TEATRO

Grupo pernambucano de teatro periférico-marginal se apresenta em Portugal

Grupo São Gens comemora 15 anos de teatro periférico-marginal com circulação internacional do espetáculo ''Narrativas Encontradas numa Garrafa Pet na Beira da Maré''

Publicado em: 14/10/2024 06:00 | Atualizado em: 11/10/2024 17:41

Grupo São Gens dá voz e visibilidade aos corpos periféricos  (Foto: Edgar Machado)
Grupo São Gens dá voz e visibilidade aos corpos periféricos (Foto: Edgar Machado)
A família do ator e dramaturgo Anderson Leite, na comunidade ribeirinha da Ponte do Pina, garante a subsistência por meio da pesca de marisco e sururu. É nesse contexto, às margens do rio e da sociedade, que se insere o discurso periférico e marginal do espetáculo Narrativas Encontradas numa Garrafa Pet na Beira da Maré, criado por Anderson e encenado pelo Grupo de Teatro São Gens. O trabalho já circulou por diversos estados brasileiros e, com o incentivo do Governo de Pernambuco, através do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura), transformou suas vivências em poesia em duas cidades de Portugal, Pombal e Idanha a Nova, na semana passada.

Fundado em 2009 na oficina de teatro promovida pela GAC (Gerência de Animação Cultural), o grupo pernambucano completou 15 anos dedicados em dar visibilidade e protagonismo aos corpos periféricos que historicamente enfrentam a marginalização. Silenciadas por gerações, as vozes de negros, periféricos e dissidentes de gênero são potencializadas pelo Grupo São Gens e agora cruzam oceanos para denunciar, através da arte, a violência sistêmica de cor, classe e gênero. André Lourenço, Fagner Fênix, Hblynda Morais e Monique Sampaio também integram o elenco. A direção musical é de Monique Sampaio e Arnaldo do Monte.

“A pesquisa do grupo foca exatamente nisso: discutir a periferia no teatro, a partir da própria periferia e dos corpos periféricos. Nos intitulamos como parte da continuidade do teatro marginal, mas não de qualquer teatro marginal. A nossa parte da periferia, entende? Queremos discutir o teatro marginal, dando continuidade a essa pesquisa que tem como base artistas como Miró da Muribeca, Livio Marques e o Grupo Poste de Poesia Antropológica”, afirma Anderson Leite, autor de mais de 15 peças, ações performáticas e intervenções. Entre as montagens que abordam a poesia marginal estão Diário da Independência e Eu Conto, Tu Contas, Nós Contamos - Seis Pequenos Contos Africanos, uma peça infantojuvenil em fase de remontagem.

Narrativas se destaca como a peça que investiga a fundo a vulnerabilidade da população exposta à precariedade na cidade do Recife. A produção é inspirada nas vivências de Anderson durante a pandemia de Covid-19, quando ele se juntou a milhares de fazedores culturais que ficaram sem remuneração e, assim, retornou ao trabalho de pesca artesanal. “Todo aquele contexto de vulnerabilidade, de estar à beira da maré, sendo um artista periférico, marginal, à margem do rio e da sociedade, nos fez sentir na pele o que é viver à margem. E traduzimos isso no palco, transformando em poesia, em uma forma de levar essa vivência ao público”, ressalta o dramaturgo.

Além de explorar a precarização das condições de moradia e de trabalho, o espetáculo discute a vulnerabilidade relacionada a questões sociais contemporâneas, como homofobia, racismo, solidão da mulher negra e intolerância religiosa. Um dos blocos narra a história de uma mãe marisqueira que perdeu o filho devido à repressão da polícia. “Enquanto escrevia, a imagem do meu próprio filho não saía da minha cabeça. Havia uma tensão constante no trabalho naquele ambiente, não só por ser uma periferia potente e latente, mas também por ser um território de risco”, relembra Anderson. Ele não conseguiu escrever o final da cena, que continua sem desfecho. “Não dava para continuar porque, apesar de ser uma ficção, é também um reflexo direto de nós, da nossa realidade”. 

Corpos periféricos foram, e ainda são, negados ao direito de viajar e de ocupar espaços privilegiados, como a Europa, onde o Grupo São Gens reivindicou seu lugar através do teatro marginal em duas sessões na quarta-feira (9) e sexta (11). “Parece que nossa forma de agir e ser é incômoda. Ainda assim, continuamos firmes, porque foi assim que nossa poética surgiu: batendo o pé, abrindo portas à força, sem pedir licença. Ouvi muito dizerem que minha poética era esquisita, que minha dramaturgia era confusa, que ninguém entendia. Diziam que eu só escrevia por intuição, sem método. E que bom que mantive minha intuição. Porque a intuição é a base de qualquer coisa”, enfatiza o artista. 

Depois do projeto de circulação internacional em Portugal, o Grupo São Gens se prepara para dar continuidade às atividades itinerantes em bairros periféricos de quatro cidades da Região Metropolitana: Jaboatão dos Guararapes, Recife, Olinda e Paulista. A apresentação de Narrativas está sendo organizada para dezembro nas respectivas áreas. Mais informações serão divulgadas nas redes sociais do grupo (@gruposaogens) em novembro, à medida que o início das sessões se aproximar.
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