de uma questão sexual. Existe repressão específica com a mulher. A música levanta a coisa sexual da mulher. As mulheres que fazem sucesso são muito sexuais, às vezes por vontade própria, às vezes não, e depois são derrubadas por causa disso. É um jogo que não se ganha. A gente precisa desconstruir essa noção de que a sexualidade é motivo ou leva a alguma coisa. É apenas a sexualidade.

Antes do disco, você lançou versão de Survivor. Agora, tem Duet, no qual "você chega ao fim sem ele". Você já teve essa sensação?
Eu tinha um carinho especial por ela. Não componho mais em inglês. Essa música é muito antes de tudo. Tive esse momento de me apaixonar mesmo pela língua portuguesa, por dois motivos. Primeiro, porque é muito linda, muito sofisticada, difícil de trabalhar, até pela sonoridade. A gente trabalha muito com vocal, e ela deixa tudo mais destacado. Tem uma cadência mais difícil, mas por isso mesmo eu gosto. Segundo: é muito divertido brincar com uma língua da qual você tem total domínio. Falo inglês razoavelmente, a gente passa uma época adolescente ouvindo muita música estrangeira. Pensava "Só consigo compor em inglês". Em algum
momento, me apaixonei.

Você sentiu isso de "consegui sem ele", com namorado, seus pais, amigos?
Teve um momento importante que foi quando pararam de dizer que o que quer que eu fizesse seria porque meus pais eram artistas e famosos. Em algum momento, não acontecia mais há meses. Desde então, nunca mais aconteceu. Foi um momento muito especial. Isso era bem chato. Volta e meia, quando alguém menciona, volta aquele sentimento, mas peraí, eu tenho dois CDs, um público que não sabe quem são meus pais. Já vi gente dizendo "esse livro é da mãe da Clarice". Quando esse tipo de assunto vem à tona, tenho uma tranquilidade que não tinha no começo. Eu mesma duvidava de mim. Isso foi lindo, muito bom. Eu sou muito filha dos meus pais e aprendi muito com eles, feito todo mundo. O jeito que você é criado faz muito parte. Eu já sinto esse slogan quase dentro de mim. É bom quando, de repente, você encontra a própria voz.

E com Gregório, também sentiu esse alívio quando pararam de falar?
Foi ótimo, mas eu entendo. Fo um relacionamento que a gente trabalhava junto. Era muito enrolado mesmo. Mas é isso. A gente ficou junto, foi lindo e a gente terminou. E foi bom quando pararam. Mas nada que me incomodava muito. Os dois viram "acho que a gente devia dar um tempo, terminar". Foi calmo, tranquilo.

Eu sou problema meu é um recado de independência da personagem. Por que ainda é preciso repetir que não foi vendida por dois camelos?
É um assunto que me interessa muito. Eu não sou nem um pouco acadêmica, até gostaria de saber mais, porque me interessa, mas sou muito. Aqui no Brasil, a gente já tem uma situação muito difícil. Em alguns lugares, é muito pior. Sou muito fã Gulabi Gang, das mulheres que lutam com pau, de rosa chocking, contra a violência. A chefe fala uma coisa muito boa: "acho lindo que Gandhi tinha um approach da paz, mas o nosso tem que ser outro". Tem lugar que não dá espaço algum e elas conseguiram cavar um espaço, montar um grupo com uma força.

Quando você lançou a versão de Survivor (Destiny's Child), perguntei se o disco seria feminista e você disse que não, apesar de o tema perpassar o projeto. É necessário ser feminista hoje?
Eu acho que ser feminista é necessário. Só não vai ser mais necessário quando... não for necessário (risos), quando estiver tudo igual. A gente não ganhar menos, legalizar o aborto, mas fico agoniada de tomar um espaço de gente que sabe mais porque estudou e viveu mais, foi mais oprimida. Sou uma menina branca, moro na Zona Sul do Rio (de Janeiro), sou classe média alta. Acho complicado ocupar lugar de ícone. Volta e meia, as pessoas querem te colocar no lugar, porque a manchete vai ser melhor.

O que você acha dos xingamentos pessoais feito à presidente Dilma Rousseff durante os protestos?
Eu acho que não é surpresa. A gente não chegou a um ponto no qual os xingamentos à mulher não passassem pela posição de ser mulher. É muito triste. O fato de a Dilma ser uma mulher no poder, só vejo como positivo, você poder dizer para a sua filha que teve uma presidente é extremamente importante. A gente representa mais da metade da população e não tinha tido uma. Isso é muito doido. Óbvio que cada um tem a sua opinião. Podia ser outra, tudo bem, tranquilo, mas não coloque no fato de ela ser mulher algo negativo. Mas é o esperado. Surpreendente era se ninguém falasse.

