DIA DE SÃO JOÃO

Conheça as origens e transformações das festividades juninas

Especialistas falam sobre as variações, particularidades e alterações históricas do São João no Brasil e na região Nordeste

Publicado em: 24/06/2024 06:00

 (Foto: Francisco Silva/DP)
Foto: Francisco Silva/DP
Os nordestinos têm muito orgulho em celebrar ano após ano uma das festas que melhor caracterizam visual e musicalmente a região. As origens desta festividade, porém, sabidamente não nasceram no Brasil: antes mesmo do cristianismo, o norte da Europa contava com as celebrações do solstício de verão – com música, dança e vestimentas a caráter – conhecidas como 'Midsommar'. Nessa festa, era celebrada a colheita farta que garantiria a tranquilidade nas estações duras a se seguir, numa tradição secular que começou a mudar a partir das proibições cristãs, as quais substituíram a ritualização pagã de afastamento das más energias pela homenagem aos santos católicos.

Essa ligação religiosa foi trazida ao Brasil durante a colonização por Portugal e o nome inicialmente dado às festividades do período era de ‘Festas Joaninas’, celebrando apenas o São João. Como São Pedro e Santo Antônio também são homenageados no mês de junho, a palavra "Junina" se tornou usual e mais abrangente, incorporada ao longo de décadas e séculos pelo povo brasileiro. As misturas de etnias provocaram transmutações tanto nos ritmos quanto na culinária: o coco, que toma conta da música de vários estados do Nordeste, por exemplo, é herança tanto dos povos indígenas quanto dos batuques dos povos africanos e se tornou marca registrada especialmente em Pernambuco e na Paraíba. Já no caso das comidas típicas, o milho, originário das Américas, é plantado em março e colhido em junho, transformando-se num símbolo gastronômico do qual deriva boa parte dos pratos juninos brasileiros. Mas a presença do açúcar de maneira muito forte aqui também reflete fatores históricos do período colonial, numa mescla de outros temperos.

Aspectos climáticos e fizeram com que o São João nordestino ganhasse uma cara própria e se destacasse, no interior, das suas zonas urbanas, visto que toda a vida que envolve o trabalho na cidade não dialoga com a ideia da terra, da fertilidade e da colheita da mesma maneira, como destaca a historiadora Magdalena Almeida. “A gente sabe que nas ruas da cidade existe um menor número de fogueiras, até porque as cidades hoje são muito mais ocupadas e verticalizadas e as pessoas que trabalham nela não possuem necessariamente a ligação com essas tradições, além de existir também um fator de preocupação climática com a queima da madeira. Mas é bem importante manter essa tradição para as pessoas brincarem ao redor, dançarem, assarem o milho”, enalteceu, refletindo ainda sobre o São João ser celebração da vida e um resgate do espírito de comunhão.  “Existe uma relação intensa do São João com a religiosidade no sentido da fé na própria vida. As festas juninas estão ligadas à juventude, portanto, com o que se começa a construir na vida, como no caso da celebração do Santo Antônio (casamenteiro), de construção social. Vejo quadrilhas como um lugar de comunhão, por isso, sobretudo nos bairros menos abastados, a gente tem essa ideia de comunidade com uma força muito grande”, completou Magdalena.

Sobre essa devoção tão característica do período, o historiador Mario Ribeiro, estudioso das manifestações juninas de Recife, explicou as origens e a força das manifestações religiosas. “Eu compreendo as festas populares como canais de estudo da formação da sociedade brasileira. Você encontra ainda muito forte no interior e nas regiões periféricas uma devoção muito intimista do devoto para com o santo, com o altar dentro de casa, com as novenas para São José a partir do início do ciclo junino, em março, com as comunidades fazendo fogueiras para São Pedro, etc. No Samba de Veio, por exemplo, formado por pretos e pretas do Massangano, em Petrolina, Santo Antônio é festejado em forma de orixá com samba e tambores sendo esquentados na fogueira. A presença da cultura afro-brasileira, como sabemos, foram satanizadas pelo estado por muito tempo, mas é essencial nessa mistura cultural”, salientou o historiador.

Guia turístico e professor de História, Fabio Correa contou sobre as origens da principal expressão na dança das festividades juninas. "A própria quadrilha, por exemplo, é de origem francesa e trazida para cá no começo do século 19 pelos portugueses com a vinda da família real. E dançava-se na corte, no formato original de quatro pessoas, dois casais, portanto, daí o nome. E nessa época o Brasil ainda era rural e foi se urbanizando depois, o que explica bem por que nas zonas rurais essas tradições mais esquecidas nas zonas urbanas ainda são tão fortes. O interior do Nordeste é o melhor exemplo disso”, afirmou Fabio.

“Ela funciona para o resto do atriz como uma festa que ativa a importância da região nordeste, mas é uma festa brasileira. Ela tem um sentido ritualístico porque ela atualiza esse senso de identidade nordestino, trazendo a cada ano e pautando de maneira esperada a importância das nossas origens culturais, a importância de a gente pensar nordeste como uma experiência específica de Brasil e, como consequência, algo que nos diz tanto sobre o passado quanto sobre o presente”, destacou Hugo Menezes, professor de Antropologia e Museologia da UFPE.
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