CINEMA

'Tia Virgínia', vencedor de melhor atriz em Gramado, entra em cartaz

Vera Holtz interpreta uma senhora que recebe as duas irmãs em casa para o Natal e o que começa com afabilidade se transforma em lavagem de roupa suja

Publicado em: 09/11/2023 10:00 | Atualizado em: 09/11/2023 16:44

 (Filme é dirigido por Fábio Meira (As Duas Irenes) e venceu 6 Kikitos no Festival de Gramado, incluindo Melhor Roteiro, Atriz e Direção de Arte. Divulgação)
Filme é dirigido por Fábio Meira (As Duas Irenes) e venceu 6 Kikitos no Festival de Gramado, incluindo Melhor Roteiro, Atriz e Direção de Arte. Divulgação
Quando as luzes se acenderam ao final da sessão de Tia Virgínia no Festival de Gramado deste ano, o entusiasmo do público e da crítica deixou claro que a história profundamente pessoal do diretor e roteirista Fábio Meira dialogou e se expandiu muito além do que se poderia imaginar para um projeto de dimensões compactas. Inspirado nas situações reais que ele vivenciou durante toda a vida nos encontros natalinos de família, o que incluía sua mãe e quatro tias, o cineasta de As duas Irenes fez, naturalmente, algumas adaptações à família verdadeira e chegou num resultado tão equilibrado entre concisão e exagero que clama o tempo inteiro por reações calorosas. O filme acaba de entrar em cartaz nos cinemas.

A história gira em torno de uma mulher solteira e sem filhos de 70 anos, Virgínia (Vera Holtz), que ficou encarregada pelas duas irmãs Valquíria (Louise Cardoso) e Vanda (Arlete Salles) de cuidar de sua mãe idosa e doente na antiga propriedade da família. Após a morte do patriarca, as três irmãs resolvem se reunir nessa casa para a ceia de Natal e, ao longo de um único dia, acompanha-se o que começa parecendo uma série de estranhamentos agravados pela distância mas logo se revela uma lavagem de roupa suja feita em parcelas cada vez maiores.

A tia Virgínia do título, incorporada por Vera Holtz com o carisma e a imponência física que lhe são sempre esperados, já nasce uma personagem icônica do cinema brasileiro atual. Cheia de manias, de temperamento forte e ao mesmo tempo incrivelmente generosa e amorosa com os sobrinhos (Daniela Fontan e Iuri Saraiva), a protagonista guarda mágoas intensas de suas irmãs pela falta de reconhecimento ao seu trabalho dando conta da casa e da mãe, o que gera momentos extraordinários divididos entre o humor do desconforto e sofrimentos reprimidos.

A influência da obra de Ingmar Bergman (sobretudo Gritos e sussurros e Sonata de outono) é perceptível nessa angústia das relações familiares mal resolvidas, assim como a estrutura dramática de Nelson Rodrigues se faz notar em alguns diálogos. Ao contrário da maior parte da obra do cineasta sueco, porém, os conflitos de Tia Virgínia não são discutidos apenas por meio da densidade e comumente são empurrados para debaixo do tapete pela comédia – assim como, argumenta o filme (com razão), acontece nas famílias brasileiras que se recusam a discutir o que lhes está incomodando.

Fábio chegou a fazer ensaios com as tias reais e as atrizes juntas – e o que isso proporcionou ao filme é uma intimidade indivisível com o texto, com as personagens e com o espaço limitado no qual toda a narrativa se passa. Os enquadramentos altamente disciplinados são estáveis e variam entre planos fixos e panorâmicas suaves, com o uso eventual do zoom para salientar atitudes ou gestuais específicos, mas a casa nunca é vista de maneira totalmente ampla ou mesmo do lado de fora. É como se Virgínia estivesse presa dentro daqueles cômodos e àquelas memórias de não-realizações – e é belíssimo que o filme entregue, numa cena filmada em plano-sequência, uma catarse que se reflete diretamente na liberdade com o trabalho de câmera.

“É impressionante a potência que uma obra tem de se comunicar com a plateia e levar de forma tão gradual as pessoas a uma sensação conjunta de pertencimento. A gente vê que muita gente se identificou com o filme, fruto não só desse elenco incrível, mas da condução do Fábio, que conseguiu direcionar as pessoas por meio dessas emoções que ele sentia com a família”, comentou Vera Holtz em entrevista ao Viver.
 
*Texto publicado originalmente no Festival de Gramado, 17 de agosto de 2023

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