Dick Cheney é considerado o vice mais poderoso da história, tendo sido um dos arquitetos da guerra contra o Iraque e da criação da prisão na base de Guantánamo. Mas Vice se propõe ir além da biografia. Adam Mckay, responsável pelo roteiro e direção, já disse em entrevistas que a história é também sobre o do Partido Republicano no país. O filme, que estreia nesta quinta-feira (31) nos cinemas brasileiros, está indicado em oito categorias do Oscar, incluindo melhor filme e ator - o genial Christian Bale divide o favoritismo pela estatueta com Rami Malek, de Bohemian Rhapsody.
Em um misto de biografia, drama e tons de sátira, o longa conta a vida de Cheney, desde a juventude errática e alcoólatra até a chegada a Washington e sua iniciação na Casa Branca, durante o governo Nixon. Quando chega a vez de George W. Bush disputar a presidência dos EUA, Cheney é convidado para assumir a vice, um cargo que até então desprezava pela insignificância. Mas, diante de um Bush despreparado, ele estabelece suas regras. Aceita o posto desde que não seja um vice decorativo.
Cheney, então, passa a ser responsável pelo aumento do poder do Executivo, pela política externa, as forças armadas e molda parte importante do governo de Bush filho (interpretado por Sam Rockwell) especialmente após os ataques de 11 de setembro. De acordo com o filme, Cheney teria assumido papel protagonista em uma situação de urgência bem acima da capacidade de reação de Bush Jr. Teria sido o vice, então, o promotor da implacável caçada à Al-Qaeda e ao seu líder máximo, Osama Bin Laden (que seria encontrado e morto apenas no governo Obama). Teria saído de Cheney a ideia da invasão do Iraque e a deposição (e depois execução) de Saddam Hussein, a pretexto da existência de armas de destruição em massa. Como se sabe, essas armas jamais seriam encontradas. Mas, então, a invasão do Iraque, riquíssimo em petróleo, já era fato consumado.
O Cheney do filme, assim como os relatos sobre o da vida real, é uma figura sombria (Bale já agradeceu a “Satã” pela inspiração), cujos interesses na Guerra do Iraque se confundem com o da empresa que dirigiu e que lhe rendeu cifras milionárias: a petrolífera americana Halliburton. O motor que impulsiona Cheney é a esposa - papel de Amy Adams. Nas telas, Cheney aparece menos apegado a uma ideologia e mais à sede pelo poder. O diretor do filme foi criticado nos EUA por subestimar a força de crenças do ex-vice presidente, como a na supremacia dos EUA. Vice é parte de um esforço de pesquisa sobre os poucos registros deixados por Cheney, que ainda está vivo (tem 78 anos), mas foge de entrevistas. “Nós fizemos o nosso melhor”, avisa o longa logo no início, deixando claro que há ficção.
Sobre o enredo, não há dúvida de que Adam McKay consegue traçar a biografia de Cheney de forma crítica, mas ao concentrar todo o poder no então vice-presidente, reduz Washington a um só personagem e retira a complexidade comum às decisões políticas. Ao público já crítico aos republicanos, a história vai bem. Aos demais, o diretor manda um recado na última cena - não se levante antes do final.
PODER
A certa altura do filme, a esposa, Lynne Cheney, proclama: “Se você tem algum poder, alguém vai tentar tirá-lo de você. Esta é a única verdade.” Num ponto ela está certa: a coisa toda gira em torno do poder. Poder, poder e poder. Lynne fala com propriedade, pois está casada e profundamente envolvida com um homem que só pensou nisso a vida toda.
Cheney é retratado de forma brilhante por Bale, da juventude à maturidade. O vice se aproximou do Partido Republicano ao pressentir que havia ali uma oportunidade de ascensão social. Inocente e novato, foi discípulo de um grande mestre, Donald Rumsfeld (Steve Carell), astuto como um Maquiavel do Novo Mundo, e sem resquício do refinamento e dos raros escrúpulos morais do mestre florentino, autor de O Príncipe.
A estratégia de McKay em Vice consiste em nos jogar num universo dúbio, em que a farsa é vizinha da realidade e com ela se confunde. Rimos com o personagem, mas sentimos que esta é uma graça amarga, pois reage às artes da manipulação política quando levadas ao seu ápice. Em síntese, rimos para não chorar.
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