Qual sua opinião sobre os protestos?
Eu acho que é complicado, por causa do tipo de gente que estava lá. Não consigo cogitar estar no mesmo protesto que o Bolsonaro. Teve convocação do PMDB, o (Geraldo) Alckmin deixou a catraca livre dos metrôs, enquanto, nos protestos pela educação, foi uma repressão tremenda. Eu jamais participaria de um protesto que eu acho estranho. Não bateu bem pra mim. Bolsonaro, Aécio tirando onda.

Banho de piscina, do teu pai, é um brega. Por que a escolha pelo gênero?
Nunca tinha sido gravada em CD. Ela já era um brega desde sempre e eu amava. Eu gosto de brega e passa a coisa do bem-humorado, esbarra no Reginaldo (Rossi), Odair José. Em plena lua de mel e Saí da tua vida têm muito de verdade. O meu objetivo é fazer como eles. O sentimento é muito verdadeiro, cru, sério, mas com ironia. É um gênero que me encanta muito.

Se esse bar fechar, apesar de ser uma balada, tem uma ligação com a letra de Garçom. Você concorda?
Eu acho que o cenário do bar é muito fascinante. Amo Garçom, claro, é um standard. Fico muito feliz com a comparação. Nunca vou conseguir compreender porque as marcas de cerveja só usam mulher pelada e homem vestido. O machismo cobre até o capitalismo desenfreado. Claro que mulher bebe cerveja também, pelo amor de deus.

Você gravou um brega, gênero associado a classes sociais mais baixas. O que acha disso?
Tem muito preconceito em tudo. É muito doido. Parece que é batendo o time: esse é meu, esse é seu. Não é só porque o Chico (Buarque, de quem é fã) usa palavras mais rebuscadas que o Reginaldo Rossi que eles não estão falando a mesma coisa. E cada um de um jeito muito próprio, pessoal. Aqui no Rio (de Janeiro), ocorre isso com o funk. Para as músicas que caem na boca do povo, que o povo gosta, automaticamente a elite torce o nariz. É muito triste, porque é uma coisa nossa, cultural, bonita e rica. Quem perde é quem tem preconceito.

Problema meu acaba com uma música que reproduz críticas ao seu trabalho, Clarice. Por quê?
Na verdade, eu comecei a fazer uma música que era uma mulher falando prum cara que não tinha gostado da serenata dele. Era Henrique. Era mais ou menos "essa serenata é uma merda". Depois, vi que era para mim mesma. Eu fiz a Henrique toda, depois uma versão Clarice e todo mundo falou que era Clarice.

Como você lida com as críticas?
No começo, tudo me incomodava muito porque era muito novo. Quando você vive a sua vida normal, cotidiana e de repente descobre que suas músicas estão famosas, é complicado. São duas pessoas. Depois, são 100, 200 falando mal de você. "Vamos conversar? Acho que vocês podem gostar de mim eventualmente. Depois, você vê que não pode mandar flores pra cada um que te odeia, ou não gosta do trabalho. O normal é que metade goste, metade não. Ou mais da metade não goste.

Por que a opção pelo simples?
Eu gosto de comunicar. Então eu acho lindo quando a gente tem que trabalhar para entender, por exemplo, músicas do Chico (Buarque, de quem é fã), que você vai
aprendendo coisas novas. Ele faz o sofisticado com simplicidade, mas eu não sei fazer isso, tendo a me comunicar de forma mais direta. Eu nunca saberia fazer isso. É uma opção quase forçada.

Quem você acha que é o seu principal público?
Jovens, em geral. Deu uma subida na faixa etária com o novo disco. Acho que é entre 16 e 26, 15 e 25. Acho que vai até 30. A gente está com vários shows em casas de show, boate, então não pode ser menor de idade.

Você queria cantar para um público mais velho?
Não tô muito aí pra isso. Fico sempre feliz quando alguém se identifica, independente da idade, do gênero. Fico feliz.

Quando sua mãe, Adriana Falcão, lançou Queria ver você feliz, sobre os pais dela, ela disse que todos na família são bastante sensíveis, passaram por crises de pânico, fazem terapia. Como você lida com isso?
Eu já fiz terapia, cheguei até a tomar remédio. É difícil. É a velha faca de dois gumes. Por um lado, fico muito feliz por trabalhar com o que trabalho, criar, me comunicar com pessoas que passam pela mesma coisa que eu. É o segredo, pelo menos pra mim. Durante muito tempo, quando eu tinha alguma coisa, uma crise depressiva ou de ansiedade, mas estava muito sozinha. A minha família entende muito, passa por isso de sensibilidade, mas era diferente. Agora, fico pensando nas músicas que fiz e nas pessoas que se identificam. Você começa a se sentir menos só. Não somos só eu e minha família…

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