LIVRO

Os cantos das novelas

Hugo Sukman assina 'Som Livre: Uma biografia do ouvido brasileiro', obra que detalha, em 238 páginas, a trajetória da maior gravadora do país e como ela laçou enredos e trilhas sonoras na memória nacional

Publicado em: 29/07/2024 19:18 | Atualizado em: 30/07/2024 08:01

Livro explora a trajetória da maior gravadora do país (foto: Divulgação)
Livro explora a trajetória da maior gravadora do país (foto: Divulgação)

Quem não se lembra de Irmãos Coragem, clássico da TV de 1970, ao ouvir a canção homônima de Jair Rodrigues? Ou de O Pulo do Gato (1978) ao escutar Eu e meu Gato, de Rita Lee? Outros sucessos incluem Noturno, de Fagner, em Coração Alado (1980); As Vitrines, cantada por Chico Buarque em Sétimo Sentido (1982); Brasil na voz de Gal Costa, em Vale Tudo (1988); Sexy Iemanjá, de Pepeu Gomes, em Mulheres de Areia (1993); e Velha Infância, dos Tribalistas, em Mulheres Apaixonadas (2003). As trilhas sonoras marcaram a história das novelas brasileiras. Eram um complemento à trama e tornaram-se parte da identidade cultural do país, refletindo e moldando as emoções do público. 

 

A integração entre música brasileira e televisão começou no final dos anos 1960 com o lançamento da Som Livre, detalhada no livro de 238 páginas escrito pelo jornalista e crítico de música Hugo Sukman. Som Livre: Uma Biografia do Ouvido Brasileiro, lançado recentemente pela Globo Livros, explora a trajetória da maior gravadora do país, criada pelo produtor musical João Araújo para desenvolver e comercializar trilhas sonoras de novelas produzidas pela TV Globo, e seu papel na revelação de artistas.

 

“Quando a Globo começou a produzir novelas com histórias brasileiras, contemporâneas, houve uma necessidade natural de incluir música brasileira nessas produções. As trilhas sonoras das novelas ajudaram a tornar a música brasileira majoritária no cenário cultural. Isso não foi apenas uma decisão estética, mas também um projeto político de valorização da nossa música”, conta Hugo Sukman. “O Brasil tem essa cultura rica e forte, e a Som Livre promoveu essa riqueza cultural. A gravadora não só forneceu as trilhas sonoras para as novelas, mas também ajudou a lançar e consagrar grandes nomes da música”. A Som Livre foi estruturada somente em 1970, com o nome Sigla. Mas foi no ano seguinte, em 1971, que a Sigla se tornou Som Livre para o público, com os primeiros discos. 

 

Durante os dois anos de pesquisa e escrita, entre 2019 e 2020, a descoberta mais surpreendente para o autor foi o fato de o nome da gravadora ter sido inspirado no programa Som Livre Exportação. Inicialmente, Hugo não sabia da importância do programa na história da gravadora e na música brasileira. “Foi o primeiro programa a proporcionar liberdade à música na televisão durante a ditadura militar, permitindo que os artistas se expressassem sem restrições”, revela.

No livro, Sukman também detalha a breve visita de Caetano Veloso ao Brasil em 1971, após conseguir autorização do governo para prestigiar, em Santo Amaro da Purificação (BA), a celebração pelos 40 anos de seus pais, Dona Canô e José Teles Velloso. Sabendo que Caetano viria do exílio, na Inglaterra, e passaria pelo Rio de Janeiro, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, aproveitou a oportunidade e garantiu sua participação no Som Livre Exportação.

Revelação de talentos

 

Em Som Livre: Uma Biografia do Ouvido Brasileiro, Hugo Sukman traz à tona o lançamento de artistas como Djavan, Guilherme Arantes e Cazuza e a consagração de Rita Lee e Xuxa. Na obra, o autor também passeia pela chegada do sertanejo com Luan Santana, Bruno & Marrone, Maiara e Maraísa e Marília Mendonça - esta última a primeira brasileira com 10 bilhões de streams.

Questionado sobre a abertura da Som Livre ao sertanejo, Hugo Sukman é enfático: “A música evoluiu e a gravadora acompanhou essa trajetória, percebendo a direção do mercado. Tivemos duas das maiores artistas do Brasil, Rita Lee e Marília Mendonça, exemplificando essa adaptação”.

Hugo Sukman descreve ainda o desmoronamento da indústria fonográfica e destaca momentos que mudaram a forma como a música era produzida e consumida no país. Um dos pontos que o livro aborda foi a introdução do "jabá" no final dos anos 1980. Esse modus operandi, que envolvia pagar às rádios pela execução de músicas, causou grande irritação em João Araújo, que viu na prática uma descaracterização do mérito artístico e um desafio ético para a indústria. O impacto da pirataria, que ganhou força no início dos anos 2000 e obriga o mercado a repensar estratégias e modelos de negócios, e a venda da Som Livre para a Sony Music, em 2022, também estão relatados na obra.

 

Na era dos streamings, para Sukman, o mercado musical continua em crise, com uma disparidade significativa entre os ganhos das plataformas digitais e a remuneração dos artistas. “Os autores e artistas ainda não recebem uma remuneração compatível com o valor de seu trabalho. As plataformas ganham muito, enquanto os artistas ganham pouco”, avalia o autor. 

 

 

 

 

 

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