Música
Talento de produtores do brega faz gigante do funk abrir filial no Recife
DG e Batidão Stronda vão comandar as produções do braço da GR6 na capital pernambucana
Por: Emannuel Bento
Publicado em: 28/07/2018 10:39 | Atualizado em: 24/05/2020 18:29
Produtores no estúdio do Batidão Stronda, localizado no Ibura. (Foto: Marlon Diego/Esp. DP) |
Se a música pop global encontrou nos ritmos latinos uma nova tendência, são nas batidas nordestinas que o funk brasileiro está localizando sua atual renovação. A GR6 Eventos, uma das principais produtoras de funk de São Paulo, vai expandir negócios para a capital pernambucana. Embora ainda mantenha os detalhes em sigilo, a empresa já admite que ideia é convocar artistas do brega-funk local e os divulgar nas plataformas consolidadas da gravadora - são 15 milhões de inscritos e 6 bilhões de visualizações apenas no YouTube.
O motivo do interesse no Recife é consequência do sucesso de MCs como Loma e Bruninho - esse último foi contratado pela GR6 em abril. Embora os cantores recebam os holofotes da imprensa e a paixão do público, existem dois nomes de bastidores que são peças vitais nesse processo de nacionalização do ritmo: os produtores musicais DG e Batidão Stronda.
Recentemente, eles fecharam contratos exclusivos com a GR6 e estão passando um período em São Paulo para produzir músicas de diversos funkeiros de renome. Em breve, serão os principais produtores da filial na capital pernambucana. Ambos possuem histórias similares. Começaram a atuar na área por vontade própria, sem cursos ou recursos financeiros, mas acabaram criando sucessos de repercussão nacional.
GIOVANE HENRIQUE, O DG
"E aê, DG, escama só de peixe". O bordão eternizado por MC Loma foi uma das sentenças mais repetidas entre os foliões do carnaval de 2018. Muitos, no entanto, nunca se perguntaram quem seria "DG". Seu nome de batismo é Giovane Henrique Freire de Lira, um jovem 23 anos que cresceu em Pontezinha, bairro do município do Cabo de Santo Agostinho.
Ele começou a produzir ainda na adolescência, quando passou a frequentar a lan house de um tio. Enquanto os colegas jogavam games como Grand Theft Auto (GTA) ou Counter-Strike, Giovane tentava entender softwares de edição musical. Mais tarde, largou o emprego de técnico de telefonia móvel e comprou seus primeiros equipamentos: placa de audio, teclado controlador e microfone condensador. "Na época, minha mãe perguntou 'qual tipo de música você vai fazer?'. Eu respondi: 'brega'. Ninguém me apoiou. Ninguém via futuro no brega".
Foto: Marlon Diego/Esp. DP |
Em suas primeiras produções, DG não cobrava nada pelo serviço. O primeiro sucesso veio com Passinho do Guery, gravada pelos MCs Tocha, Danilo Bolado e Japão - um êxito abriu portas para vários outros, a exemplo de Pode balançar, do Troia. O cabense já era conceituado na cena do brega quando ouviu falar de MC Loma e as Gêmeas Lacração. "Uma amiga minha que conhecia as meninas me procurou e perguntou quanto custaria uma gravação para elas. No entanto, elas não tinham condições de pagar R$ 250. Deus tocou no meu coração e me pediu para ajudar. Liguei e disse que não ia cobrar nada".
Em 19 de janeiro, Paloma, Mirella e Mariely foram para o estúdio, localizado em Pontezinha, e mostraram a composição de Envolvimento. Chegaram lá às 15h e saíram de 21h. "No outro dia, o clipe já estava na internet. Em dois dias, já tinha 200 mil acessos. Foi muito gratificante ver meu trabalho sendo reconhecido", diz DG, que passou a receber ligações de artistas de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Manaus.
Não demorou para que Loma e as gêmeas fossem convidadas para integrar uma grande produtora de funk de São Paulo: a Start Music. "A GR6 chegou a me procurar na época, mas não deu certo porque elas já tinham fechado com a Start. Fiquei nessa de 'um dia Deus proverá'".
