Entrevista
Filósofo diz que democracia só existe com participação do povo na comunicação
Pedrinho Guareschi ministra a palestra A mídia e a pós-verdade na contemporaneidade no Recife, no próximo dia 15
Por: Flora Leite
Por: Elane Gomes Silva
Publicado em: 13/03/2017 22:00 Atualizado em: 14/03/2017 13:07
Foto: UFGRS/Divulgação |
O professor Pedrinho Arcides Guareschi estará no Recife nos dias 14 e 15 próximos para participar, como convidado de bancas de defesa de mestrado e doutorado, do Programa de Pós- Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – PPGCOM/UFPE. Além da atividade acadêmica, o professor ministrará a palestra “A mídia e a pós-verdade na contemporaneidade” (ver entrevista a seguir), no dia 15 às 15h, no auditório Evaldo Coutinho, no segundo andar do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco CAC, acompanhado dos também professores doutores do PPGCOM, Alfredo Vizeu e Heitor Rocha.
Com uma vasta carreira acadêmica, Pedrinho Guareschi, natural de Colorado, Planalto médio do Norte Gaúcho, foi morar em Porto Alegre em 1965. Formado em Filosofia e Teologia, foi ordenado sacerdote em meados de 1964. Em 1965 começou a lecionar no curso de Letras na PUCRS e ao mesmo tempo fez pós-graduação em Sociologia, o que lhe conferiu o título de sociólogo. Até hoje, o professor atua como sacerdote, sempre em sintonia e articulado com os movimentos sociais. Ausentou-se por um tempo do Brasil para fazer mestrado em Psicologia Social nos Estados Unidos. Durante três meses viveu em Genebra, na Suíça, onde manteve contato com Paulo Freire, encontro que resultou no tema de sua dissertação de mestrado.
De 2001 a 2002, fez o segundo pós-doutorado na University of Cambridge, em Cambridge, Inglaterra, aprofundando questões de Psicologia Social e Comunicação. Lá, trabalhou com John B. Thompson, de quem tinha traduzido dois livros. Segundo o professor Guareschi, entre as atividades de pesquisa que mais privilegia são as que se relacionam com as questões ligadas a justiça e a cidadania. “Colaborei, por vários anos, com a Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, em Brasília. Foram experiências interessantes. Prestei meus serviços também, por sete anos, como membro efetivo do Grupo “Ética na TV”, implementando a Campanha “Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania”, do Comitê de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e, nos últimos anos, fiz parte do Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça, para a discussão e implementação da regulamentação para a Classificação Indicativa dos filmes e programas de televisão”.
Desde setembro de 1969, até março de 2009, durante 40 anos, esteve ligado, à PUCRS. Hoje é professor colaborador permanente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS e pesquisador do CNPQ (1A).
Entrevista // Pedrinho Guareschi
A palavra “pós-verdade” foi eleita a palavra do ano de 2016, de acordo com a Oxford Dictionaries, da Universidade de Oxford. O tema do seu seminário é sobre a mídia e a pós-verdade na contemporaneidade. O senhor poderia nos explicar qual o significado deste termo e qual a importância de tal conceito?
Há um detalhe interessante nessa discussão da "pós-verdade" que pretendo explorar nas discussões: a "pós-verdade", de fato, não é um substantivo. É, antes, um adjetivo. E isso é que torna a discussão complexa e interessante. A própria definição que o Oxford English Dictionary dá sugere essa interpretação. Ele a define como um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Por que o Dicionário chama o termo de adjetivo? Adjetivo é algo que a gente predica, aplica a um substantivo, a um fenômeno. Nesse sentido é bem diferente de tomar pós-verdade como um substantivo, como se não existisse mais algo por assim dizer verdadeiro. Creio que isso é relevante. O termo designa então mais um comportamento, uma atitude, uma indiferença com a realidade dos fatos. Se eles existiram ou não, não interessa. O que interessa é se eles vão estar de acordo com as preferências ou preconceitos consolidados nos leitores... Esse é um ponto fundamental. O que mais contribuiu para a sua popularização mundial foi um artigo publicado pela revista The Economist, em setembro do ano passado, cujo título era “Arte da mentira”. É um comportamento que ajuda os jornalistas e divulgadores das mídias sociais a esconder a verdade. Tanto o livro de Keyes, como o artigo da The Economist carregam, de maneira clara, fortes conotações éticas e morais negativas: o livro de Ralph Keyes tinha como sub-título Dishonesty and Deception in Contemporary Life (Desonestidade e Decepção na Vida Contemporânea). E a revista The Econimist chamou o artigo que discutia a pós-verdade de “Arte da Mentira”.
