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Apostando alto: os riscos invisíveis dos jogos de azar on-line

Jogos de azar investem cada vez mais em propagandas nas redes sociais para alcançar públicos vulneráveis por meio de promessas perigosas

Publicado em: 01/07/2024 05:02 | Atualizado em: 01/07/2024 05:14

Jogos de azar on-line têm se popularizado através de influenciadores, que divulgam as plataformas através das redes sociais (Foto: Ruan Pablo/DP)
Jogos de azar on-line têm se popularizado através de influenciadores, que divulgam as plataformas através das redes sociais (Foto: Ruan Pablo/DP)
Os limites dos jogos de apostas online foram colocados em discussão mais uma vez após a repercussão do caso da assistente social Maria das Graças Conceição dos Santos, de Maceió, que caiu em um golpe do famoso "Jogo do Tigrinho". A denúncia da vítima foi o que motivou a Operação Game Over, da Polícia Civil de Alagoas, que apreendeu carros, joias, uma lancha, celulares, dinheiro e passaportes de vários suspeitos de envolvimento no esquema.

Os jogos de aposta já fazem parte do cotidiano das pessoas há muito tempo, uma vez que começaram com dados, piões, cartas de baralho, roletas e bolas numeradas. Hoje, eles ocupam plataformas digitais e estão presentes até mesmo nos bolsos das pessoas, através dos smartphones.

Antes de explicar como este tipo de jogo funciona, é necessário entender a diferença entre jogos de aposta online e jogos de azar. No primeiro caso, o jogador consegue acompanhar o resultado e saber se ganhou ou perdeu, como um jogo de futebol, por exemplo. Além disso, o usuário está ciente de qual lucro que terá caso o resultado seja favorável.

Já os jogos de azar como Fortune Tiger, Aviator, Mines, Fortune Ox, Spaceman, Penalty Shoot Out, Plinko e JetX dependem de um algoritmo que, muitas vezes, não é claro e não permitem que os usuários saibam se chegaram a algum resultado. Nestes aplicativos, não é possível saber se os desenvolovedores o algoritmo fizeram mudanças para serem favorecidos.

Como funcionam os jogos de azar online

Os jogos de azar online são um tipo de caça-níquel e não exige do usuário um conhecimento profundo da sua operação ou mecanismo interno. Isso porque não existem técnicas ou métodos concretos para ganhar e qualquer pessoa pode jogar sem precisar de habilidades específicas.

Estes jogos, que estão disponíveis nas lojas on-line de aplicativos, são baseados no alinhamento de símbolos idênticos em ‘colunas’ virtuais. Por conta de um microprocessador conhecido como RNG, os símbolos são atribuídos a uma uma probabilidade e frequência de alinhamento diferente. 

O processador do jogo é capaz de estabelecer a frequência com que o jogador irá vencer e isso é feito através da definição das roletas. Este elemento está ligado ao conceito de risco. Em muitos casos, os algoritmos são ‘viciados’ e programados para fazer com que o usuário perca ou não consiga sacar o dinheiro.

Mesmo diante dos riscos claros dos jogos de azar online, o número de jogadores auementa e casos como o da alagoana Maria das Graças aparecem com frequência. As´empresas responsáveis por estas plataformas utilizam estratégias para alcançar um público ainda maior.

“Os jogos de azar online conseguem prender os usuários por meio de uma série de estratégias que podem explorar as vulnerabilidades psicológicas do ser humano. Existem alguns fatoresque podem contribuir para isso, como por exemplo, recompensas variáveis, fatores sociais, o design do jogo, sentimentos envolvidos e os aspectos cognitivos”, explica a psicóloga Brunna Laís.

De acordo com a especialista, este tipo de jogo dá ao usuário falsas sensações de vantagem e consegue prendê-lo alimentando expectativas. 

“Os jogos de azar frequentemente utilizam um sistema de recompensa variável, em que os prêmios são distribuídos de maneira imprevisível. Esse sistema é altamente eficaz para manter os jogadores naquela situação porque cria um ciclo de expectativa e excitação. É um conceito similar ao experimento de Skinner, um psicólogo que mostrou que recompensas imprevisíveis levam a comportamentos mais persistentes”, completa.

Jogos de azar podem causar prejuízos psicológicos e financeiros

Este tipo de ferramenta também é capaz de ativar o sistema de dopamina no cérebro, que está associado ao prazer e a motivação. “Cada vez que um jogador ganha, mesmo que raramente, o cérebro ele libera a dopamina e reforça o comportamento de jogar”, destaca a psicóloga.

A empresária Mariana Cardoso, de 28 anos, moradora do bairro de Candeias, em Jaboatão dos Guararapes, é uma usuária deste tipo de plataforma e conta que já perdeu dinheiro apostando.

