LITERATURA

Clássico de George Orwell, '1984' completa 75 anos

Autores refletem sobre a ressonância do livro no mundo contemporâneo da hiper vigilância

Publicado em: 08/06/2024 06:00 | Atualizado em: 10/06/2024 14:16

Uma das obras mais influentes da literatura distópica, o romance 1984, escrito por George Orwell, está completando 75 anos e seus rastros são perceptíveis nas ficções criadas nas décadas que seguiram e no comportamento da sociedades. Ambientada em um futuro não especificado, que se acredita ser o ano do título, a história trata de um mundo em guerra eterna no qual a antiga Grã-Bretanha se transformou em parte do estado totalitário liderado pelo ditador Grande Irmão, que promove a absoluta vigilância e a perseguição do pensamento livre. O protagonismo da trama fica com um trabalhador do Ministério da Verdade, Winston Smith, que inicia um relacionamento secreto com Julia Worthing, com quem passa a descobrir segredos do sistema.
 
Orwell, nascido em 1903 na Índia Britânica e falecido em 1950 no Reino Unido, é considerado um dos maiores e provocadores autores do século 20. 1984, seu último trabalho publicado, partilha de várias das suas constantes críticas – sobretudo aos sistemas totalitários e ao socialismo soviético – com o igualmente antológico A revolução dos bichos, de 1945. Conhecido pela forte conexão com os acontecimentos político, tendo visto em seu curto tempo de vida a ascensão e queda do nazismo, o escritor percebia, mesmo após o fim da Segunda Guerra, os perigos do totalitarismo e da sociedade do controle emergindo com distintas intensidades.
 
O romance, portanto, não demorou a revelar seu impacto na cultura: enquanto o mundo televisionado virou realidade já nos anos seguintes da morte de Orwell, a virada do milênio e as últimas décadas trouxeram ainda mais atualidade a 1984 com o império digital e as redes sociais. Os programas de reality show, com o formato internacionalizado e célebre no Brasil através do Big Brother, são visivelmente produtos dessa ideia da submissão a um processo de hiper vigilância, como bem pontua a professora e jornalista Adriana Dória, mestra em Teoria da Literatura.
 
"É muito irônico como o reality show acaba sendo reflexo da ideia de Orwell: pessoas que docilmente aceitam ficar enclausuradas, confinadas e internadas em uma casa sendo assistidas, monitoradas, criticadas e analisadas por uma audiência que é, da sua forma, opressiva. Se essa sociedade do controle não acontece de modo tão opressor como no livro, nós, por outro lado, muito facilmente nos entregamos ao controle, mas não do estado e, sim, do capital, por exemplo. Damos nossos dados, o que pensamos e desejamos, que estão sendo sempre monitorados pelos microfones e câmeras dos celulares e computadores, e, curiosamente, isso não soa tão horrível assim para nós", destacou Adriana ao Viver. "Seria muito interessante que as pessoas pudessem voltar à leitura de 1984 observando que o mundo de Orwell era muito diferente de como ele está agora. Acredito que isso pode incitar uma discussão muito rica", completou.
 
Escritor e pesquisador, Oscar Nestarez também falou sobre como a distopia do livro se relaciona com o contemporâneo. "Mesmo 75 anos depois, 1984 é a distopia paradigmática, que revela para nós o nosso próprio tempo. E, conforme vamos presenciando o que acontece no mundo, percebemos estar mais próximos também da imaginação de Orwell. Quando ele escreveu, tinha a intenção de alertar para a ascensão do totalitarismo. Ele exagerou o cenário e concebeu um universo absolutamente opressor e hiper controlado, mas cá estamos em uma sociedade vigiada em vários aspectos e com poderes e tecnologias surgindo com ideias que, sob o pretexto da segurança, acabam por nos colocar nessa constante superexposição”, explicou Oscar.
 
Já o escritor e editor Sidney Rocha citou o período em que leu o romance pela primeira vez e destacou como ele se comunicava com contexto político do Brasil na época. “Era leitura obrigatória na formação política da minha geração. A temperatura política de 1984, ano em que li, era pessimista e niilista. Reinava certo alarmismo, não em vão. Deveríamos ter levado o livro mais às escolas que os bares, na época, quando éramos um pouco Winston, em luta contra a opressão política e a manipulação das massas. Era ditadura no Brasil e a transição só veio em 85. Vivíamos aquele ‘1984’ em plena Conde da Boa Vista, nas universidades. Temíamos pelo fim da individualidade num país que negava a verdade e tudo mais a jovens como nós”, relembrou. “O que Orwell intuiu a partir da Europa naqueles anos 40 foi fundamental para a construção de nossas mentalidades. Espero que novas gerações continuem se interessando pelo livro”.

‘JULIA’, A VERSÃO FEMINISTA
Foi lançada este ano a versão de 1984 contada pela perspectiva de Julia, uma das protagonistas e personagem que desafia o partido totalitário em busca de liberdade. Escrita pela autora americana Sandra Newman, a publicação chegou ao Brasil em abril, pela editora Jangada.
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