O senhor acredita que a mídia tem um papel importante nessa massificação e naturalização da pós-verdade? Como estabelecer isso, já que o termo é bastante novo e causa estranheza à sociedade?
Há aqui um problema crucial e importante: concordo com a afirmação do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que dizia que "enquanto não houver participação da população na comunicação, não há democracia num país". No que constatamos bem concretamente, temos monopólios que são os que falam e definem a realidade para a grande maioria da população. E isso está ferindo frontalmente a Constituição que diz que não pode haver oligopólios e monopólios. Isso impossibilita uma democracia em nossa sociedade. Essa é uma questão fundamental que está na base de toda a discussão sobre qualquer tema de comunicação, inclusive esse da pós-verdade. É preciso ter isso em mente. O que se pode fazer são "consertos", mas o mal fundamental continua.
Atualmente presenciamos um momento político mais voltado para o lado conservador, não só aqui no Brasil, mas em vários outros países pelo mundo. A mídia, mais expressamente os meios de comunicação de massa, assume um papel bastante importante nessa dianteira de informações que chega à população. Como o senhor percebe a postura dos veículos de comunicação brasileiros nesse momento de reconfiguração do sistema político?
Os próprios jornalistas não têm a liberdade de serem verdadeiramente jornalistas; são empregados de um patrão. E esse patrão dá as cartas. Então vemos que a grande mídia representante legítima da casa grande, é a que verdadeiramente manda no Brasil. A luta que travamos, por isso mesmo, eu a situo dentro do campo da tomada de consciência e da educação, como comento nas duas perguntas a seguir.
Os próprios jornalistas não têm a liberdade de serem verdadeiramente jornalistas; são empregados de um patrão. E esse patrão dá as cartas. Então vemos que a grande mídia representante legítima da casa grande, é a que verdadeiramente manda no Brasil. A luta que travamos, por isso mesmo, eu a situo dentro do campo da tomada de consciência e da educação, como comento nas duas perguntas a seguir.
Os seus dois livros atuais são voltados para a linha de educação e cidadania e também de direitos humanos. O senhor acredita que seja necessário educar para consumir os produtos midiáticos atuais, para criar-se assim uma geração que tem consciência do que e como é produzido, no que diz respeito à informação e ao entretenimento? E por fim, como educar as diferentes gerações, no que diz respeito a este assunto?
A partir dessa constatação, gostaria de refletir sobre as circunstâncias que puderam levar a tais comportamentos e, enquanto for possível, ao desenvolvimento de atitudes e práticas que possam levar à modificação de tais condutas e comportamentos, à criação de uma consciência crítica e reflexiva, condição indispensável para a liberdade e de iluminações que nos possam aproximar da compreensão mais aprofundada dos fenômenos. Há inúmeras circunstâncias que devem ser levadas em consideração nessa educação: O que Bauman chama de "fragmentação das relações": a recusa e a dificuldade em fazer com que as pessoas pensem, reflitam: é bem mais fácil clicar superficialmente e não aprofundar nada; a falta de tempo para refletir: o “sequestro do tempo”; um certo midiático que nos aprisiona por todos os lados; a impossibilidade de controlar as mídias sociais e a consequente irresponsabilidade dos que a usam.
Concluindo: o fenômeno da pós-verdade é ainda misterioso e difuso. Faz parte de todo um contexto. Tem a ver com as mídias sociais, com o domínio da Grande Mídia, mas também de certo comportamento e atitude - a indiferença - diante do que se nos oferece. Ela é resultado, em parte, das circunstâncias midiáticas e está sendo usada para reproduzir e manter relações de controle, manipulação e dominação.
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