Cinema Pluralidade de lançamentos prova que cinema latino não se restringe a Brasil e Argentina Continente também conquistou um bom espaço nas últimas premiações de Berlim, Cannes e Roterdã, que estão entre os cinco maiores festivais da Europa

Por: Júlio Cavani - Diario de Pernambuco

Publicado em: 19/04/2016 21:00 Atualizado em: 19/04/2016 18:01


Argentino Relatos Selvagens concorreu ao Oscar em 2014. Foto: Divulgação
Argentino Relatos Selvagens concorreu ao Oscar em 2014. Foto: Divulgação

Brasil e Argentina não estão mais isolados como principais representantes da produção de cinema na América do Sul. Colômbia, Chile, Uruguai, Paraguai, Peru e Venezuela têm conquistado cada vez mais espaço nas premiações, nos festivais e nos circuitos cinematográficos internacionais. A indicação do longa-metragem colombiano O abraço da serpente ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e a conquista do Leão de Ouro pelo venezuelano Desde allá no Festival de Veneza são os dois mais marcantes recentes exemplos que demonstram o fortalecimento de uma maior diversidade sul-americana nas telas do mundo.

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O continente também conquistou um bom espaço nas últimas premiações de Berlim, Cannes e Roterdã, que estão entre os cinco maiores festivais da Europa (ao lado de Veneza e Locarno). No Oscar, até 2008, apenas Brasil e Argentina recebiam indicações (a única exceção foi o Uruguai em 1992 com Um lugar no mundo), quatro vezes cada um. O cenário começou a mudar em 2009 com a presença do peruano A teta assustada entre os finalistas. Em 2012, o Chile concorreu com No. Em 2015, O abraço da serpente representou a Colômbia. Os brasileiros, na verdade, estão fora da categoria desde 1998, quando Central do Brasil disputou, enquanto os argentinos venceram em 2009 com O segredo dos seus olhos e ainda concorreram novamente em 2014 com Relatos selvagens.

O êxito foi impulsionado por novos editais públicos de apoio à produção (como indicam os brasões e marcas de governos antes dos créditos de abertura) e também pela consolidação de parcerias com outros países. O filme paraguaio La última tierra, por exemplo, premiado em Roterdã (Holanda) e Toulouse (França), foi co-produzido com verbas do Chile, Catar e Holanda, além do próprio Paraguai.

Os exemplos podem ser apenas exceções ou coincidências se não houver uma continuidade, mas os bons resultados tendem a estimular o trabalho de novos realizadores. Cada país é um caso diferente. Segundo o crítico uruguaio Miguel Dolbrich, por exemplo, a produção cinematográfica do país atualmente enfrenta dificuldades de financiamento, apesar da qualidade dos filmes que têm sido produzidos. “2015 foi um ano de crise para o cinema do Uruguai. As poucas películas têm uma boa carreira em festivais e prêmios, mas o número de projetos está cada vez menor e o público não vai vê-las”, afirma o jornalista, que edita o site Dobcast. Segundo ele, após protestos da classe audiovisual e negociações, a situação está mais equilibrada em 2016.

Diretor de La última tierra, Pablo Lamar, por outro lado, não se vê como um caso isolado no Paraguai. “Acho que já está tendo um movimento, mas não sei se pode ser considerado ainda um contexto coletivo. Acho que tem outros que vão conseguir ter uma carreira legal, como já demonstram nos curtas. Já tem uma movimentação de uma nova geração com muita vontade”, acredita o cineasta, que entre 2010 e 2013 morou no Recife, onde trabalhou no som de filmes como Brasil S/A, O som ao redor e Permanência.

Em relação ao conteúdo, percebe-se uma tendência de quebrar estereótipos sobre os países da região, apesar de 7 Caixas ainda retratar o contrabando no Paraguai e Pelo malo enfocar os subúrbios da Venezuela. Os filmes colombianos O abraço da serpente e A terra e a sombra (vencedor de um dos principais prêmios de Cannes em 2015), por outro lado, passam longe das Farc e do narcotráfico ao ambientarem suas ações respectivamente na Floresta Amazônica do início do século 20 e em plantações de cana-de-açúcar, enquanto o boliviano Zona Sur aborda a classe média alta de La Paz e La última tierra revela as florestas paraguaias com a história intimista da despedida entre um casal de idosos.

