CINEMA

Apocalipse aos sussurros

Atuação de Lupita Nyong'o é grande destaque de 'Um lugar silencioso: Dia um', história de origem terna e comovente que mostra o início da invasão dos monstros de audição supersônica em Nova Iorque

Publicado em: 29/06/2024 06:00 | Atualizado em: 28/06/2024 18:37

 (Paramount/Divulgação)
Paramount/Divulgação
Lançado em 2018, Um lugar silencioso é uma ótima definição de estreia fora da curva: um projeto original comandado e estrelado por um diretor/ator (John Krasinski) de quem poucos esperariam uma virtuosa voz do terror. Contando a história de uma família que precisava sobreviver no silêncio de sua fazenda em um mundo pós-apocalíptico dominado por criaturas letais com super audição, o primeiro filme conquistou sucesso absoluto de crítica e bilheteria, o que, atrelado à eficiência do conceito, levou o estúdio a providenciar rapidamente a continuação, Um lugar silencioso: Parte II – lançado em 2021, com resultados igualmente excelentes de repercussão.

Agora sem Krasinski por trás das câmeras e sem a família liderada por ele e por sua esposa – nos filmes e na vida real – Emily Blunt, a franquia retorna com a prequela Um lugar silencioso: Dia um, já em cartaz, que se passa em plena Ilha de Manhattan, em Nova Iorque, no dia em que a invasão dos alienígenas começou. Dessa vez, somos introduzidos a Sam (Lupita Nyong’o), uma poeta com câncer terminal internada em uma clínica de cuidados paliativos. Na breve visita a um espetáculo de marionetes na cidade, junto ao enfermeiro (Alex Wolff) e aos outros pacientes, ela presencia o caos se deflagrando no meio da multidão e, tentando manter protegido seu gato Frodo, conhece Eric (Joseph Quinn), estudante de direito que passa a acompanhá-la.

Pode ser uma armadilha para uma série cinematográfica, quando se parte de um conceito tão simples, querer se expandir e se explicar demais. Um lugar silencioso, até aqui, não caiu nessa. Apesar das mudanças do cenário e notável aumento da produção, os dois longas derivados do universo mantém a escala humana estabelecida pelo primeiro filme e possuem um cuidado evidente com a caracterização dos personagens, o que não significa renegar a sua natureza de cinema B, de filme de monstro. Esse equilíbrio entre a seriedade dramática e o entretenimento assumido do suspense está se tornando marca de honra da saga. E, agora com Dia um, que tinha todas as desculpas para construir um grande espetáculo de destruição (vide a escolha de Nova Iorque como ambientação), ela demonstra mais singeleza e intimismo do que nunca.

Michael Sarnoski – do aclamado drama indie Pig, com Nicolas Cage – substitui Krasinski na direção e, mesmo que siga a gramática básica de Um lugar silencioso, a mudança é perceptível. As câmeras de Sarnoski não tem a mesma fluidez de movimento ou os planos complicados que conectavam elegantemente duas ou mais situações em paralelo. O cineasta, inclusive, não explora visualmente como poderia as possibilidades de terror oferecidas pela premissa urbana, mas fica claro também o seu olhar sensível para a direção de atores e o tato bem especial com que deixa a câmera solta para captar interações espontâneas e emocionais. Há boas cenas de ação e tensão em Dia um, mas o fator ‘novidade’ com relação aos alienígenas já não existe, assim como qualquer ineditismo com relação à devastação de Manhattan no cinema – o que torna inteligente a decisão de basear o drama numa protagonista cujo objetivo é menos a sobrevivência e mais o aproveitamento dos seus já decretados últimos momentos de vida.

Atriz de expressividade singular e já vencedora do Oscar de coadjuvante por 12 anos de escravidão, Lupita dá conta de preencher essa personagem de nuances e ternura em menos de 90 minutos e com o mínimo de diálogo – até mais do que seu talento precisa. Com o gato inseparável e um arco comovente de redescoberta de pequenos prazeres e memórias em meio à destruição da cidade, ela empresta a Um lugar silencioso uma pausa de poesia e contemplação antes do apocalipse implacável seguir adiante.
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