CINEMA

'Coringa: Delírio a Dois' desperdiça Lady Gaga e usa gênero musical como grife

Continuação do longa de 2019 é visualmente pomposa, mas narrativamente travada; atuação de Joaquin Phoenix replica maneirismos do primeiro filme

Publicado em: 02/10/2024 11:30 | Atualizado em: 02/10/2024 11:50

 (Warner/Divulgação)
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Devido à força iconográfica do personagem e, parcialmente, a uma junção de escolhas com fatores externos da ocasião de lançamento, Coringa se tornou um fenômeno da cultura pop e, mesmo sendo uma adaptação de HQ com foco dramático adulto, sombrio e realista (em contraponto aos filmes de super-heróis em alta à época), seu colossal resultado de bilheteria rapidamente suscitou o interesse em uma sequência – anunciada há dois anos como um musical que traria de volta o protagonista Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) em par romântico com uma Harley Quinn vivida por Lady Gaga.
 
O resultado, Coringa: Delírio a dois, entra em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira (3), contando a história do ponto que ela parou no filme de 2019. Arthur está preso no hospital psiquiátrico Arkham, aguardando julgamento pelos assassinatos cometidos no longa anterior, e acaba conhecendo Lee, com quem desenvolve uma identificação pela loucura e uma paixão insana que, através de canções, permeia a batalha nos tribunais que definirá o futuro do protagonista – transformado pelo caos da cidade de Gotham em um símbolo revolucionário.
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Apesar de rejeitada por boa parcela de fãs, a ideia de trazer o gênero musical ao universo pesado de Coringa não só demonstrava uma coragem notável em arriscar algo diferente como fazia todo o sentido ao notar-se a abordagem já muito afeita às alucinações musicadas e à estilização de momentos catárticos no original (a cena icônica da dança no banheiro é um bom exemplo). A música, assim, poderia servir para intensificar esse caos mental do protagonista e, por que não, ser uma forma de tornar mais imprevisível o caos conjunto dele com sua nova parceira.
 
É tragicômico, porém, que nenhuma das boas hipóteses se concretize nesta sequência, dirigida e escrita por Todd Phillips, também responsável pelo primeiro. No lugar de incorporar as canções ao drama principal e transformá-las em catalizadoras da emoção do espectador, Delírio a dois faz o caminho covarde de relegar os números musicais ao campo da imaginação óbvia – o que subtrai totalmente o peso das ações e, pior, interrompe constantemente o já bastante frágil ritmo da narrativa principal.
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O drama de tribunal que guia praticamente todo o segundo ato é enrijecido pela seriedade desproporcionalmente imposta pela direção – que está sempre em busca dos enquadramentos e luzes mais grandiosos, acompanhados pela trilha grave e onipresente de Hildur Guonadóttir, sem jamais permitir que as cenas ganhem vida para além da superfície.
 
Na falta de ideias para onde levar o personagem – ainda que Todd Phillips finja injetar novas perspectivas sobre a patologia dele –, Joaquin Phoenix precisa reproduzir rigorosamente os maneirismos esgotados no filme de 2019, que lhe rendeu um merecido Oscar de melhor ator, enquanto a boa presença de Lady Gaga nunca é desenvolvida como personagem e tampouco assumida como projeção romântica – e vira mero acessório musical de grife. Não é problema que Delírio a dois utilize apenas canções conhecidas (de Carpenters a Édith Piaf) e Gaga interpreta algumas com vigor esperado, mas impressiona a falta de imaginação para evocar esses títulos sem soar clipe isolado ou paródia.
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Mesmo fotografadas com todo o pedigree, as coreografias são travadas por uma inexpressividade facilmente confundida com minimalismo e sofisticação. Algumas soluções do desfecho, inclusive, devem ter parecido, no papel, decisões ousadas e subversivas, mas, no saldo final, soam como a tentativa de embalar uma ideia anêmica na aparência de ambição criativa. É lamentável que o diretor pegue emprestado o gênero musical não em favor de uma experiência realmente diferente ou dinâmica, mas como uma espécie de grife de grande autor. O maior delírio aqui é, certamente, de Todd Phillips.
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