ARTE

Em atividade até o fim da vida, xilogravurista J. Borges encantou o mundo entalhando a cultura do Nordeste

Mestre da xilogravura morreu aos 88 anos, nesta sexta-feira (26)

Publicado em: 26/07/2024 09:02 | Atualizado em: 26/07/2024 17:54

Artista começou a fazer xilogravuras em 1965 (Divulgação/Edna Silva)
Artista começou a fazer xilogravuras em 1965 (Divulgação/Edna Silva)

 

Mestre da xilogravura, o pernambucano José Francisco Borges, conhecido como J.Borges, morreu nesta sexta-feira (26), aos 88 anos. Em atividade até o fim da vida, o artista nascido em Bezerros deixa legado inestimável à cultura nordestina, que teve suas cores, costumes e imaginário ressaltados por ele ao mundo a partir de entalhes em imburana e louro canela.

 

Um dos 16 filhos dos agricultores Joaquim Francisco Borges e Maria Francisca da Conceição, J. Borges nasceu no dia 20 de dezembro de 1935, no Sítio Piroca, a aproximadamente 15 quilômetros do Centro de Bezerros. O início de seu envolvimento com a arte ele atribuía ao pai.

 

"A gente se divertia ouvindo ele ler cordel. Então, o cordeu nasceu em mim quando eu era criança. E meu pai era simples agricultor e não entendia nada de arte. Ele lia pra mim e os outros irmãos", contou em J. Borges: Entre fábulas e astúcia, biografia escrita pela jornalista Maria Alice Amorim.

 

Antes de se descobrir xilogravurista, J. Borges se tornou poeta cordelista. Foi a literatura que o levou aos desenhos entalhados em madeira. Sem dinheiro para pagar um ilustrador, resolveu ele mesmo fazer a capa de seu segundo folheto: O verdadeiro aviso de frei Damião sobre os castigos que vêm, em 1965.

 

Primeiro cordel ilustrado por J. Borges (Reprodução)
Primeiro cordel ilustrado por J. Borges (Reprodução)
 

 

"Com 20 anos, entendi de comprar e vender cordel nas feiras. Eu já trabalhava de carpinteiro, de marceneiro, e no fim de semana, ia para a feira. Me deu vontade de escrever. Mostrei para um amigo que já era veterano e ele disse que estava muito bom. Imprimimos um milheiro. Eu vendi dentro de um mês, reimprimi e cuidei de escrever outro. Aí comecei escrevendo e ilustrando. Quando eu já tinha uns dez, outros cordelistas começaram a encomendar: um vaqueiro, um casal, um pé de árvore, um passarinho", relembrou em entrevista ao Diario, em 2023, no Memorial J. Borges, seu ateliê, em Bezerros.

 

 

O trabalho de Borges começou a ganhar projeção nos anos 70, quando ele conheceu o escritor e dramaturgo Ariano Suassuna.

 

"Quando Ariano viu, ele disse: ‘onde é que mora essa fera? Eu quero conhecer essa pessoa’. Depois que ele falou que eu era o melhor do Nordeste e o melhor do Brasil, aí encaminharam e eu não tive mais sossego, até hoje", brincou o mestre.

 

Em quase sete décadas de trabalho, o pernambucano produziu uma extensa obra, que vai desde a ilustração de livros de escritores como Eduardo Galeano e José Saramago a uma versão de A Sagrada Família entregue pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao papa Francisco.

 

Ao viver, a biógrafa Maria Alice Amorim destacou a influência e impacto do artista no cenário cultural pernambucano e brasileiro. "Ele conseguia conquistar as pessoas com a conversa, com o sorriso. Sempre me chamou a atenção a capacidade de reinventar-se, esse espírito de fabulação, essa disponibilidade para interagir com as pessoas e, sobretudo, de liderar e aglutinar para trabalhar em equipe", afirmou.

 

"Com muita vitalidade, ao longo das décadas de atuação, ele buscou se adaptar às novas demandas relacionadas ao universo do cordel e da xilogravura, por isso se manteve atuante, produzindo, inserido nos circuitos artísticos e no mercado. Viveu até os últimos momentos com disposição, alegria, vitalidade. E a mesma gigantesca memória de toda a vida", completou. 

 

 

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