Um grupo de teatro formado por diferentes vozes e corpos trabalha intensamente em experimentações dentro da linguagem teatral, impulsionadas pelos conflitos que carregam em si e entre si. O espaço físico que habitam também já reconfigurou a paisagem do Recife por meio da arte. Porém, um velho moralismo, munido da burocracia, da especulação imobiliária e aparelhos de repressão, decide fazer frente aos anseios de liberdade e expressão desse coletivo.
Esse é o ethos compartilhado por Tatuagem, filme de 2011 dirigido pelo pernambucano Hilton Lacerda, e Chão de Estrelas, série criada pelo mesmo diretor, com estreia marcada para a próxima sexta-feira (10), às 22h30, no Canal Brasil e no Globoplay. Em comparação ao longa ambientando na década de 1970, não é possível enquadrar este novo projeto, que se passa nos dias atuais, dentro das tradicionais caixinhas da sequência ou de estrangeirismos como remake ou reboot. É mais um “aprofundamento da mesma ferida” a partir de um de seus elementos, o grupo de teatro que dá nome à série enquanto um conceito que pôde ser remodelado e homenageado, mas preservando sua energia.
“Pernambuco tem uma cinematografia que marcou muito o pensamento audiovisual brasileiro nos últimos anos, nas políticas, na forma de produção e no conteúdo. Esse formato, de alguma forma, não se refletia em outros suportes. Vi uma oportunidade para nós, enquanto produtores de pensamento audiovisual, ocupar esse espaço”, declara Hilton, em entrevista ao Viver, sobre esse caminhar do cinema pernambucano que passa a encontrar a televisão nos últimos anos.
Chão de Estrelas é a terceira produção de seriado para a TV de Hilton desde 2016, já assinando títulos como Fim do Mundo e A Lama dos Dias, ambas veiculadas também pelo Canal Brasil. (CONTINUA APÓS VÍDEO)
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“É entender que produzir séries com características e forças próprias, com toda nossa experiência cinematográfica, é uma coisa muito interessante. Colocar essa nossa experiência pernambucana em outras formas de narrativa”, complementa Hilton. Trata-se de levar também uma habilidade construída por anos, a de produzir uma arte de um impacto muito maior do que seus orçamentos um tanto quanto limitados poderiam prever, continuando a fazer experiências no diálogo com outras linguagens, como o teatro e as artes plásticas, assim como não se deixando prender às engessadas regras narrativas que permeiam a criação de roteiros para séries.
É assim que chega ao ar a história desse grupo de teatro que, ao mesmo tempo em que mergulham dentro de si e nas suas relações interpessoais para dar vida à suas obras, se vê ameaçado por um suspeito e rápido leilão do histórico casarão onde habitam, cenário que os levam a se empenhar ainda mais na criação de uma arte como instrumento de enfrentamento. Mais uma vez, Hilton ancora sua obra em um coral de personagens, que se utiliza das dinâmicas das individualidades como combustível para um personagem maior que é a coletividade.
Nesse sentido, ele se junta a uma coletividade muito poderosa da arte pernambucana para dar forma ao Chão de Estrelas, com o trabalho em parceria com o grupo de teatro Magiluth. O Casarão Magiluth, localizado no bairro de Santo Antônio, é a locação para a sede do grupo da série. A criação das apresentações teatrais e a preparação de elenco ficaram ao encargo deles.
Os atores Mário Sérgio Cabral e Giordano Castro fazem parte do elenco fixo, mas também há participações de Pedro Wagner, Lucas Torres, Erivaldo Oliveira e Bruno Parmera. “Eu já pensei no Magiluth desde a primeira ideia para esse projeto, pela maneira como eles usam a linguagem teatral, a tecnologia, a comunicação, de uma forma também artesanal. Eles tiveram mais liberdade para experimentar coisas que talvez não tivesse no cardápio de costume deles, mas fazia parte do interesse teatral. Foi uma liberdade absurda nessa relação”, relata o diretor.
O grupo faz parte de um círculo de relações que Hilton estabeleceu em seus últimos trabalhos e que puderam voltar para a série, como é o caso também de nomes Nash Laila, interpretando uma personagem de mesmo nome à que deu vida no longa de 2011 ou Gustavo Patriota, presente em Fim de Festa, seu último filme. Mas Chão de Estrelas também é marcado pela presença forte de novos nomes donos de uma presença vibrante de cena, como a alagoana Uiliana Lima, a paraibana Ana Paula Gaspar ou os pernambucanos Dante Olivier e Matheus Tchoca.
“O teatro sempre é uma grande fonte, com uma formação teatral que hoje em dia tem um pé forte na linguagem cinematográfica aqui no Nordeste. Temos celeiros que vêm oferecendo atores incríveis para o Brasil. Não é uma defesa cega de que tem que ser regional, mas quando você tem nas suas cercanias essas pessoas que você gosta do trabalho, é muito bom trazer elas”, conclui Hilton. Chão de Estrelas conta com sete episódios, dirigidos por Hilton e Milena Times, e escritos ao lado de Anna Carolina Francisco e Dillner Gomes.
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