CINEMA

'O Aprendiz', com Sebastian Stan, mostra como Donald Trump se tornou Donald Trump

Filme usa estética propositalmente sensacionalista para a ascensão do império do ex-presidente e atual candidato à presidência dos Estados Unidos através de sua relação com seu mentor

Publicado em: 17/10/2024 06:00

 (Diamond/Divulgação)
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Na década de 1970, o então jovem empresário Donald Trump (vivido por Sebastian Stan) tem planos ambiciosos para os negócios imobiliários de sua família, além de demonstrar uma gana particular para utilizar as ferramentas que estiverem à disposição a fim de chegar aonde precisa e escapar de um complicado processo judicial que acabou cavando. Oportunamente, ele faz amizade com o advogado Roy Cohn (Jeremy Strong), homem influente na política de Nova York, sem qualquer limite moral e com contatos poderosos, de grandes empresários à máfia, que se torna seu grande conselheiro e mentor nos anos que seguem.
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Controverso desde sua concepção até a escolha do ano eleitoral para o lançamento, a cinebiografia O aprendiz, exibida em competição no Festival de Cannes 2024 e já em cartaz nos cinemas, provocou a ira do personagem real, que o descreveu como “difamador e mentiroso”. Escrito por Gabriel Sherman, o filme acompanha a ascensão do império imobiliário de Trump e a maneira como ele compreendeu como vender sua imagem na mídia muito antes de entrar na política propriamente. Roy Cohn, para toda a sua expertise em distintos segmentos, não era tão conhecido pelo carisma e encontrou no seu pupilo, portanto, a vocalização de seu mantra pessoal de três regras, definidas por ele mesmo como: 1) Atacar, atacar, atacar; 2) Negar sempre; 3) clamar vitória mesmo na derrota.
 
Apesar da mudança radical de cenários e temática, o diretor iraniano Ali Abbasi – célebre por longas profundamente desconfortáveis como a fantasia Border e o thriller policial Holy Spider – concebe O aprendiz em abordagem visual que remete a seus trabalhos anteriores, sobretudo na forma como a câmera está quase 100% do tempo na mão, inquieta, como se tudo o que está sendo revelado ao espectador correspondesse a um registro real que intensifica os absurdos sem nunca lhes tirar a concretude. Aqui, especificamente, essa escolha é mais acertada por se aproximar da textura de televisão dos anos 1970 e 1980, emulando, assim, uma estética propositalmente sensacionalista.
 (Diamond/Divulgação)
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Apesar de expor um Donald Trump em momentos de intimidade, de dúvidas e até de fragilidade, o longa jamais deixa de retratar o aspecto inerentemente ridículo e caricato do personagem. À medida em que a trama avança e o poder dele cresce, a direção de Ali Abbasi e o roteiro de Gabriel Sherman humanizam curiosamente mais o entorno do que ele exatamente, priorizando a sua esposa (vivida pela ótima Maria Bakalova) e o próprio Roy Cohn, cada vez mais deteriorado pelo avanço do HIV e devastado por perceber que a sua criatura saiu completamente do seu controle. As escolhas pop de trilha sonora e de montagem nas grandes conquistas e aparições midiáticas de Trump são eloquentes ao enfatizar a vaidade exacerbada e a sua ganância quase delirante. E a maquiagem é impecável ao não esconder a atuação excelente de Sebastian Stan por trás de prostéticos exagerados, transformando-o gradualmente ao ponto do incômodo.
 
Mesmo que O aprendiz evite a armadilha de fazer dessa história uma grande sátira para se vender como esclarecido e desconstruído (como faz, por exemplo, Vice), o filme também não chega a ser corrosivo e revelador como, presumivelmente, os envolvidos imaginam que seja – nem nas informações que oferece sobre ele e menos ainda no estudo das razões de sua força como líder carismático do partido Republicano no século 21 (a trama, afinal, transcorre apenas até o final da década de 1980). Stan, Strong e Abbasi deixam, de toda forma, suficiente material na mesa para discussões sobre uma fase seminal do que viria a ser figura central nas relações de poder na política americana e mundial décadas depois. O que pode começar com sarcasmo finaliza apropriadamente em tom de alerta.
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