Assim como no Brasil, os filmes, na maioria das vezes, repercutem internacionalmente mas nem sempre fazem sucesso nas bilheterias nacionais, seja por questões de hábitos culturais ou por armadilhas excludentes do mercado exibidor. A participação em festivais é uma comprovação do poder de comunicação universal das obras e um reconhecimento da qualidade delas, exibidas ao lado de produções dos mais diversos continentes. Estar em Veneza, Berlim, Roterdã, Locarno, Sundance ou Cannes, por exemplo, é ser avaliado de igual para igual junto com nomes consagrados, inclusive de Hollywood (indicados ao Oscar de Melhor Filme costumam concorrer em alguns deles). Em países como Argentina e Colômbia, entretanto, há fenômenos semelhantes ao da Globo Filmes no Brasil, com produtos de origem televisiva que levam milhões de espectadores aos cinemas, só que sem reconhecimento nos critérios artísticos mais exigentes (sobretudo no quesito da originalidade).

Um espaço importante para a difusão dos filmes sul-americanos e para o desenvolvimento de novos projetos são as mostras temáticas dedicadas especificamente ao cinema latino-americano, como os festivais de Havana (Cuba), Toulouse (França), Huelva (Espanha), Vancouver (Canadá), Chicago (EUA) e São Paulo, o Lakino de Berlim, o Imago de Paris, o Festival de Gramado e o Cine Ceará.

A região no Oscar

1962 O pagador de promessas (Brasil)
1974 La trégua (Argentina)
1984 Camila (Argentina)
1985 A história oficial (Argentina)
1992 Um lugar no mundo (Uruguai)
1995 O quatrilho (Brasil)
1997 O que é isso, companheiro? (Brasil)
1998 Tango (Argentina) e Central do Brasil (Brasil)
2001 O filho da noiva (Argentina)
2009 O segredo dos seus olhos (Argentina) e A teta
assustada
(Peru)
2012 No (Chile)
2014 Relatos Selvagens (Argentina)
2015 O abraço da serpente (Colômbia)

GUIANA, SURINAME E GUIANA FRANCESA

A produção cinematográfica dos três países do norte do continente ainda é bastante esporádica, sem exemplos recentes que tenham alcançado repercussão. A Guiana Francesa, vez por outra, vira cenário de produções da França (ou de curtas realizados em co-produção), assim como Suriname só se destacou em 1976 no Festival de Cannes com a co-produção holandesa Wan pipel, do cineasta Pim de la Parra, que em 2005 chegou a fundar uma escola de cinema em Paramaribo. No último mês de abril, no Festival de Toulouse (França), foram projetados quatro curtas-metragens resultantes de oficinas realizadas na Guiana Francesa pela organização não-governamental Chercheurs d’Autres.



PERNAMBUCO-MERCOSUL

O cinema pernambucano tem desenvolvido parcerias com outros países da América do Sul. O próximo longa-metragem de ficção de Camilo Cavalcante (A história da eternidade), por exemplo, chama-se King Kong em Asunción e será filmado na capital paraguaia. Boi neon, de Gabriel Mascaro, foi co-produzido pelo Uruguai e teve a participação de artistas uruguaios, como o montador Fernando Epstein e a atriz Abigail Pereira. Há também o exemplo do documentário Uma passagem para Mário, de Eric Laurence, que foi filmado principalmente no Chile. Ainda no documentarismo, Estradeiros, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, foi rodado entre Brasil, Argentina, Bolívia e Peru. No Recife, as programações do Cinema São Luiz e do Cinema do Museu têm sempre incluído filmes sul-americanos na programação, além de receberem festivais que abrem um bom espaço para produções latinas.



PARAGUAI

Lançado em 2012, o longa-metragem 7 Caixas, de Juan Carlos Maneglia e Tana Schembori, tornou-se um marco do cinema do Paraguai. O filme bateu o recorde de bilheterias de uma produção nacional no próprio país e fez sucesso na Argentina (em parte por causa dos imigrantes do país vizinho), além de ter entrado em cartaz comercialmente no Brasil, nos Estados Unidos, na Espanha e no México. Participou ainda do prestigiado Festival de Toronto e também concorreu ao prêmio Goya (o Oscar da Espanha), entre outras seleções internacionais. Em 2016, com prêmios em Toulouse e Roterdã, La última tierra confirmou as boas expectativas em torno do nome de Pablo Lamar, que já havia participado do Festival de Cannes com dois curtas. Também em Cannes, com Hamaca paraguaya (2005), a diretora Paz Encina já havia vencido o prêmio da crítica na mostra Un Certain Regard (“Um Certo Olhar”), a mesma que revelou para o mundo o pernambucano Cinema, aspirinas e urubus. Neste ano, ela deve lançar seu aguardado novo longa, Ejercicios de memoria, sobre um político desaparecido em 1977 durante a Operação Condor, orquestrada pelas ditaduras latino-americanas da época. Outro nome promissor é Marcelo Martinessi, que já teve dois curtas exibidos na Berlinale e se prepara para rodar o primeiro longa.



