Antônio Carlos Brown é, antes de tudo, um músico popular brasileiro. É isso que Carlinhos Brown reafirma - ele prefere este verbo em vez de resgatar, deixa bem claro - na nova turnê, dedicada a composições de seu primeiro álbum, Alfagamabetizado, lançado há 20 anos, e do festejado Tribalistas (2002), além de sucessos da carreira e faixas de Artefireaccua - incinerando o inferno, lançado em março.
Sob direção de Paulo Borges, Brown sobe ao palco do Teatro Guararapes, em Olinda, Região Metropolitana do Recife, neste sábado (24), às 21h, com o espetáculo Antônio Carlos Brown: um popular brasileiro. Se mistura a instrumentistas, objetos cênicos, jogos de luz. Troca de figurino (todos assinados pelo estilista João Pimenta), entra e sai de cena em meio a projeções. O palco é dele, não da percussão.
"É um espetáculo que vai além da música. Há um roteiro, houve inúmeros ensaios. É uma oportunidade de reafirmar meu trabalho como compositor, já que até bem pouco tempo, o Brasil somente entendia as minhas batidas quando relacionadas ao carnaval. Tenho uma carreira bem sedimentada na Ásia, na Europa. Mas aqui, sempre me associam ao carnaval. E o carnaval é uma força tão poderosa, que rouba a cena até dos artistas que fazem parte dele", diz o músico baiano.
Nesse sentido, a turnê tem por função ressignificar a figura de Carlinhos Brown e também seu repertório, antes dependente de intérpretes como Marisa Monte, Paralamas do Sucesso e Djavan para alcançar o grande público. Sobre os versos é lançada, a partir de Antônio Carlos Brown: um popular brasileiro, nova luz. "Quando escrevi Segue o seco, ela era um reclame nordestino, falava dessa região tão castigada pela seca. Hoje, São Paulo e outras capitais do Brasil e do mundo sofrem com a escassez de água. Quando compus A namorada, a mesma coisa: era uma brincadeira, me inspirei numa menina de quem eu gostava e que gostava de mulheres. Eu não imaginava que o casamento homoafetivo seria uma realidade no futuro. Eu escrevi sobre algumas coisas antes que elas acontecessem. Essas músicas estão mais atuais do que nunca", compara.
SERVIÇO
Quando: Sábado (24), às 21h
Onde: Teatro Guararapes (Centro de Convenções. Av. Prof. Andrade Bezerra, S/N - Salgadinho, Olinda)
Quanto: R$ 60 (balcão meia), R$ 120 (balcão inteira), R$ 70 (plateia meia), R$ 140 (plateia inteira), R$ 80 (plateia especial meia), R$ 160 (plateia especial inteira)
Informações: 3182-8000
>> ENTREVISTA: Carlinhos Brown, músico
O que motivou o resgate de seu nome de registro?
Não é bem um resgate. Prefiro dizer que é uma reafirmação. Esse é meu nome, embora menos conhecido. Eu me chamo Antônio Carlos, sim. Em homenagem a Santo Antônio. Usar esse nome para a turnê é uma forma de me reinventar. O que mais temos na música brasileira são chances para nos reinventarmos. Talvez o nome completo atraia mais atenção para as músicas que eu faço, as composições, melodias. Esse é o grande poder da música popular brasileira, uma das mais sofisticadas do mundo e, ainda assim, popular.
Pessoalmente, o que significa a escolha?
Acredito que Antônio Carlos Brown incinera esses infernos pessoais momentâneos, dos quais é necessário sair, mudar, se reinventar, se reinterpretar. Eu não sou só o Carlinhos Brown. Há uma associação muito forte da minha imagem com o carnaval. E eu adoro fazer carnaval, mas há sucessos meus que não têm relação com a festa. E preciso retomá-los. Cantar Tribalistas, por exemplo, me faz muito feliz.
Nós três nos encontramos quase todo dia, todas as semanas. Marisa, Arnaldo e eu. Mas não temos previsão de retomada. Se tivéssemos, estaríamos contrariando os próprios preceitos do movimento. A letra de Tribalismo diz que aquele era um anti-movimento, que iria se desintegrar no próximo momento. Era um projeto passageiro, nossa relação é que vai além, não tem fim. Há algumas dificuldades em resgatar os Tribalistas. Os custos para produzir um álbum como aquele são altos. E não vamos gravar de qualquer jeito, tem que ser bem feito. Quem sabe, porém, não nos reunimos no palco e façamos discos ao vivo? É uma possibilidade. Seria mais prático e mais provável isso acontecer. Temos muitas músicas juntos, parcerias. Está tudo pronto. Não descartamos esse encontro. Só não sabemos quando ele vai acontecer.
Como compositor, qual o significado dessa turnê?
Ela lança luz sobre o meu trabalho. Eu já compus muita, muita coisa. Como compositor de base, passei um tempo escrevendo par Bethânia, Marisa, Elba, Djavan, Paralamas. Isso antes de tudo o que escrevi para o movimento do axé na Bahia. Ainda assim, há um lado meu, uma bagagem, que nem mesmo os intérpretes parceiros conhecem bem. O público, menos ainda. Algumas músicas minhas revelavam coisas que ainda não eram reais, eram previsões. E o carnaval não tem nada a ver com isso. O carnaval não tem nenhuma obrigação de deixar as pessoas mais atentas, mais conscientes.
E como são recebidas as suas músicas em Pernambuco? Qual sua relação com o estado?
Eu fui ao Recife muitas vezes, com Djavan, Timbalada, Caetano, Gil. Agora, tenho a oportunidade de ir sem o carnaval. Sem a aura do carnaval. Esse é um momento muito raro. Minha relação com a cidade é a melhor possível. Sou amigo de Cêceu, filho de Alceu. E também sou amigo de Alceu. Eu ando pelo mundo calçando as sandálias de Jailson Marcos, designer pernambucano. Se meus pés têm Pernambuco como base, então esse é um lugar que eu reverencio. É uma referência para mim. Desde que criamos o axé music, nos anos 1980, encontramos também no Recife a possibilidade de nos expandir. Quando ainda nem sabíamos que estávamos inventando um novo movimento, nós já tocávamos axé no Recife. Gosto de dizer que toda rua de Olinda tem saída para a Bahia. Recife sempre acolheu a Timbalada. Salvador e o Recife são capitais irmãs. Mas o Recife ainda não me ouviu cantar o bastante.
Assim como você na Bahia, Naná era diretamente associado ao carnaval em Pernambuco, embora ele percorresse o mundo regendo orquestras com seu berimbau. Como era sua relação com ele?
Naná, o grande mestre. Corpo ausente, espírito presente. Seu último concerto foi aqui, muito próximo da minha casa. Quem trabalha com percussão tem os ouvidos muito mais apurados, privilegiados mesmo. A música percussiva é uma metamúsica, é mais forte do que qualquer outra. Naná foi um gênio, é um gênio.
Como se avalia hoje, comemorando 20 anos de carreira?
Eu tive muito tempo para compor, experimentar, criar. Hoje, posso avaliar os meus trabalhos. Tenho feito shows fechados para crianças, sabia? Eu me redescubro sempre. Comecei a participar de um programa de televisão, o The Voice, e estou amando. Quem diria? Nunca fui de divulgar meus feitos, porque acho que não há mérito em colaborar com o ser humano. Mas atuo também na área social, que é algo muito tocante. Tenho uma carreira bem sedimentada na Europa e na Ásia, mas preciso me reafirmar no Brasil. Eu tenho outra maturidade vocal.
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