CINEMA
'A Baleia' marca retorno de Brendan Fraser em mais um filme polêmico e desconfortável de Darren Aronofsky
Por: André Guerra
Publicado em: 25/02/2023 09:26 | Atualizado em: 25/02/2023 09:24
Brendan Fraser e Hong Chau estão respectivamente indicados a melhor ator e melhor atriz coadjuvante. A24/Divulgação. |
Submeter o público à tormenta de ordem física e emocional é a tônica do cinema de Darren Aronofsky desde sua estreia em 1998 com o thriller Pi até a violenta parábola bíblica Mãe!, de 2017, mas já se desdobrou em diferentes escalas de impacto. Ainda que a instrumentalização do sofrimento para fins alegóricos seja uma constante, sua filmografia sempre pareceu disposta à reinvenção, vide o realismo cru de O lutador e a fantasia épica de Noé, por exemplo. Em todos esses casos, porém – e sobretudo no terror psicológico Cisne negro –, o martírio não é um fim, mas uma busca por uma revelação metafísica ou, senão, pela catarse visual.
Agora com A baleia, em cartaz, o cineasta aponta em duas direções novas: a contenção em locação pequena e fechada e a pretensa visão positiva do ser humano a partir do olhar do protagonista. Na trama, adaptada da peça homônima, Charlie (Brendan Fraser) é um professor com obesidade mórbida que entra em processo autodestrutivo após a morte do namorado e vive sob os cuidados da enfermeira Liz (Hong Chau). Com o coração cada vez mais frágil, restam a ele poucos dias de vida, tempo tomado pela tentativa de reconciliação com sua filha de 17 anos (Sadie Sink).
A24/Divulgação. |
O apartamento onde toda a história se passa é filmado com luz baixa e uma proporção de tela estreita, adotando o eixo de mobilidade (quase nula) de Charlie. As entradas e saídas dos coadjuvantes são a maior movimentação espacial do filme, que assume o cenário como um palco cujo exterior é inanimado, preenchido apenas pelo barulho de um interminável temporal. É como se, tal qual no romance Moby Dick, a que o título faz alusão, o protagonista estivesse no mar revolto de sua existência, em busca tanto de uma vingança contra si mesmo quanto de uma luz para pôr fim à expiação de seus pecados. Curiosamente, é do escárnio do filme pela religião, representada por um jovem missionário obstinado (Ty Simpkins), que surge a sua maior demonstração de otimismo nas pessoas – a ideia de salvação aqui, afinal, vem dos sentimentos terrenos/humanos que Charlie valoriza nas pessoas.
Apesar do uso excessivo de uma trilha que chega a sufocar a audibilidade dos diálogos, é novamente no desconforto que o diretor obtém intensos resultados sensoriais. O filme é menos a espetacularização sádica que tem sido martelada e mais um convite à compreensão de contradições humanas, tema bem ilustrado na forma como a enfermeira ajuda Charlie a sair e, de certo modo, a permanecer na sua condição.
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Retornando após anos afastado da indústria, Brendan Fraser imprime profundidade ao conceito do personagem e, auxiliado pela impressionante maquiagem, expressa na mesma cena o autoflagelo compulsivo, a necessidade de redenção e até um cínico senso de humor. Hong Chau confere densidade à relação dos dois e ajuda a equilibrar a corda bamba entre naturalismo e teatralidade na qual Aronofsky coloca o elenco para andar, enquanto Sadie Sink é pouco valorizada pelo texto e incorpora a crueldade de Ellie de modo esquemático, artificializando o arco de reaproximação de pai e filha.
Não deixa de ser interessante assistir a um diretor tão propenso à grandiloquência se ver preso a um filme de câmara focado apenas nas relações de afeto. A libertação dessa amarra vem no último minuto, quando A baleia exorciza a si próprio com uma cena luminosa que remete à catarse quintessencial da obra de Aronofsky. A depender do espectador, isso pode ser tanto excelente quanto péssima notícia.
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