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Símbolo da resistência cultural nordestina, bandas de pífano lutam para manter viva a tradição

Pesquisadores e músicos unem forças na batalha para tornar as bandas de pífano patrimônio imaterial e angariar verbas para manter a tradição

Além do livro Pífanos do Sertão, produtora Página 21 coletou um vasto material audiovisual sobre o pífano. Foto: Amaro Filho/Divulgação

"Eu vi na Bíblia que esse instrumento, o pífano, é do tempo do começo do mundo, o nome era trombeta". A definição simples, porém precisa, é de José Joaquim de Araújo, o Zé do Pife, mestre pifeiro da Banda do Sítio Tigre, tradicional trio da cidade de Sertânia, no Sertão do Moxotó. Demonstra a importância de uma herança secular. Mas o pífano, ícone da cultura pernambucana, carece de resgate e valorização urgentes.

[SAIBAMAIS]Originário da Europa medieval e com ampla adaptação em terras tupiniquins, o pife brasileiro é utilizado no Nordeste em cerimônias religiosas e festejos, principalmente os juninos. Nos últimos dois anos, o instrumento tem sido alvo de pesquisa realizada pela produtora Página 21, cujo trabalho ganha amplitude por meio de publicações impressas. O projeto faz parte do esforço colocar as bandas de pífanos na lista de patrimônios imateriais do Ministério da Cultura e do Iphan, assim como ocorreu com o frevo, samba e cavalo marinho.

Depois de Pífanos do Agreste (2015), os pesquisadores lançam Pífanos do Sertão (R$ 20, 141 páginas), com um amplo mapeamento feito em 18 municípios de três microrregiões do Sertão pernambucano, Moxotó, Pajeú e Central. Foram entrevistados 35 personagens conhecidos da cultura do pífano, sendo 29 deles integrantes de bandas e 25 ainda em atividade.

Além do livro, foi coletado um vasto material audiovisual. "Assim como a primeira etapa, abordamos todo um acervo e as lacunas deste segmento cultural de Pernambuco. Há uma necessidade de reconhecimento para que a cultura secular do pífano não morra. Sem apoio do governo estadual é difícil realizar o mapeamento", pontua o pesquisador e produtor cultural Amaro Filho, um dos responsáveis pelo levantamento.

Segundo ele, a obra se propõe a reforçar a importância de ações de salvaguarda, conjunto de medidas criadas para preservar um bem cultural. O reconhecimento como patrimônio imaterial garantiria verbas para tais ações.

Originário da Europa medieval e com ampla adaptação em terras tupiniquins, o pife brasileiro é utilizado no Nordeste em cerimônias religiosas e festejos. Foto: Claudia Moraes/Divulgação

O levantamento social, econômico e cultural da presença do pífano no Sertão pernambucano mostra diferentes aspectos, a começar pela própria veia artística. No Agreste, conta Amaro, ser pifeiro é uma atividade plena, ao passo que, no Sertão, observa-se uma preocupante inatividade da cultura.

"No Sertão, há uma característica bastante peculiar ligada às novenas, uma espécie de continuidade fiel às origens religiosas, inclusive com a presença de grupos em comunidades quilombolas, nas novenas em latim. No Agreste, percebemos que existe um elo com referência mais profana, baseada nas festividades. Há uma distância maior no Sertão, com muitos grupos em locais distantes até 100 quilômetros de grandes áreas urbanas", diz Amaro.

A pesquisa detecta, ainda, como ocorre a inserção dos pifeiros na cultura. Para Amaro Filho, atualmente, o cenário não é favorável a quem sonha em fazer parte do universo pifeiro. "As bandas se apresentam no chão, com cachês miseráveis. No Sertão, a situação é ainda pior". O próximo passo do projeto é lançar uma terceira publicação, desta vez com olhar para as regiões do São Francisco, Itaparica e Araripe.

Raio-x do pífano

Instrumento

Conhecido por pife, é flauta transversal de material cilíndrico com sete furos (um para soprar e seis para dedilhar). Feito de bambu, pode ser construído em PVC, metal, galho de mamoeiro, osso ou barro. Há pifes de três tamanhos: “meia régua” (mais agudo, de 32 centímetros), “três quartos” (o mais popular, de 36 centimentros) e “régua inteira” (usado em ocasiões informais, de 38 a 40 centímetros).

Mestre pifeiro

Para ser mestre, não basta tocar bem os instrumentos. É preciso dominar as técnicas do fabrico. Em geral é autodidata, sabe as músicas de ouvido. Raramente usa partituras. É de família de pifeiros ou aprendeu a tocar na comunidade. Na foto, Seu Alexandre (esq.), de Betânia, um dos mais velhos já encontrados, morto aos 90 anos.

Junto e misturado

De acordo com o historiador Amaro Filho, há bandas de ritmos distintos lutando pelo memória do pífano. Exemplo do uso do instrumento em outros ritmos é o recém-lançado DVD da banda O Rappa, gravado na Oficina Brennand. Participam os caruaruenses João do Pife, 72, e Marcos do Pífano,55, referências no instrumento.

Pouco dinheiro

Grupos em geral são formados por profissionais de áreas como construção, marcenaria, agricultura. “Não se vive de banda de pife, a gente toca pela tradição. O povo me procura, e acho feio recusar”, diz Luiz Gonçalo, da Banda de Pífanos do Leitão da Carapuça.

Fala, pifeiro

"Muitos querem tocar o pife, mas não é fácil, não. Tem que ter tudo na memória"

Luiz Gonçalo, Banda do Pife dos Gonçalo, Custódia-PE

A coisa ficou de um jeito que só quem venera a banda de pife são os mais velhos”

Manoel Sebastião, Bandinha de Pife de Betânia, Betânia-PE

"Cada dia eu vejo que é uma tradição que vai se acabando, que está diminuindo. Mas eu prometi para o meu pai que enquanto eu tiver fôlego, eu toco"

Edvaldo Raimundo dos Santos, Banda de Pífanos da Umburanas Nossa Senhora da Conceição, Sertânia-PE"Uma novena sem uma banda de pífanos é quase um velório"

José Cesário, Banda de Pífanos Frei Damião, Tabira-PE

"Hoje, o que temos na comunidade foi feito com nossa arte. Criei meus filhos com o pife"

José Alfredo, Banda Raízes Travessão do Caroá, Carnaíba-PE

"Vamos encerrar a nossa carreira - estamos ficando velhos e fazemos um apelo para os jovens manterem a tradição"

Gabriel Joé de Brito, Banda de Pífanos Nossa Senhora de Lourdes, Solidão-PE

"No Sertão, há uma característica bastante peculiar ligada às novenas, uma espécie de continuidade fiel às origens religiosas, inclusive com a presença de grupos quilombolas"

Amaro Filho, historiador e um dos responsáveis pelo livro Pífanos do Sertão

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