CINEMA

'Ainda Estou Aqui' e Fernanda Torres já são vencedores - estejam ou não no Oscar

Filmede Walter Salles, que chegou no Brasil pela 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é um retrato afetuoso e trágico do fim de um paraíso familiar destruído pela Ditadura Militar

Publicado em: 21/10/2024 06:00 | Atualizado em: 19/10/2024 12:10

 (Filme estreia comercialmente nos cinemas no dia 7 de novembro. Sony/Divulgação)
Filme estreia comercialmente nos cinemas no dia 7 de novembro. Sony/Divulgação
A quebra de um mundo familiar perfeito que se revela também uma tragédia fervida em fogo baixo, Ainda estou aqui, escolhido pelo Brasil como representante no Oscar de filme internacional, chegou oficialmente no país através da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres, o longa vem construindo uma carreira de grande sucesso internacional desde a estreia no Festival de Veneza, onde venceu o prêmio de roteiro, e pouco a pouco se consolida como forte concorrente na temporada.
 
Seja ou não indicado ao Oscar, Ainda estou aqui já é vencedor – e não apenas do ponto e vista de premiações. O roteiro, adaptado por Murilo Hauser e Heitor Lorega, altera o ponto de vista do livro, narrado pelo próprio autor a partir das suas próprias memórias, e coloca a mãe de Marcelo, no centro narrativo. Ambientada no Rio de Janeiro de 1970, a história começa com a família composta pelo ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello), sua esposa Eunice (Fernanda Torres) e seus cinco filhos, que vivem numa casa enorme à beira mar e têm uma vida que, da maneira como o filme retrata no primeiro ato, parece quase idílica. Essa paz é quebrada de forma brutal quando Rubens é levado abruptamente por agentes do exército aparentemente para prestar um depoimento – e jamais retorna.
 
Eunice, que tinha uma rotina voltada para o lar, tem sua história transformada pelo desaparecimento devastador do marido e sua vida passa a se dividir entre a criação solitária dos seus cinco filhos, a burocracia deixada pelo sumiço, a luta para descobrir o que aconteceu e a dor eterna de uma perda sem respostas. Diretor de linguagem clássica, que dá tempo para a contemplação de cada momento de ternura no primeiro ato para que o impacto do segundo seja ainda maior, Walter Salles se debruça sobre essa família com um câmera leve e solta que vai se tornando rígida e, às vezes, sombria. A casa, ambiente solar no começo, ganha contornos opressores de uma ausência quase mórbida.
 (Sony/Divulgação)
Sony/Divulgação
 
Fernanda Torres, em um papel da vida de uma atriz, compõe essa personagem com tanta minúcia que Ainda estou aqui faz o público pensar que a conhece até mais do que o próprio filme. São tantos os sentimentos intuídos no rosto dela que às vezes parece que até a direção foi pega de surpresa pela quantidade de informação emocional que Fernanda oferece sem nenhum momento de catarse dramática. E Fernanda Montenegro, em participação muda, arremata o poder desse olhar levantado pela filha em apenas uma única – e belíssima – cena.
 
A falta dessa entrega catártica é não apenas compreensível como necessária: o vazio deixado pelo desaparecimento de Rubens Paiva é sentido pelos personagens de formas e em tempos distintos e não há espaço para o melodrama. Cada um aqui enterra o pai/marido no seu momento, o que torna simultaneamente devastadora e estranhamente tranquilizante a (notória) notícia de seu assassinato. “Parece estranho sentir alívio com um atestado de óbito”, afirma Eunice em certo ponto.
 (Sony/Divulgação)
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Em coletiva de imprensa na Mostra, Fernanda Torres enalteceu a importância do filme retratar esse período político com tanta sinceridade emocional. “Independentemente do seu credo ou crença política, ao assistir ao filme você sente como aquilo que foi feito com aquela família foi um gesto arbitrário. É um filme que não precisa de discursos de credo políticos para fazer as pessoas se identificarem e perceberem como aquilo é brutal. Ele toca as pessoas com muita honestidade; é uma forma de resistência de uma família através do afeto, em um mundo em que as pessoas têm muito medo e raiva. Ele relembra o que um governo autoritário faz se abrirmos mão dos direitos civis – é um mundo em que todos podem ser levados”, afirmou a atriz.
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