Viver

A perna cabeluda e mais: conheça lendas urbanas do Recife

Uma das lendas urbanas mais famosas do Recife teve origem no Diario, em texto escrito por Raimundo Carrero

Diario publicou texto que originou lenda urbana na década de 1970

Há quem diga que o Recife é a cidade mais assombrada do Brasil. Por isso, neste Dia das Bruxas, reunimos algumas das lendas urbanas mais famosas da capital pernambucana. Uma delas, vale destacar, teve origem no Diario, na década de 1970, em texto criado pelo jornalista Raimundo Carrero, hoje escritor com carreira consolidada. 

 

 A perna cabeluda

 

Então jornalista do Diario, o escritor Raimundo Carrero criou uma verdadeira lenda urbana: a perna cabeluda. Foi no 1º de fevereiro de 1976 que a personagem surgiu.

 

O “romance policial”, como o cabeçalho ressaltava, foi publicado no tabloide Domingo, que reunia reportagens especiais e temáticas, além de textos de ficção.

Leia a história da perna cabeluda:

 

 Romance policial

 

O repórter apressado, nervoso, entrou na redação do jornal. Colocou o papel na máquina, mas estava de tal forma agitado que não sabia como escrever. Percebendo sua indecisão, o editor procurou saber o que estava acontecendo. Gago, voz presa na garganta, precisou de alguns segundos, ainda, para ordenar as palavras. “A perna cabeluda está em Olinda”, disse, esperando a reação do chefe. Uma pessoa fora agredida, levara três pernadas no pescoço, uma na barriga, sangrando fora socorrida por populares e estava, agora, no Hospital da Restauração. E não fora a única. Invadira também a residência de uma bela moça, não respeitara pai nem mãe, com uma rasteira derrubou-a, ali mesmo, no meio da sala, diante dos olhos estarrecidos da família, que não sabia como reagir, praticou agressões.

 

Foi um corre-corre na rua, gente chamando a polícia, mulher chorando abraçada com o marido, irmãos e parentes, as mais piedosas e religiosas rezando nos pés dos santuários. A pobre moça, coitada, gemia, gritava, pedia proteção. Não era fácil, no entanto, agarrar a perna. Ágil, saltava para todos os lados. Teve um rapaz, herói anônimo, que ainda pulou a janela da residência, mas nada pôde fazer porque logo recebeu uma violenta pernada na cabeça, caiu sangrando, batendo, quase morto. A perna cabeluda somente se deu por vencida quando foi escutado o gemido do carro da polícia. Saiu correndo pela porta dos fundos, meteu-se numa rua estreita, atravessou um beco e desapareceu num matagal. Os homens da rua, penalizados com o choro da moça, formaram logo uma “coluna”, armaram-se de facas, revólveres, pedaços de paus, saíram em sua perseguição. Nessa hora os policiais já vinham chegando.

 

Juntaram-se aos guerreiros, saíram em busca da perna criminosa. Foi que um guerreiro mais afoito, que corria na frente de todos, armado com um revólver, uma peixeira e um canivete, deu grito, caiu sangrando, o corpo todo dolorido. No escuro, não pôde ver a perna cabeluda escondida atrás de uma moita. Vingativa, não apenas deu-lhe uma rasteira, como chutou sua boca e ficou pulando sobre seu peito. Os outros homens correram em seu socorro, mas havia a surpresa: confundindo-se com a escuridão, a perna pulava mais do que o saci pererê, agilíssima, de um lado para o outro, cai aqui, cai acolá, “ela está aqui”, “ela está ali”, um caindo por cima do outro, cabeça lascada, braço quebrado, barriga rasgada. Pior foi quando começou a chover: trovões, relâmpagos, muita água, sangue correndo na lama. Confundindo-se, os guerreiros agrediam-se, esmurravam-se. Um fuzuê dos diabos. Quando a perna decidiu desaparecer, ouviu-se uma gargalhada medonha, três soluços e um arroto.