GUILHERME DA SILVA, O BATIDÃO STRONDA
Foto: Marlon Diego/Esp. DP |
Foi na sua casa no Ibura, periferia da Zona Sul do Recife, que Guilherme da Silva Alves construiu um estúdio em um cômodo compacto, que comporta até cinco pessoas. O jovem de 20 anos só precisou de um computador comum e um teclado relativamente antigo para produzir praticamente todos os sucessos do MC Elvis. Ao lado do cantor, o Batidão Stronda (como assina nas músicas) difundiu em Pernambuco uma vertente do brega chamada de "batidão romântico".
"Eu passava o dia todo no PC, vendo aulas de masterização, mixagem e teclado no YouTube. Fui mexendo nos programas e assim me aprofundei. Minha mãe achava estranho". Com 15 anos, ele começou a produzir para amigos de escola que se tornaram MCs: Fleshinho e Kelvin.
"No começo, eu fazia funk. Tudo era publicado no 4Shared [site de compartilhamento de arquivos] e no Orkut. Depois, vimos que o funk não estava dando futuro e corremos para o brega. Nessa mesma época, o YouTube 'explodiu' e os clientes começaram a chegar", explica o jovem, que ficou conhecido após produzir Festa na Árvore, do MC Barão.
"Eu passava o dia todo no PC, vendo aulas de masterização, mixagem e teclado no YouTube. Fui mexendo nos programas e assim me aprofundei. Minha mãe achava estranho". Com 15 anos, ele começou a produzir para amigos de escola que se tornaram MCs: Fleshinho e Kelvin.
"No começo, eu fazia funk. Tudo era publicado no 4Shared [site de compartilhamento de arquivos] e no Orkut. Depois, vimos que o funk não estava dando futuro e corremos para o brega. Nessa mesma época, o YouTube 'explodiu' e os clientes começaram a chegar", explica o jovem, que ficou conhecido após produzir Festa na Árvore, do MC Barão.
Foto: Marlon Diego/Esp. DP |
Para idealizar o batidão romântico, Guilherme se inspirou no batidão de João pessoa (ritmo que une batidas do reggae com brega e swingueira), um gênero "ensolarado" da Paraíba e que tem Aldair Playboy (Amor falso) como maior representante. "Misturamos esse estilo com o brega-funk do Recife e deu nesse ritmo envolvente que todo mundo gosta, independente de classe social”.
Foi justamente esse apelo comercial e a ausência de letras de cunho sexual que fez o empresário Thyago Ramos, da TR Produções, escolher Batidão para criar uma música para o MC Bruninho, uma criança de 11 anos. O resultado foi Jogo do amor. "Eles chegaram aqui de 20h, começamos às 23h e tudo acabou por volta das 1h. Dentro de dias, Jogo do amor já era a nova sensação do brega. Nem eu acreditei”, admite.
Foi graças ao sucesso de Bruninho que Guilherme foi procurado pela GR6, que enxergou em Bruninho a sua chance de ter um fenômeno como MC Loma. Simultaneamente, a produtora também decidiu convidar DG. Assim, adquiriu a dupla de referência no atual cenário brega para competir com a Start Music, que até então não conta com pernambucanos no time da produção. "A GR6 quer os originais. Essa é a diferença", opina DG.
Confira: 'A música está mudando a minha vida', diz MC Bruninho
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A FASE NA GR6
Comandada pelo empresário Rodrigo Inácio, a GR6 Eventos começou suas atividades investindo em pagode, ainda em 2004. Com a ascensão do funk, centrou fogo no ritmo e hoje é responsável por 40 MCs, com destaque para Livinho (Cheia de marra), Don Juan (Amar amei) e G15 (Deu onda). Além de gerenciar artistas e produzir eventos, a empresa criou sua própria escola de música, ministrando aulas de canto e produção.
