Cinema Versão cinematográfica de O Escaravelho do Diabo estreia em abril Filha da autora Lúcia Machado de Almeida e seu sobrinho especialista em insetos relembram como a obra foi criada

Por: Mariana Peixoto - Estado de Minas

Publicado em: 14/03/2016 14:42 Atualizado em: 14/03/2016 14:56

O ator Thiago Rosseti interpreta o protagonista da adaptação para o cinema, dirigida por Carlo Milani. Foto: Alina Arruda/Reprodução
O ator Thiago Rosseti interpreta o protagonista da adaptação para o cinema, dirigida por Carlo Milani. Foto: Alina Arruda/Reprodução

O professor, entomólogo (especialista em insetos), escritor e dramaturgo Ângelo Machado era um estudante de medicina quando, no início da década de 1950, recebeu um telefonema noturno de sua tia, a também escritora Lúcia Machado de Almeida (1910-2005). “Ângelo, arrume para mim um besouro cujo nome seja a maneira de assassinar uma pessoa.”

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Apaixonado por insetos, foi ajudá-la. Na pesquisa, descobriu o Phanaeus ensifer, um escaravelho estranho. Seu nome significava “aquele que leva a espada”. Contando com a colaboração de um amigo, o padre Francisco Pereira, seu mentor na entomologia, foi descobrindo outros e outros. Hipophenemus toxicodendri, por exemplo, é um besouro venenoso. “Só achei o bicho, a história já estava pronta na cabeça dela”, comenta hoje Ângelo Machado. Aos 81 anos, ele se recorda da “genialidade” da tia, que bolou uma história de crime e suspense que, 63 anos mais tarde, continua sendo uma das principais narrativas infantojuvenis do Brasil.

O escaravelho do diabo foi originalmente publicado, em capítulos, pela revista O Cruzeiro (de 10 de outubro de 1953 a 26 de dezembro do mesmo ano). Na época, Lúcia já era consagrada na literatura infantil – conhecida, até então, por títulos como No fundo do mar e Viagens maravilhosas de Marco Polo.

Quase 20 anos mais tarde, a narrativa policial estrearia em livro, com o lançamento da coleção Vaga-Lume. E quatro décadas depois, a história de Alberto, que assume seu lado detetive depois que o irmão é morto após receber um misterioso pacote com um escaravelho, chega aos cinemas.

Sob a direção de Carlo Milani (diretor de programas, séries e novelas da Globo, filho do ator Francisco Milani), o filme homônimo tem estreia prevista para 14 de abril em ao menos 300 salas. O título é o mesmo, mas a história, um pouco diferente. Alberto, no livro, é um estudante de medicina (assim como Ângelo Machado). No filme, é um garoto de 13 anos, interpretado por Thiago Rosseti. A história é contemporânea, ambientada na fictícia Vale das Flores.

“Fazer um filme de época teria custo e grau de dificuldade maiores. Por conta da investigação (os alvos do assassino são sempre pessoas ruivas), a gente pode lançar mão dos gadgets, mais interessantes para essa nova geração”, comenta Milani. Aos 43 anos, o diretor também é um leitor de primeira hora da obra de Lúcia. Descobriu O escaravelho... aos 12 anos. Muito mais tarde, chegou em casa e descobriu nova edição do livro, que a filha estava lendo na escola.

FINAL DIFERENTE

Além da mudança temporal e da idade do protagonista, o filme também muda o final. “Livro e filme vão viver independentes, mas os leitores vão se identificar com o filme e vice-versa”, estima Milani. O elenco traz também Marcos Caruso, Lourenço Mutarelli e Jonas Bloch, entre outros.

Em entrevista à revista O Cruzeiro publicada em 3 de outubro de 1953, Lúcia comentou com o repórter Mário Silveira que estreava na literatura para jovens porque os filhos estavam crescendo. “E eles sempre foram meus inspiradores e colaboradores”, disse. Fernando, Patrícia e Mônica eram também os primeiros leitores dos livros da mãe.

“Ela começou a escrever porque contava histórias para a gente. Eu gostava de ouvi-la até depois que fiquei maior”, diz Patrícia, com quem Lúcia viveu até sua morte, num sítio em Indaiatuba, interior de São Paulo. A mãe aceitava sugestões dos três filhos. “Ela tinha muita imaginação. Estava sempre anotando ideias num caderninho.”



Lúcia era também perfeccionista. Assim que decidia se debruçar num universo, estudava tudo sobre ele. Estudou os peixes para No fundo do mar (seu primeiro livro) e Na região dos peixes fosforescentes. Aprofundou-se no universo dos besouros e das borboletas. E ainda no da investigação policial, conforme relatou a escritora a O Cruzeiro:

“Certa vez, achava-me em companhia de meu sobrinho Ângelo na Polícia Central, colhendo informações com o chefe do Serviço de Polícia Técnica, quando Ângelo disse alto: ‘O rapaz (um dos personagens do livro) tem de morrer instantaneamente, mas precisamos de um veneno que não deixe traços’. Mal acabava de pronunciar essas palavras, dois ‘tiras’ mal encarados, que acabavam de chegar, aproximaram-se de meu sobrinho e fizeram um sinal mal disfarçado ao chefe, como que indagando: ‘Prendemos esse’?.”

Patrícia recorda-se do encontro com Carlos Milani. “Quando ele me procurou, mamãe estava adoentada (tanto que não conheceu o diretor). Mas ficou feliz. Disse: ‘Não é o livro de que mais gosto, mas vai dar um filme bacana’”, conta Patrícia. O livro preferido de Lúcia era O caso da borboleta Atíria. Não por acaso, também está nas preferências do cineasta. “Tenho muita vontade de fazer uma animação dessa história”, diz Milani.

Vaga-Lume reedita coleção

O escaravelho do diabo inaugurou, em 1972, a coleção Vaga-Lume. Editada pela Ática, chegou a 70 títulos e formou diferentes gerações de leitores. A coleção ainda lançou novas luzes sobre autores que até então não haviam tido o devido reconhecimento – como Maria José Dupré, autora de A ilha perdida, o mais vendido da série – e deu chance a autores como Marcos Rey de entrar no universo infantojuvenil.

No ano passado, para comemorar seus 50 anos, a Ática relançou 10 títulos da coleção, com novo projeto gráfico (com capas que brilham no escuro). Além de O escaravelho... o segundo título mais vendido da coleção, outro livro de Lúcia, Spharion (que mistura fantasia e suspense), entrou nessa primeira reedição.
Os outros foram A aldeia sagrada, de Francisco Marins; Os barcos de papel, de José Maviael Monteiro; Tonico, de José Rezende Filho; O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa; A turma da Rua Quinze, de Marçal Aquino, Deu a louca no tempo, de Marcelo Duarte, e Açúcar amargo, de Luiz Puntel.

A editora prevê, para este ano e o próximo, relançamentos de outros títulos. Quem procurar O escaravelho (que está em sua 28ª edição) nas livrarias de Belo Horizonte por esses dias, não vai encontrá-lo. Por causa do lançamento do filme, o volume ganhou nova capa, que faz menção à chegada da história aos cinemas. Nova tiragem deve chegar às livrarias até o fim deste mês.

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