URUGUAI

É possível citar pelo menos uma dezena de nomes que têm representado o cinema uruguaio internacionalmente com respaldo, apesar da crise econômica que abalou a produção audiovisual do país nos últimos anos. Indicado ao Oscar em 1992 com Um lugar no mundo (dirigido pelo argentino Adolfo Aristarain), o Uruguai continua presente em alguns dos principais festivais graças a novos realizadores como Pablo Stoll (Whisky, 23 Watts, Hiroshima), Federico Veiroj (Uma vida útil, Acné, El apóstata), Manolo Nieto (O lugar do filho), Álvaro Brechner (Sr. Kaplan), Adrián Biniez (El 5 de talleres) e Arauco Hernández Holz (Los enemigos del dolor), além do ator César Troncoso (já atuante em novelas e filmes brasileiros), da roteirista Inés Bortagaray (premiada em Sundance) e do fotógrafo César Charlone (diretor de O banheiro do Papa e diretor de fotografia de Cidade de Deus).



COLÔMBIA

Entre 2015 e 2016, a Colômbia alcançou êxitos inéditos em premiações. Em maio do ano passado, A terra e a sombra, de César Acevedo, ganhou a Câmera de Ouro, um dos principais prêmios do Festival de Cannes (o país também concorria com Aliás Maria, de José Luis Rugeles, sobre uma jovem guerrilheira). Neste ano, O abraço da serpente, de Ciro Guerra, levou o cinema colombiano pela primeira vez à disputa do Oscar, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. No Recife, O abraço da serpente pode ser assistido no Cinema São Luiz, onde está em cartaz há mais de um mês. Em preto e branco, o filme retrata os encontros de um índio com um antropólogo alemão (em 1909) e um biólogo norte-americano (em 1940) na Floresta Amazônica, em jornadas de barco que revelam os contrastes humanos da região e a riqueza da natureza para a ciência e a espiritualidade. A produção colombiana de longas-metragens de animação também vive um bom momento, com dois representantes, Sabogal e Desterrada, na última edição do Festival de Annecy, o principal do mundo dedicado à linguagem, além da infantil Anina na programação juvenil da Berlinale. Em 2010, já havia sido lançado o longa animado Pequeñas voces, exibido em Veneza e Tribeca (Nova York).

 

BOLÍVIA

Apesar de ter alguns curta-metragistas promissores, já premiados em festivais importantes, a Bolívia ainda não consolidou um volume consistente de longas-metragens. O maior caso de sucesso é Zona Sur (2009), de Juan Carlos Valdivia, premiado em Sundance (EUA), uma comédia crítica e irônica sobre a classe média alta da capital La Paz.



EQUADOR

O cinema equatoriano ainda é tímido na produção de longas-metragens de ficção, mas a cineasta Ana Cristina Barragán tem desempenhado um importante papel para o país graças aos longas Domingo violeta e Alba, selecionados respectivamente para os festivais de Locarno e Roterdã. Já o diretor Sebastián Cordero parece seguir uma linha mais pop e dirigiu a co-produção internacional Viagem à Lua de Júpiter, além de ter chegado a negociar com Harrison Ford para rodar um projeto nunca concretizado. Há ainda Diego Araújo, que exibiu o longa Feriado na Berlinale em 2014. Também vale mencionar Fernando Cedeño, que produz filmes de ação por conta própria e faz sucesso no mercado informal de DVDs.

PERU

Em 2009, com A teta assustada, o cinema peruano foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e alcançou uma repercussão internacional que não atingia desde Pantaleão e as visitadoras (2000). No ano passado, o Peru voltou a chamar a atenção com o longa Videofilia, de Juan Daniel Molero, vencedor do troféu Tigre no Festival de Roterdã. O país ainda não consolidou um ritmo de produção consistente, mas aos poucos tem entrado no circuito internacional.


VENEZUELA

Com o venezuelano Desde allá, em 2015, a América Latina ganhou pela primeira vez um Leão de Ouro, prêmio máximo do Festival de Veneza. O filme, que retrata a tensão sexual entre um jovem adulto e um homem mais velho em um cinzento ambiente urbano de Caracas, é o primeiro longa-metragem de Lorenzo Vigas, que desenvolveu a carreira com publicidade, documentários televisivos e premiados curtas (além de ter estudado cinema em Nova York). Dois anos antes, a Venezuela chamou a atenção com Pelo malo, de Mariana Rondón, que foi bastante premiado em festivais latinos e chegou a estrear no Brasil. Nos últimos seis anos, o Recife tem tido acesso privilegiado às produções do país graças ao Festival de Cinema Venezuelano, promovido pelo consulado, que trouxe à cidade filmes como Azul y no tan rosa, de Miguel Ferrari, vencedor de um prêmio Goya (o Oscar da Espanha).



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