"Um sonho", diz Batidão, ao tentar encontrar uma palavra para definir como se sente por integrar o time criativo da empresa paulista. "Apesar disso, não é fácil construir uma história no Recife e, após anos, ter que mudar tudo. Em Pernambuco, entravam umas cinco pessoas no estúdio. Hoje sentimos falta desse movimento, pois trabalhamos mais isolados". Ele admite, no entanto, que a mudança temporária é por uma boa causa: levantar a bandeira do brega-funk no Sudeste e quebrar inúmeros preconceitos.
"Existe um real interesse da GR6 no brega", explica DG. "Esse ritmo mais harmônico, com instrumentos como baixo e guitarra, causou um impacto no funk paulista. O que querem fazer é uma troca: pegar os MCs do Nordeste e levar pro Sul, e vice-versa. Os primeiros passos já estão sendo dados. Estamos trabalhando para que nosso brega-funk se torne um ritmo nacional. Seria como uma realização, um sonho", conclui o cabense.
CONCORRENTE TAMBÉM ESTÁ DE OLHO NO RECIFE
A Start Music, gravadora paulista responsável por MC Loma, também tem investido pesado no potencial do brega-funk. Em abril, a marca convidou MC Elvis para seu time artístico. Além disso, os produtores da empresa (Will O Cria, Kelvinho, Gege e Torricelli) estão introduzindo a estética do brega-funk em músicas de artistas da casa, a exemplo de MC WM, Jerry Smith, Os Cretinos e MC Jhey.
Em 3 de agosto, Jerry Smith (principal nome da gravadora) fará sua primeira apresentação no Recife. O show será no Rose Beltrão, na Zona Norte, e o funkeiro cumprirá uma agenda de imprensa relativamente extensa para conquistar o público pernambucano, potencializando o atual "intercâmbio musical" entre cenas periféricas separadas por mais de dois mil quilômetros de distância.
Em 3 de agosto, Jerry Smith (principal nome da gravadora) fará sua primeira apresentação no Recife. O show será no Rose Beltrão, na Zona Norte, e o funkeiro cumprirá uma agenda de imprensa relativamente extensa para conquistar o público pernambucano, potencializando o atual "intercâmbio musical" entre cenas periféricas separadas por mais de dois mil quilômetros de distância.
A VISÃO DO VETERANO
Dany Bala é a maior referência na produção de brega-funk. ( Foto: Facebook/Reprodução) |
Daniel Joaquim da Silva, o Dany Bala, é um dos principais produtores do brega-funk recifense. Acompanhou o movimento desde os primórdios e produziu diversos sucessos que ajudaram a firmar o gênero em Pernambuco, como Posição da rã (Metal e Cego), Beijo de tabela (Sheldon e Boco) e Revoltada (Dadá Boladão).
Diante de um cenário em que alguns produtores de São Paulo estão tentando reproduzir o ritmo, ele opina que "o resultado não está saindo como deveria".
"Quando fazemos brega-funk no Recife, usamos muitas coisas que exigem um certo conhecimento musical e harmônico, como baixo e guitarra. Trabalhamos com notas, usamos piano, além de sintetizadores. Muitos produtores do funk de São Paulo não sabem mexer com esses elementos pois são DJs, estão mais ligados aos beats”, diz o multi-instrumentista, que atende em um estúdio no bairro de Cajueiro, na Zona Norte.
Para Bala, esse diferencial dos recifenses explica o interesse das gravadoras paulistas na cidade. "É uma coisa até meio cultural de Pernambuco, assim como também sabemos fazer um caboclinho. Os caras de Recife cresceram ouvindo o brega daqui. Eles dançam aquilo no cotidiano, estudam aquilo". O músico ainda revela que chegou a ser convidado pela GR6, mas a proposta não lhe interessou na época. "Não vai mudar tanto minha vida no momento. Eu não quero só um selo. Faço uma gravação por R$ 300 e já tenho tudo o que preciso aqui no Recife".
Confira a reportagem completa em vídeo:
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