As salas de cinema são um dos poucos lugares onde o impossível se torna possível, exceto quando se trata de garantir inclusão e acessibilidade para todos os públicos. Já no Festival VerOuvindo, essa realidade é celebrada há uma década. Em sua 10ª edição, o evento reafirma seu papel transformador com uma programação predominantemente brasileira e pernambucana no Cinema da Fundação (salas Derby e Museu), incluindo sessões de curtas locais e oficinas que promovem capacitação e troca de conhecimentos. As atividades começam na sexta-feira (8) e seguem até o dia 16.
Pioneiro na promoção da acessibilidade audiovisual, o VerOuvindo conquistou reconhecimento como um dos projetos culturais mais relevantes no tema em território nacional e exterior. Com recursos como audiodescrição, legendas descritivas e TALS, amplia o acesso à cultura para pessoas com deficiência e sublinha o impacto da arte inclusiva. O festival recebeu Voto de Aplauso da Assembleia Legislativa de Pernambuco, em 2021. Também foi premiado pelo Concurso de Buenas Prácticas de la Sociedad Civil del MERCOSUR en Accesibilidad Audiovisual e recebeu o Voto de Aplauso da Câmara dos Vereadores da cidade do Recife, em 2018.
Como forma de estimular e reconhecer o trabalho dos profissionais de acessibilidade, o festival passou a realizar mostra competitiva de curtas nacionais com audiodescrição. “Os audiodescritores começaram a procurar os diretores para propor audiodescrição para que o filme pudesse concorrer, Quando seus filmes ganhavam, eles passavam a enxergar a importância da acessibilidade bem-feita”, afirma a idealizadora Liliana Tavares. A programação do 10º VerOuvindo começa nesta sexta-feira, com um painel de comunicação remoto às 19h e a abertura da Mostra Competitiva no site oficial. A votação dos curtas será online, e o público elegerá o Melhor Filme.
Em 2020, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) estabeleceu uma ação regulatória que obrigou os cinemas do país a disponibilizarem aparelhos de acessibilidade para pessoas com deficiência visual e auditiva, com recursos como legendagem descritiva, Libras e audiodescrição, sob pena de multa. Dados da Ancine de 2019 mostravam que, das 3.300 salas de cinema no Brasil, apenas 269 ofereciam algum desses recursos, representando apenas 8% do total. Na Região Metropolitana, o Cinema da Fundação (Derby e Casa Forte), o Cinema São Luiz, o Teatro do Parque, o Cine Royal e os cinemas dos shoppings Tacaruna, Recife, RioMar, Boa Vista, Plaza, Camará, Igarassu e ETC Rosa e Silva atualmente oferecem tecnologias assistivas
Embora criados para facilitar, os recursos de acessibilidade têm se tornado mais complexos: a pessoa com deficiência precisa do celular como exibidor, baixar o filme e os recursos com antecedência e garantir bateria e fones de ouvido. “Antes, estávamos caminhando em direção a salas de cinema equipadas com esses recursos, e algumas salas já tinham essa estrutura aqui no Recife, como o Plaza e o Boa Vista. Mas, com o tempo, as produtoras começaram a optar pelo modelo dos aplicativos, pois o custo é menor, e o governo deixou de cobrar por essas adaptações mais completas”, critica Liliana.
A funcionária pública Rita Guaraná, de 55 anos, tem deficiência visual parcial e se diz desencorajada em frequentar salas de cinema devido à limitação de sessões acessíveis e inclusivas. “Tenho baixa visão, fotofobia intensa e não enxergo em cores, mas amo cinema. Tornar as sessões acessíveis e inclusivas, com audiodescrição em todos os filmes, sejam eles longas ou curtas, é fundamental”, afirma. “Quando vou assistir a um filme, preciso sentar na primeira fileira e fico atenta aos filmes dublados, porque nos legendados não consigo ler as falas”, completa.
A partir de 2025, o VerOuvindo adotará um novo formato, já experimentado, levando cinema para escolas públicas, expandindo seu foco com debates sobre inclusão, profissionalização, e a construção de uma sociedade mais justa e acessível. Ao longo desses 10 anos, o festival proporcionou que pessoas com deficiência tivessem acesso a curtas pernambucanos, como Recife de Dentro para Fora (1997), de Kátia Mesel; Dorme Pretinho (2022), de Lia Letícia; e Ciranda Feiticeira (2023), de Thiago Delácio, além de longas como e Veneza Americana (1925), Baile Perfumado (1996) e Bacurau (2019).