As canções icônicas dos discos ‘A arca de Noé’, de Vinicius de Moares, inspiraram o roteiro de uma das mais ambiciosas produções do território da animação no Brasil. Dirigida por Sérgio Machado e Alois Di Leo, que também assina o roteiro com a colaboração de Heloisa Périssé e Ingrid Guimarães, o filme Arca de Noé, que acaba de entrar em cartaz nos cinemas, utiliza as rimas, poesias e construções de palavreado eternizadas pelo autor, levando vários aspectos de sua brasilidade para o mundo todo – visto que a obra já foi vendida para mais de 70 países.
A trama narra as aventuras de dois ratos boêmios, Vini e Tom, que tentam emplacar seus números musicais, sem qualquer sucesso, em um bar acabado, sonhando em ser famosos um dia. Quando ficam sabendo de um dilúvio que devastará o planeta e da construção de uma arca que vai abrigar apenas casais de animais, os dois entram em desespero para se salvar juntos – e, uma vez que consigam, precisam ainda comprovar seu talento para não se tornarem reféns do tamanho e da crueldade de outros animais dentro do grande barco de madeira.
A ideia para o projeto surgiu anos atrás através da filha mais velha de Vinicius, Susana, que procurou Walter Salles e Sérgio Machado para transformar as canções e poemas antológicas na memória nacional em um longa de animação. A popularidade internacional dessas canções, de acordo com o próprio diretor, levou a um sucesso enorme para a divulgação do filme no exterior, e, agora, é o momento de o público totalmente familiarizado com a beleza e humor das letras e melodias subir a bordo de Arca de Noé.
Nas duas vozes principais, Rodrigo Santoro e Marcelo Adnet, não apenas somem nos personagens e têm uma interação de timing excelente como soltam suas vozes em números musicais contagiantes que estão entre as melhores qualidades do filme – e o mesmo se estende a Alice Braga, como Nina, e Lázaro Ramos, como Baruk. A direção e o roteiro também fazem o possível para manter a fábula política presente nos trabalhos originais, especialmente quando vai tratar de questões de dominação e poder, identidade e reconhecimento, entre outros temas, dentro do espaço confinado da Arca.
Chama a atenção a tentativa obsessiva de atualizações do filme, que brinca com memes, jargões do universo digital e ‘correções’ de conceitos revistos nos últimos anos. Os temas não são, porém, acumulados de forma pedagógica e o foco de Arca de Noé está claramente em envolver o público infantil na animação a partir de um dialeto brasileiro.
Em entrevista ao Viver, o diretor Sérgio Machado falou sobre o processo de fazer as vozes tão reconhecíveis do elenco desaparecerem nos animais. “Uma ideia que eu tinha desde o começo era que queria ter grandes atores para fazer cada um dos personagens da Arca. Dublagem é um recurso fundamental e que utilizo muito, mesmo nos filmes que não são de animação. É uma possibilidade de recriar junto com os atores num ambiente tranquilo e controlado. A maioria dos atores convocados são amigos com quem já havia trabalhado em projetos anteriores ou que estou trabalhando para os próximos filmes. Havia intimidade, cumplicidade e liberdade total para criarmos juntos e descobrir quem era cada um desses habitantes da arca”, contou o cineasta.
Sérgio destacou ainda as mensagens contidas no longa e a maneira como elas são transmitidas por meio da linguagem infantil. “É um filme de aventura, comédia e música, mas que traz ideias importantes. Há a mensagem ecológica e também a de aceitação do outro. A arca representa do planeta: um espaço limitado passando por uma catástrofe climática, onde os bichos precisarão aprender a sobreviver e conviver pacificamente. Os bichos mais fracos como os ratos e os insetos precisarão juntar forças para, através do único talento musical, evitar que ele e seu bando subjuguem todos os outros. A arte, no nosso filme, é vista como o melhor antídoto para a barbárie”, completou.