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Entenda o Passinho dos Malokas, fenômeno que está renovando o brega-funk
O que parece uma simples diversão de jovens é, na verdade, um movimento cultural que está desenvolvendo novos grupos de dança, MCs, influenciadores digitais e produtores musicais
Quem circula pelas ruas da Região Metropolitana do Recife, sobretudo nas periferias, já deve ter notado grupos de jovens uniformizados que dançam coreografias ao som de sucessos do brega-funk. O que parece uma diversão efêmera juvenil é, na verdade, um movimento cultural periférico que está causando uma revolução na cena desse ritmo. O "passinho dos malokas" - como o fenômeno está sendo chamado - está estimulando o êxito de novos grupos de dança, MCs, influenciadores digitais, eventos, produtores musicais e audiovisuais. É um episódio que confirma a relevância do gênero musical no ano em que ele completa dez anos de existência.
O termo "passinho" começou a ser usado nas favelas do Rio de Janeiro, berço do funk e a fonte de referência para os artistas do brega-funk local. Nos morros cariocas, a dança consiste em movimentos rápidos com as pernas e o quadril. Ganhou grande visibilidade na mídia nacional, foi considerado Patrimônio Cultura do Rio e chegou a ser apresentado na abertura das Olimpíadas em 2016 e no show de Beyoncé durante o Rock In Rio de 2013.
Agora, recifenses incorporam essa dança com inúmeras diferenciações. Ao invés das pernas, os malokas (gíria para "maloqueiro", "meninos da periferia") apostam em coreografias que movimentam os braços e a região da virilha, simulando movimentos sexuais e mesclando conotação erótica com irreverência. Sarrada, puxada, laço e ombrinho são os nomes dos principais movimentos. Os elementos são herdados do street dance, do funk e da swingueira - assim como já fazem os dançarinos tradicionais do brega-funk.
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É um tipo de coreografia que (assim como no Rio de Janeiro) nos remete ao kuduru da Angola, reforçando o brega-funk como uma identidade cultural proveniente da diáspora africana, um resultado híbrido da música eletrônica negra norte-americana e ritmos do subúrbio recifense.
Assim como outras manifestações da periferia, os integrantes da cena não sabem ao certo apontar quem foi o responsável por "iniciar" esse fenômeno. No entanto, todos convergem para uma música que despontou a sensação: Gera bactéria, de Shevchenko e Elloco, lançada em agosto de 2018 (4 milhões de acessos). A dupla de veteranos no brega-funk, bastante respeitada no meio, iniciou a tendência ao colocar dançarinos do passinho em um clipe dirigido por Victor Matheus, da Maker Filmes. "Esse passinho é novo e nasceu na favela / Nós manda embrazado, lá dentro do brega", diz um dos trechos da letra.
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O VIRAL
A consolidação veio com o grupo Magnatas do Passinho S.A (sigla para o bairro Santo Amaro), que alcançou a fama na internet ao gravar um vídeo dançando Barulho da kikada, dos novatos MC Niago e Seltinho - este último é um dos integrantes do Magnata. O vídeo publicado no canal Mr. Allemão, que está ficando conhecido por agregar filmagens de grupos do passinho, acumulou cerca de 13 milhões de visualizações e fez a dupla de MCs gravar um clipe com o grupo de dança. A coreografia, marcada por uma tapinha no rosto, se tornou um viral nas redes, sendo reproduzida por inúmeros canais de dança e entrando para o repertório de cantores de forró, como Wesley Safadão, Solange Almeida e Gabriel Diniz.
O sucesso do vídeo de Barulho da kikada fez os Magnatas do Passinho S.A ganharem o apelido de "mão de ouro". "Atualmente, toda música que dançamos faz sucesso. Estamos sendo considerados os mais estourados do meio", explica Artur Borges, 26, o mais velho dos integrantes - Roberto Felipe, 15, Sérgio Roberto, 15, Maurício da Silva, 17, Eduardo da Silva, 18, e Kelvyn Guimarães, 20, completam o time. "A gente assistia vídeos dos malokas de São Paulo dançando na internet. Sempre andamos juntos, então decidimos dançar esses brega-funks. Trabalhamos os passos sempre de acordo com batidas e refrões", explica.
Em outubro, os Magnatas organizaram o que ficou como conhecido como o 1º Encontro do Passinho dos Malokas, no Parque 13 de Maio, Centro do Recife. Desde então, outras equipes passaram a organizar esse tipo de evento. Dançarinos e jovens ocupam espaços públicos da cidade para dançar, fazer amizades e realizar algumas disputas informais - um fenômeno que lembra os rolezinhos, populares no início dessa década.
Ozz Malokas do Recife (Ibura), Os Loucos do Passinho (Pascoal), Os Moleques da Base (Pascoal), As do Passinho (feminino, de Santo Amaro), As Passinho do Coque (feminino, do Coque) são alguns dos outros grupos de destaque. Os membros usam uniformes - são regatas com estampas, que lembram as vestimentas das torcidas organizadas.
