LIVRO

Justiça derruba censura ao livro "O Menino Marrom" em Minas Gerais

Prefeitura de Conselheiro Lafaiete tinha suspendido uso da obra nas escolas após reclamações de um grupo de pais de alunos

Publicado em: 27/06/2024 17:33


Obra "O Menino Marrom", de Ziraldo, foi publicada em 1986 (foto: Reprodução)
Obra "O Menino Marrom", de Ziraldo, foi publicada em 1986 (foto: Reprodução)

A Justiça de Minas Gerais derrubou a censura imposta pela prefeitura de Conselheiro Lafaiete (MG), cidade localizada a 100 quilômetros de Belo Horizonte, a obra "O Menino Marrom", do cartunista Ziraldo. A suspensão ocorreu após a reclamação de um grupo isolado de pais de alunos.

 

O livro deixou de ser usado nas escolas e uma circular da prefeitura proibiu o uso durante as aulas nas instituições de educação básica da cidade. Em nota, a Secretaria de Educação do município chegou a negar que tivesse imposto censura a obra que trata sobre racismo.

“A Secretaria Municipal repudia qualquer declaração de censura e esclarece que preza pela liberdade de expressão, pluralidade e respeito a todos, ressaltando que em nenhum momento foi cogitada qualquer ação que não fosse manter a obra em seu rol de livros e promover um debate mais amplo sobre as importantes questões nela abordadas”, declarou a pasta.

 

Em um dos trechos do livro, o autor relata que o menino marrom, em referência a pessoas pardas e negras, tenta ajudar uma idosa a atravessar a rua, mas ela se recusa. Então, na história fictícia, o menino reage, desejando que a idosa seja atropelada.

 

"E lá apareceu a velhinha, de novo, indo para a missa. Os dois não diziam nada. Só ficaram olhando a velhinha atravessar a rua que levava à praça e depois à igreja. A velhinha sumiu no meio da vegetação da pracinha e os dois voltaram para casa. No dia seguinte, olha os dois lá, de novo, sentadinhos na calçada, esperando a velhinha passar. No final de algumas manhãs, já que o menino marrom não dizia nada, o menino cor-de-rosa resolveu perguntar: ‘Por que você vem todo dia ver a velhinha atravessar a rua?’ E o menino marrom respondeu: ‘Eu quero ver ela ser atropelada’. Como pode durar este jogo de deus e de diabo em peito de menino?", destaca um dos trechos.

 

O juiz Espagner Wallyssen, da 1ª Vara Cível da Comarca de Conselheiro Lafaiete, entende que houve censura à obra e que a mera manifestação de um pequeno grupo de pais de alunos não pode ser usada para justificar a medida. Ele acatou ação movida pela professora Érica Araujo Castro, que pediu o fim da restrição aplicada ao livro. "É necessário preceituar que a mera pressão exercida por supostos pais de alunos em relação a conteúdos educacionais veiculados para os estudantes, não deve ser motivação idônea para que a Administração Pública, em detrimento do direito da educação, e em contrariedade a especialistas da área, censure, em contrariedade ao texto constitucional", escreveu o magistrado.

 

Ele determinou o fim da suspensão aplicada ao livro, sob multa de R$ 5 mil por dia de descumprimento. Para o magistrado, basta que seja aplicada a classificação indicativa por idade do livro. "Consigno que a única “censura” passível de ser aplicada a materiais como livros, é a classificação indicativa, que decorre da “previsão constitucional regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e é disciplinada por portarias do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A classificação indicativa se encontra consolidada como política pública de Estado e seus símbolos são reconhecidos pela maioria das famílias", completa a decisão.

 

O advogado da parte autora, Eduardo Gravina, comemorou a decisão. "Como destacado na Ação Popular ajuizada, o ato da Secretaria de Educação de Conselheiro Lafaiete é medieval. Em uma democracia, obras literárias não devem ser alvo de censura, especialmente obras insuspeitas como "O Menino Marrom", do saudoso Ziraldo. A decisão proferida pelo Juiz Espagner Wallysen, da 1ª Vara de Conselheiro Lafaiete, nesse sentido, reforça o respeito à autoridade suprema da Constituição da República e restaura a liberdade de ensino garantida aos professores, bem como a liberdade de aprender dos estudantes, assegurando o sagrado direito constitucional à educação e à liberdade", afirmou o defensor.

 

 

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