“Eu conheci os jogos através de influenciadores que divulgam e jogo praticamente todos os dias. Eu jogo, por exemplo, 30 rodadas em um jogo e, se eu perder, passo para outro. Não fico com receio de perder, pois eu ganho mais que perco. Eu só jogo de madrugada porque a probabilidade de ganhar pé maior. Toda vez que eu tive ganhos altos foi na madrugada. Geralmente passo duas ou três horas jogando em plataformas diferentes. A maior perds que tive foi R$ 2 mil, quando fiz quatro apostas de 500 reais, mas consegui recuperar o valor”, conta a empresária.

O uso frequente de jogos de azar é capaz de causar prejuízos psicológicos, como explica Brunna Laís. “O estresse associado ao jogo pode levar à dificuldades para dormir, resultar em insônia e causar sonos irregulares, porque os momentos das partidas podem ser longos”, afirma.

Os prejuízos causados pelos jogos de azar online vão além dos danos psicológicos e podem afetar o bolso dos usuários.

“Em determinado momento, apesar das consequências negativas associadas ao jogo, como perda de dinheiro, problemas legais, impactos nas relações pessoais e estresse emocional, alguns jogadores continuam a jogar devido à compulsão ou dificuldade em controlar o comportamento de jogo. À essa altura, o desenvolvimento de estratégias de tratamento é de suma importância, incluindo desde o acompanhamento psicoterapêutico, até o uso de psicofármacos”, explica a mestre em psicologia da saúde, Melissa Garcia.

Influenciadores como propagadores dos jogos de azar
Riscos deste tipo de jogo são altos e, muitas vezes, usuários não percebem a quantidade de dinheiro perdido (Foto: Ruan Pablo/DP)
Riscos deste tipo de jogo são altos e, muitas vezes, usuários não percebem a quantidade de dinheiro perdido (Foto: Ruan Pablo/DP)

Assim como a empresária Mariana Cardoso, muitos usuários conheceram os jogos de azar através de influenciadores, que são pagos para divulgar os aplicativos. Atualmente, a polícia tem  deflagrado diversas operações para investigar os influencers que propagam estas plataformas nas redes sociais.

Eles teriam o conhecimento prévio de que a versão que compartilham na internet com os seguidores é uma versão “demo”, programada para conseguir a combinação necessária para obter ganhos financeiros. 

A empresária Mariana Cardoso foi uma das convidadas a divulgar as plataformas de aposta on-line através da rede social da clínica de estética dela, mas não seguiu em frente com a proposta por não querer misturar trabalho e vida pessoal. 

“Eu acho que os influeendadores têm um pouco de responsabilidade diante das pessoas que perdem dinheiro, porque neste meio tem as plataformas fantasmas e que não pagam. Quando a gente está trabalhando para influenciar outras pessoas, temos que saber com o que estamos trabalhando”, comenta a empresária.

Jogos de azar online não poupam as crianças e adolescentes e propagandas para este público também já estão presentes nas redes sociais, que entregam cada vez mais publicidades do tipo para o público mais jovem. Um investigação do Instituto Alana mostrou que adolesfentes estão sendo recurtados para divulgar os jogos. O caso foi levado para o Ministério Público, que denunciou a Meta após identificar cerca de 50 conteúdos no Instagram com anúncios ilegais de casas de apostas.

Além das crianças, há outros grupos da sociedade que são mais vúlneráveis a este tipo de jogo. 

“Vários estudos apontam que sim. A cultura e o ambiente social de um indivíduo podem desempenhar um papel significativo na propensão ao vício em jogos de azar. Normas sociais que valorizam o jogo, a influência de amigos ou familiares que jogam e a disponibilidade de locais de jogo podem aumentar o risco de desenvolver um vício”, explica a psicóloga Melissa Garcia.

Regulamentação

Desde 30 de dezembro de 2023, está em vigor a Lei 14.790/23, que regulamenta as apostas de cota fixa, as famosas bets. Estas apostas são aquelas em que o apostador sabe exatamente qual é a taxa de retorno. A lei ainda estabelece que as empresas adotem práticas de atendimento aos jogadores, combate à lavagem de dinheiro, incentivo ao jogo responsável e prevenção de fraudes e manipulação de apostas.

De acordo com o delegado titular da Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DPCRICI), Eronides Meneses, os jogos de azar são proibidos pela Lei de Contravenções Penais. 

“Apesar dos sites de apostas esportivas estarem autorizados, há dezenas de influenciadores fazem sorteios, bingos e divulgado jogos não regulamentados. Há também a lavagem de dinheiro, que movimenta muitos milhões e todo o lucro que se aferiu é ilegal. As pessoas que são vítimas de golpes podem denunciar e a gente pede que seja feito o registro do Boletim de Ocorrência e contrate um advogado para conseguir o dinheiro de volta. As propandas também estão em plataformas como o Google, que está lucrando através disso e as pessoas não costumam processar esta empresa, mas elas podem fazer isso”, explica.

O delegado ainda alerta os pais de crianças e adolescentes sobre o uso destas plataformas irregulares. “É importante que os pais fiquem em alerta com esses influencers que estão incentivando jovens e criançlas a jogar jogos de azar online. É importante que essas pessoas sejam bloqueadas, pois elas incentivam as crianças e adolescentes a iniciarem no mundo do vício”, finaliza.
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