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Expansão da inteligência artificial provoca debates sobre regulamentação na música

Diante das clonagens de voz e dos sistemas generativos, indústria musical busca garantir a proteção dos artistas e suas obras


A clonagem vocal de artistas, em alta nas redes sociais, impressiona pelo realismo das características individuais geradas pela inteligência artificial. Um dos casos mais famosos é a interpretação de Batom de Cereja, hit sertanejo da dupla Israel & Rodolfo, na voz digitalmente recriada de Renato Russo, falecido em 1996. Apesar de muitos fãs se divertirem com a voz de seus ídolos em contextos inusitados, deepfakes musicais e outras ferramentas de IA provocam debates e alertas para o futuro, especialmente diante da vulnerabilidade da legislação brasileira sobre o tema.

Com mais de  3 mil modelos de voz gerados por IA, o Jammable é um serviço amplamente utilizado para replicar vozes de celebridades sem autorização. Justin Bieber, Michael Jackson, Elvis Presley, Prince e Taylor Swift são alguns dos artistas cujas vozes estão disponíveis. “A utilização sem autorização prévia pode ser uma emboscada legal com consequências nocivas e enganosas, ainda em processo de melhor compreensão e regulação”, afirma Marcelo Castello Branco, CEO da União Brasileira de Compositores (UBC).

O relatório "Engaging with Music" da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (da sigla IFPI, em inglês), lançado no final do ano passado, revela uma forte oposição dos consumidores de música em relação ao uso de inteligência artificial. Segundo o estudo, 74% dos entrevistados se posicionaram contra o uso de IA para clonar ou reproduzir a voz de artistas sem autorização. Além disso, a maioria dos participantes (70%) concorda que a tecnologia precisa ser regulamentada, enquanto 64% defendem a intervenção governamental nesse sentido. Realizado em 26 países, incluindo o Brasil, a pesquisa consultou mais de 43 mil pessoas.

Aprovada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso em 1998, a Lei de Direitos Autorais garante proteção aos autores e criadores contra a exploração não autorizada de suas obras. No entanto, mais de duas décadas depois, a legislação brasileira mostra sinais de defasagem diante dos avanços tecnológicos que afetam as indústrias de entretenimento. “A lei atual é bastante ampla em suas considerações. No entanto, é fato que, com a internet e os novos modelos de atuação, como o streaming, não é tão específica em relação a esses pontos, até porque é da década de 1990”, analisa Maria Wanick, advogada especialista em Propriedade Intelectual. 

Existe mais de uma iniciativa em andamento no Congresso para atualizar as medidas de proteção aos artistas no Brasil. Uma delas é o Projeto de Lei 2.338/2023, conhecido como Marco Legal da Inteligência Artificial, em tramitação no Senado desde o ano passado. A proposta do senador Rodrigo Pacheco, no entanto, não inclui diretrizes específicas para o uso de obras protegidas por direitos autorais em ferramentas como o ChatGPT e outras semelhantes, sem prever autorizações prévias dos autores ou qualquer forma de pagamento por essa exploração de dados.

Em carta enviada ao Senado, a UBC e outras 25 entidades solicitaram a inclusão de normas no Marco Civil da IA para garantir a proteção e a devida remuneração dos autores das obras utilizadas no treinamento de sistemas de inteligência artificial generativa. “O desenho inicial do projeto ainda requer bastante questionamento e um debate mais objetivo e amplo, que está acontecendo de forma madura e constante. Tudo é muito novo e aparecem dados e potencialidades que precisam ser avaliadas e projetadas quase em tempo real”, aponta Castello Branco. 

Segundo Maria Wanick, além de debater o futuro de novas normas e proteção dos artistas, é imprescindível esclarecer quais são os direitos atuais. Ela lembra o caso de Taylor Swift, que perdeu o controle sobre as gravações de algumas de suas obras, as quais supostamente foram negociadas sem sua autorização. “Ela teve que fazer novas gravações das suas próprias obras para poder assumir o controle patrimonial dessa situação. Diante da multiplicidade de direitos envolvidos, recomendaria que os artistas se atentassem a esse aspecto, buscando uma assessoria adequada para orientá-los nesse sentido”, pontua. 

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