Anitta iniciou um novo momento na música pop brasileira quando despontou com Show das poderosas, em 2013. Aquela sonoridade que negociava o funk carioca com o pop mundial criou uma fórmula para vários hits nos anos seguintes, guiando os álbuns Ritmo perfeito (2014) e Bang (2015). A jovem do subúrbio carioca mostrou que é possível fazer pop no Brasil com clipes bem produzidos e performances coreografadas. Seu impacto na cultura de massa ajudou a desenvolver novos moldes mercadológicos e estéticos para outros artistas nacionais.
Agora, a fórmula da cantora demonstra sinais de desgaste em detrimento de um projeto de “internacionalização” iniciado em 2017. Na última sexta-feira, ela lançou o álbum KISSES, o quarto da carreira e o primeiro com total enfoque no mercado estrangeiro, com canções em espanhol, inglês e português. É um trabalho ambicioso, com um clipe para cada canção - seguindo a tendência do “álbum visual” iniciada por Beyoncé em 2014. A produção contou com um grande time de produtores e compositores, além de 11 colaborações, com destaque para os norte-americanos Snoop Dogg e Becky G e o brasileiro Caetano Veloso.
Essa produção de orçamento astronômico, no entanto, não consegue disfarçar que o álbum é um compilado de canções genéricas, pouco cativantes e sem coesão. É uma reafirmação do que vem ocorrendo com Anitta desde o fim do projeto Checkmate, em janeiro de 2018. A cantora deixou os álbuns de lado, lançando várias parcerias nacionais para não perder evidência no Brasil (como Terremoto, com Kevinho, e Favela chegou, com Ludmilla), ao mesmo tempo em que apostou em singles esporádicos do reggaeton, visando o mercado latino (Medicina e Veneno). Estratégia entendível para o consumo via streaming, em que a lógica do álbum não é mais uma regra.
Em KISSES, é como se todos esses singles aleatórios viessem empacotados num único projeto, soando como um conjunto de tentativas apelativas e confusas. Banana, parceria com Becky G e uma das grandes apostas, é até divertida para as pistas de dança, mas parece uma produção qualquer de alguma diva norte-americana no início dos anos 2010. O clipe tem sensualidade plastificada, no estilo de Nicki Minaj.
Onda diferente, com Ludmilla, Snoop Dogg e Papatinho, é um funk simplório. “A noite está cada vez melhor / As minhas pernas já, já vão dar um nó”, diz os primeiros segundos desarmônicos da canção, que faz referência ao consumo de maconha. É curioso o rapper estadunidense ter sido convidado para uma faixa pouco ambiciosa, cantada em português e com construção repetitiva e rasa. O clipe tem cenas inspiradas em Haunted, de Beyoncé.
Rosa, com Prince Royce (parceiro de Anitta no programa La voz México), é dramática, sendo perfeita para telenovelas latino-americanas. Os momentos positivos ficam justamente nesse rol de músicas latinas: Tu y yo (com Chris Marshall) e Poquito (com Swall Lee) apostam em um pop romântico que nos leva até 2005-2006, quando não existia necessidade de abusar do eletrônico ou fazer um pop “conceitual” e mais arrojado.
Anitta acerta mesmo em Juego, reggaeton envolvente e sensual que facilmente poderia ser uma colaboração com o colombiano J Balvin. Em Você mentiu, com Caetano Veloso, a cantora se aproxima do terreno da MPB, destoando totalmente do resto do álbum. A música tenta imprimir caráter de versatilidade musical, ao mesmo tempo em que procura legitimação ao agregar um artista historicamente respeitado pela crítica.
Nos clipes, Anitta prova que tem jeito para ser pop star com sensualidade e atitude. A sensação final é que KISSES é um álbum mais para “assistir” do que para “ouvir”. Sem os vídeos, ele se torna uma playlist mal organizada. Isso quando a música pop, com contribuição da própria Anitta, tornou-se mais complexa e de alto nível no Brasil. Basta analisar álbuns como Não para não, de Pabllo Vittar, ou Dona de mim, de IZA. Anitta ignora esse cenário para cortejar o mercado internacional com clichês, nada muito diferente do que Jennifer Lopez tem feito nas duas últimas décadas.
Ainda assim, o disco já quebrou o recorde de álbum mais ouvido em 24 horas no Spotify no Brasil, com mais de quatro milhões de execuções. É algo a ser celebrado pela artista e seus fãs, mas é uma pena que a finalidade seja sempre os números. Talvez Anitta esteja mais preocupada em ser uma grande empresária, reconhecida pelas estratégias de marketing bem-sucedidas, quase como uma glorificação da figura do "coach" na cultura pop. A música fica em segundo plano.