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CRÍTICA: Cemitério do Esplendor: notas sobre o tédio

Filme em cartaz no Recife explora vila tailandesa assolada por misteriosa doença do sono

Cena do filme Cemitério do Esplendor. Foto: Divulgação

Alternar cores e fornecer novas imagens numa mesma cena faz de Cemitério do esplendor um filme que requer um treino do olhar para que possamos perceber um elo em comum entre as vidas marcadas pela rotina e vidas patologicamente adormecidas.

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[SAIBAMAIS] A cena em que o plano das escadas rolantes, que parecem não ter fim, é sobreposto com as luzes que delimitam o quarto de enfermaria, (improvisado numa sala de uma antiga escola) no qual cerca de vinte sete ex-soldados dormem acometidos por uma espécie de doença do sono, é uma passagem - sem cortes - para mostrar como a vigília e o sono, numa sociedade marcada pela repetição, pelo cotidiano que não acaba, são duas faces de um mesmo estado de tédio. O close nos ventiladores, nas máquinas que giram sem parar no rio, mostram igualmente, o prolongamento do mesmo, do que não se altera.

Notadamente, a cena em que personagens trocam de lugares nos bancos à margem do rio também acentua a retidão de um comportamento repetidamente comum. As posições mudam sem que haja qualquer desenho do que poderia singularizar as personagens. Elas compõem apenas um quadro cujas cores obedecem o propósito de tornar imagética a opressão do cansaço que se prolonga temporalmente demasiado, quase sem fim.

As cenas longas, já presentes no belo e aclamado Tio Booenmee, acentuam a proposta de Apichatpong Weerasethakul de fazer nossos olhos serem a porta de entrada para o vazio de nossas vidas, do extremo vácuo que não conseguimos contornar. A narrativa lenta, materializada nas cenas em que há pouco movimento ou mesmo nenhum movimento, nos remonta à natureza própria do tédio que é a imersão da vida num plano de um cansaço que não tem um objeto próprio. Não é um cansaço, como diz o poeta, disto ou daquilo, nem sequer de tudo ou nada. É a existência cansada de si mesma; enfada e presente, ainda para continuar com Alvares de Azevedo, nas sutilezas das sensações inúteis.

As imagens partidas da infância, visualizadas nas cenas em que o diretor mostra os escombros e objetos da antiga escola ou mesmo naquelas em que se mostram na parede da enfermaria a transformação do quadro negro em registro de prontuário médico, acompanhadas, numa das cenas, pela narrativa de que os deuses sugam as forças dos soldados enfermos é uma forma de indicar o esvaziamento de nossas energias e pulsões.

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O agito da infância é enterrado por emoções uniformes e recordações vagas de paixões violentas por coisa nenhuma. O passado não volta na forma de uma criatura sobrenatural, como em Tio Boonmee, mas reaparece como a presentificação do cansaço antecipado e infinito diante do esgotamento da vida.

Cemitério do esplendor retrata, de modo contundente, o desestímulo crônico quando o contraste de luzes, recorrente no filme, das pequenas estruturas colocadas ao lado da cama dos enfermos, parece não alterar a atmosfera de profundo e irretocável enfado. O sono que acomete os doentes a qualquer momento (como na hora do almoço, no cinema e no parque) e em qualquer lugar é o mesmo presente nos despertos que parecem adormecidos pela patologia contemporânea do tédio; responsável por atrofiar nossos sentidos à medida que homogeneíza nosso horizonte de atuação.

(Érico Andrade é filósofo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e colaborador do Diario)

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