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'Five Nights at Freddy's: O Pesadelo sem Fim' é terror inofensivo

Filme da Blumhouse pega ideia e visual do game de sucesso para criar uma brincadeira funcional com os bonecos macabros, mas não deve assustar os jogadores crescidos

Responsável pela irmã menor desde que os pais morreram, Mike (Josh Hutcherson) não está conseguindo dar conta nem de sua própria vida. Durando em média uma semana em cada um dos empregos que encontra, ele acaba de ser demitido de uma vaga de segurança em um shopping por agredir uma pessoa por engano. Rapidamente, entende-se que um trauma no seu passado nunca deixou de marcar presença: enquanto tomava conta de outro irmão, Garret, o pequeno foi raptado na floresta e jamais encontrado. A imagem do dia em que viu o caçula ser levado em um carro misterioso não sai dos sonhos de Mike, que vasculha desesperadamente na memória o rosto do sequestrador.

Sob o risco de perder a guarda de Abby (Piper Rubio), o jovem aceita o trabalho de vigia noturno em um restaurante familiar fechado desde a década de 1980 chamado Freddy Fazbear’s Pizzar, famoso por robôs animados enormes. Não demora para que esses bonecos passem a romper o silêncio da noite e mostrar o lado macabro que o lugar nem faz questão de esconder.

Adaptado do jogo homônimo desenvolvido por Scott Cawthon e lançado em 2014, dando origem a uma série de derivados – incluindo sete continuações, três spin-offs e um livro –, Five nights at Freddy’s: O pesadelo sem fim,já em cartaz, adiciona seu próprio conflito ao conceito por trás dos brinquedos medonhos. Era de se esperar que, num projeto produzido pela Blumhouse/Universal, os realizadores achassem importante criar (ou, neste caso, ‘reciclar’) um drama a fim de dar mais solidez a uma história que, na essência do game, é bastante elementar.

O êxito, então, deste terror dirigido e coescrito por Emma Tammi em colaboração do próprio idealizador do jogo é ambivalente. Ainda que a produção consiga recriar com competência o cenário do restaurante/parque e encontre boas soluções visuais para as aparições dos bizarros animatrônicos, sobretudo nas sequências com escuridão, a segurança narrativa provocada pelo núcleo central deixa tudo limpo e inofensivo para um projeto que inequivocamente não é pensado para crianças.

É compreensível que o longa busque uma plateia grande, haja vista a popularidade do jogo, mas é presumível também que os fãs da atmosfera obscura escondida sob a aparência boba dos bonecos busquem na adaptação cinematográfica algum senso de perigo mais autêntico e corajoso. O terror jamais se materializa por estar demasiado submisso à ideia do susto como válvula de escape, e não como confirmação do medo.

A contextualização mórbida da trama até se faz presente no roteiro e, através da música tema evocativa, Five nights at Freddy’s brinca bem com algumas possibilidades práticas do conceito, mas esbarra nessa obsessão frequente no terror contemporâneo de caminhar rumo à conciliação de traumas. Aqui isso se torna frustrante porque o cenário é propício para um exercício imaginativo com o gênero, mesmo que não necessariamente radical, e a direção opta por omitir os elementos fortes da história, tornando a resolução particularmente infantilizada.

Especialmente quando se pensa em outras adaptações de jogo que desenvolveram suas atmosferas com escolhas próprias, ao exemplo dos pouco apreciados Terror em Silent Hill e Resident Evil, o filme de Emma Tammi soa menos uma oportunidade de criar uma experiência particular e mais um produto sob encomenda. É até possível que fãs do game encontrem suficiente diversão no parquinho de terror oferecido por Five nights at Freddy’s, mas é difícil imaginá-lo provocando arrepios genuínos nos crescidos que um dia embarcaram na brincadeira em primeira pessoa.

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