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Precisamos falar sobre suicídio: série da Netflix confronta a epidemia social

Adaptação para TV é de Brian Yorkey, com produção da cantora e atriz Selena Gomez

Na série 13 reasons why, Hannah Baker comete suicídio e grava as razões em fitas cassetes. Foto: Netflix/Divulgação

Hannah Baker era uma adolescente novata em uma escola norte-americana e alvo de situações constrangedoras, provocadas por bullying, machismo e preconceito - práticas discriminatórias enraizadas na sociedade. Como todo recomeço, ela se desdobra para fazer amizades e construir relações sólidas no ambiente. Após dois anos, no entanto, as tentativas viram frustrações, a rotina se torna mais solitária e ela toma uma atitude extrema: comete suicídio. Hannah, interpretada pela estreante na televisão Katherine Langford, é a personagem principal da impactante série Os treze porquês (13 reasons why), disponibilizada a partir desta sexta-feira na Netflix e inspirada no livro homônimo de Jay Asher - publicado há dez anos, mas com conteúdo inquietantemente atual.

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No lugar de uma carta de despedida, Hannah deixa registrado, em fitas cassetes, as justificativas (os por quês) que a levaram a abreviar a própria vida. As gravações são destinadas a colegas da escola, responsáveis por atitudes que a machucaram. Em 13 episódios, a série se sustenta pelo menos sobre quatro pilares: a experiência pessoal da vítima, a reação dos envolvidos, a omissão escolar e o estado de perplexidade, desespero e inércia vivenciado pelos pais, que enfrentam um consequente e silencioso preconceito - poucas pessoas os procuram para dar apoio ou qualquer mensagem de condolências após a tragédia.

Perspectiva dos pais da adolescente é destacada na trama. Foto: Netflix/Divulgação

A reflexão proposta pela série se torna relevante diante da constatação: Hannah não é um caso isolado e que só existe na ficção. O suicídio é um problema de saúde pública, mas ainda visto como tabu social. Na Região Metropolitana do Recife, por exemplo, jovens do sexo feminino estão entre as ocorrências mais frequentes de tentativas de acabar com a própria vida, segundo estudo recente das médicas e pesquisadoras Bárbara Marcela Beringuel e Marília Teixeira de Siqueira (a última do Centro de Assistência Toxicológica de Pernambuco). O levantamento aponta que há "predominância do sexo feminino (66,9%), jovens (31,8%), de baixa escolaridade (59,2%), de cor parda (94,4%) e na condição de empregados (69,4%)".

Depressão, esquizofrenia e consumo de drogas são vetores mais frequentes. "É um erro se pensar que adolescente não têm depressão. É uma área de risco. A causa mais comum é a depressão. Ninguém se preocupa com isso, porque acha que é jovem", analisa a psiquiatra Jane Lemos, do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe). Segundo os dados mais recentes da Secretaria de Saúde de Pernambuco, 22 adolescentes se mataram em um contingente de 336 casos em um ano no estado. O assunto exige medidas urgentes de prevenção, uma recomendação da própria Organização Mundial de Saúde, que sugeriu eventos sobre suicídio para assinalar o Dia Mundial da Saúde, lembrado no dia 7 de abril.

Na ficção, Hannah acumula decepções no núcleo de convivência. O bullying fere a personagem do início ao fim do seriado. O avanço da série exemplifica os efeitos nocivos provenientes da violência e como se torna um "efeito borboleta". Logo no primeiro episódio, uma foto dela é exposta fora de contexto - uma brincadeira no escorrego vira alvo de piadas machistas entre estudantes. As pessoas começam a discriminá-la e ridicularizá-la. Em outro momento, um boato de que Hannah é homossexual começa a ser espalhado. Estupro também é outro tema que permeia o seriado.

Série retrata situações constrangedoras ocorridas em escola, mas que são banalizadas. Foto: Netflix/Divulgação

Além da experiência particular da filha, as circunstâncias enfrentadas pelos pais, vividos por Kate Walsh (Grey’s anatomy) e Brian d’Arcy James (Smash), são retratadas na obra. "O preconceito existe. Até médicos e psiquiatras temem abordar essa questão de suicídio. Alguns pais não dizem que o filho se matou", acrescenta Jane. A psiquiatra ressalta que tem havido mudança de postura nos últimos anos.

Drama nu e cru

Por ser ambientada em uma escola e ter protagonistas jovens, há quem pense que 13 reasons why, criada por Brian Yorkey e produzida pela cantora e atriz Selena Gomez, é mais uma série de adolescente. Mas basta assistir ao primeiro episódio para compreender que a limitação não cabe. A produção se distancia completamente do padrão de obras do gênero. Com um ritmo mais lento, o seriado adentra o campo psicológico à medida em que Hannah Baker narra os motivos pessoais pré-suicídio, acusa e constrange os colegas. Os “herdeiros” das fitas têm reações distintas, e é esse o sentido que a série busca. Como Hannah diz: "Talvez eu nunca saiba o porquê você fez o que você fez, mas posso te fazer entender o que senti".

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O bônus da adaptação para televisão da obra literária está justamente em imprimir os sentimentos angustiantes da estudante e das sensações provocadas em quem ouve, como Clay, personagem de Dylan Minnette, um dos únicos que não conseguem superar a perda e seguir a vida normalmente - leia-se: piadas sem graça nas aulas, festas regadas à bebida e o culto desmedido a jogadores de basquete e líderes de torcida.

Sem atenuantes, a série retrata o ensino médio de forma nua e crua e serve como uma reflexão da sociedade. Os personagens são construídos de maneira complexa. Os estereótipos de escola norte-americana estão presentes, mas com nuances e críticas mais próximas da realidade. Como sugere Clay em momento de surto e revolta com a frieza de alunos e escola: "Porque todos são muito legais até te levarem ao suicídio".

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