 

Derrotados, os guerreiros retornaram para casa, feridos, alguns em macas, os policiais jurando que ela seria presa ainda naquela noite, todo contingente seria acionado, não haveria escapada. Quando entraram na rua iluminada, as mulheres esperando nas janelas – umas chorando, outras conversando agitadas – parecia uma procissão de desgraçados. O socorro foi logo providenciado. Mesmo no carro da polícia, os mais feridos foram conduzidos para o hospital. Parecia o fim do mundo. Correu um boato na rua que era o início do Apocalipse, era preciso começar a rezar com muito fervor, pois uma multidão de estrelas já se precipitava do céu, e uma legião de mortos vestia os seus corpos para sair dos túmulos, cobrando promessas aos vivos. As moças choravam, os rapazes corriam para a igreja, queriam se confessar. Teve cabeludo que raspou o cabelo, afrouxou as calças e vestiu terno. As mulheres cobriam as barriguinhas, encompridavam os vestidos.

 

Mas foi que a agitação cresceu mais ainda, quando já se imaginava que era chegado o momento de dormir sossegado. Os gritos de uma mulher foram escutados, misturados com uma pancadaria, voz de homem furioso berrando. De repente, a mulher foi atirada na rua, bateu com a testa no chão, quebrou a cabeça. O homem furioso apareceu com um revólver na mão. Foi logo contando: chegara em casa cansado, louco para dormir, e quando entrou no quarto, o que viu? Ao lado da mulher, estava deitada a perna cabeluda, morrendo de rir. Perdeu a paciência, puxou a mulher pelos cabelos, esfregou-a na parede. E a perna gargalhava, dava saltos em cima da cama, dançava samba, rumba e frevo. Insatisfeita, ainda deu-lhe um chute na barriga e saiu correndo. Ninguém mais podia se conformar, era mesmo o fim do mundo. Mesmo os mais afoitos não se decidiam a perseguir a malvada. Socorreram, no entanto, a mulher ferida. Vários carros da polícia apareceram para proteger o povo da rua. Os policiais traziam metralhadoras, canhões, revólveres, gás lacrimogêneo, o diabo. Armaram esquemas, trancaram as ruas, esquinas, vielas. Desistiram, porém, quando surgiu a notícia, ninguém sabe quem deu: a perna cabeluda estava pintando o diabo em Boa Viagem.

 

Raimundo Carrero - 1 de fevereiro de 1976

 

 

Papa-figo

 

Em Assombrações do Recife Velho, Gilberto Freyre conta que o chefe de uma família opolunte do Recife estava virando lobisomem, e "desesperado de encontrar cura ou alívio para seu mal na ciência dos doutores recorrera o ricaço ao saber misterioso dos negros velhos. Um dos quais depois de bem examinar o doente rico dissera à família: Ioiô só fica bom comendo figo de menino."

 

A lenda urbana diz que o velho se encarregou de sair pelos arredores do Recife com um saco às costas para recolher meninos e arrancava os fígados para o 'doente' ingerir.

 

"Só assim evitou-se — diz a lenda que parece ser muito recifense — que o argentário continuasse a alarmar a população sob a forma de terrível lobisomem. Curou-se mas de modo sinistro", narrou Freyre.

 

 A Emparedada da Rua Nova

 

Outra lenda urbana famosa no Recife é a Emparedada da Rua Nova. A lenda diz que, no século XIX, uma jovem burguesa foi emparedada pelo próprio pai após engravidar do namorado, que seria um homem humilde. 

 

Para preservar a honra da família, o comerciante Jaime Favais decidiu cometer o crime, emparedando a jovem num sobrado na Rua Nova, onde hoje está localizado um prédio que tem o número 200.

 

A história surgiu através de um livro escrito por Carneiro Vilela, mas ganhou a crença dos recifenses, que dizem escutar gemidos e sons de correntes quando passam pelo local à noite.

 

 Praça Chora Menino

 

A lenda da Praça Chora Menino conta que, no século XIX, o Recife passou por uma revolta de soldados de baixa patente e que durante a batalha vários civis foram mortos, entre eles crianças e mulheres. 

 

Segundo a história, as vítimas foram enterradas em um local conhecido como Sítio Mondengo, onde hoje fica a Praça Chora Menino. De acordo com algumas pessoas que passam pelo local, é possível ouvir o choro de um menino que teria sido morto na revolta.

 

A lenda fez com que uma estátua de uma mulher com uma criança no colo fosse colocada no local. A obra foi feita em 1983 pelo artista José Faustino. Além disso, o local conta com painel em cerâmica de Francisco Brennand, com a frase "esta cidade é mágica, meio bruxa. Enfeitiça, quebranta, tira as forças". Os dizeres são do escritor e jornalista Nilo Pereira. 

Leia a notícia no Diario de Pernambuco