Eventos recentes que ganharam a imprensa local foram os de Vytor Senna, no Parque 13 de Maio (6 de janeiro), e de Maria Clara (do grupo As do Passinho), no Bairro do Recife, em 8 de janeiro. O primeiro acabou gerando confusões como brigas e arrastões. Já o segundo foi tranquilo, mas também marcado pela presença massiva da polícia (42 oficiais), com abordagens, revistas nos jovens e três ocorrências. "Esse tipo de coisa acontece porque qualquer um pode chegar e sempre tem gente que vai querer vandalizar. Ainda não temos uma organização de verdade ou produtores envolvidos. O movimento ainda precisa se profissionalizar mais", ressalta Artur.
De acordo com ele, o Magnatas do Passinho S.A agora tem duas metas: se apresentar no Olinda Beer deste ano - repetindo a façanha de MC Loma em 2018 - e iniciar aulões para ensinar o passinho ao público. "Nosso sonho é que os políticos olhassem para o movimento para que pudéssemos promover disputas organizadas, com júri e sem vândalos. Assim as comunidades podem dançar juntas. Antes existiam muitas rixas entre nós. Agora queremos todo mundo em prol dos seguintes objetivos: dança e amizade".
O BATIDÃO DOS MALOKAS
MC Niago e Seltinho, do Barulho da kikada, também estão desfrutando do sucesso. No último mês, os meninos conseguiram produzir um clipe com o apoio financeiro do empresário paulista Renato Augusto Santos, que já sinalizou interesse em alavancar a carreira da dupla no Sudeste. O entusiasmo de paulistas pelo brega-funk dá continuidade a um fenômeno que vem ocorrendo desde MC Loma e as Gêmeas Lacração, donas do hit do carnaval do ano passado, e MC Bruninho, do batidão romântico.
"Já tínhamos gravado outras músicas antes, mas nunca conseguiu evidenciar”, explica Niago. "Quando o sucesso chegou, foi uma coisa que realmente não esperávamos. Conseguimos graças ao passinho. Está todo mundo falando que Barulho da kikada será o hit do carnaval e sinto que pode ser possível", diz o jovem de 19 anos, que revela estar gravando uma "segunda parte" da canção de sucesso.
Outros MCs também estão "surfando" na onda do passinho: Vitinho Polêmico (Disso que elas gostam), MC Princy (Posso te empurrar), Robinho Destaky e Fernando Problema (Toma tréu) e MC Abalo (Várias posições) são os principais exemplos. Todos eles são jovens no cenário do brega, comprovando que o passinho deu oportunidade a uma nova leva artistas que está sendo chamada de "segunda divisão do brega-funk".
"O brega está se atualizando com os passinhos. É uma coisa importante para qualquer movimento musical, ainda mais pelo nosso por estar ganhando visibilidade lá fora. Espero que o passinho seja reconhecido como uma nova dança da cultura pernambucana daqui há alguns anos", diz Vitinho Polêmico, jovem de 18 anos que tem realizado cerca de 40 shows por mês.
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Essa "atualização" parte do seguinte ocorrido: os principais produtores musicais do brega-funk (Danny Bala, Batidão Stronda e DG) foram para São Paulo trabalhar com gigantes de funk paulista (as produtoras GR6 e Start Music), dando espaço para novos nomes da produção como DJ Barca, JS e Marley no Beat. É possível dizer que o trio está ditando as novas tendências do que está sendo chamado de "batidão dos malokas". Essa vertente é marcada por batidas eletrônicas agudas, metálicas e velozes, responsáveis por evocar movimentos frenéticos da virilha.
"As batidas estão muito mais rápidas do que no começo do brega-funk, lá atrás. Chegamos a usar velocidades em 165 e 170 BPMs", explica Marley no Beat, que recebe cerca de 12 MCs por semana em seu estúdio no Alto de Santa Isabel, Zona Norte.
Vitinho Polêmico conta que outra característica dessa nova geração é o uso das "acapelas". "Pegamos as vozes de MCs do Rio de Janeiro ou São Paulo, cortamos algumas partes e fazemos como se fosse um remix. Isso é acapela. Alguns MCs disponibilizam os áudios, outros não", explica ele, que usou a voz do carioca Luizinho em Disso que elas gostam.
Nos bastidores, a expectativa geral é que o passinho cresça, ganhe mais espaço na mídia e que suas músicas sejam bastante tocadas no carnaval, assim como foi Envolvimento, de MC Loma. Se nos anos 2000 o axé dominou as novidades desse período festivo, um outro gênero musical parece ter chegado para inflamar os foliões. O maior desafio agora talvez seja encontrar espaços para a realização de eventos com maior organização, sem vandalismo ou riscos de truculência policial.